Grato, leitores, pelas dúvidas levantadas e sugestões sobre o artigo anterior. Elas estimulam e permitem que a discussão sobre tarifas portuárias seja aprofundada.
1) Sim! Como nele mencionado, pelo contexto (Itens 124-127 e 193 do VOTO; e 9.1.4; 9.1.13; 9.1.14; 9.1.15; 9.1.17 do ACÓRDÃO), entende-se que “tarifa”, na decisão do TCU, refere-se a preços cobrados pelos arrendatários a seus clientes. E não às tarifas das Administrações Portuárias (APs) a seus usuários. Justamente por isso, como bem esclarecido e argumentado pela SEP, em seu Pedido de Reexame (PR), que praticamente se concentrou nesse único (dos 19) itens (pgs. 9 a 17, em particular), o Estudo da USP, mencionado pelo TCU, teria/terá pouco a contribuir. Como sintetizado, com felicidade, à pg. 16: “Tratam-se de duas tarifas conceitualmente distintas, referentes a atividades absolutamente dissociadas...”: Perfeito!
2) A propósito: As 9 (das 28) páginas do PR, despendidas para esclarecer a diferença entre as duas “tarifas” (as cobradas pelas APs e aquelas pelos arrendatários), é, em si, uma confirmação da tese do 1º artigo: “Rigor e clareza conceituais não são preciosismos. Não é um luxo. Podem minimizar tempos perdidos e/ou muitos re-trabalhos como, também, contribuir para a transparência em tema tão importante”.
Foto: Porto do Rio Grande
Próximas decisões terão enorme importância para o futuro das Autoridades Portuárias
3) Sim! Em termos práticos, a adjetivação do termo (“tarifa”) poderia ser uma solução: Tarifa-infraestrutural, tarifa-condominial, tarifa-operacional, etc. Todavia, sem ser uma limitação intransponível, vale observar: Adjetivação é normalmente utilizada para se diferenciar espécies. E, no caso, há diferenças que estão mais para gênero: As tarifas (das APs), em princípio, são: i) Universais e isonômicas para todos os usuários/clientes (operadores, arrendatários, armadores e, mesmo, para TUPs que se utilizam de infraestruturas básicas e/ou serviços condominiais de um Porto Organizado.); ii) Objeto de normas específicas; iii) Com publicidade; iv) Possíveis de serem revistas periodicamente pelas autoridades competentes. Os preços (“tarifas” dos arrendatários), ao contrário, no limite: i) Podem ser individuais para cada cliente; ii) Praticados sem publicidade; iii) Objeto de instrumento contratual (e não norma!) particular (contemplando, ainda, diversas outras condições específicas).
4) Quando se trata de remuneração, paga pelo arrendatário à AP, tendo como fato gerador o uso de ativos (áreas “green field”, pátios, armazéns, etc) disponibilizados (por período determinado), as diferenças são ainda maiores. Ela é: i) Específica e particular para cada ativo; ii) No modelo atual é fixada em Edital; já no anterior (contratos Pós-93) advinda de proposta (vencedora) em processo licitatório (concorrência ou leilão), a partir de valores mínimos; iii) Fixada para o longo prazo, inclusive com seus critérios de reajustes; iv) Consubstanciada em contrato (firmado entre o parceiro e a AP, no modelo anterior, e com o Poder Concedente; no vigente).
5) Por outro lado, o tratamento/apropriação de remuneração como um receita tarifária e, a partir daí, seu uso para o custeio da AP, pode gerar, também, uma disfunção regulatória: Nenhum escândalo! Nada que, se transparente, não seja defensável! Mas uma determinada tarifa (ou todas elas) pode estar sendo subsidiada pela remuneração de um “patrimônio público”; o que pode dar margem a arguição de “assimetria concorrencial” ou “concorrência desleal”. Tais tensões podem se tornar mais frequentes agora que TUPs também podem movimentar “Cargas de 3º”; ou seja, atuar no mercado... muitas vezes o mesmo “mercado relevante” de um determinado Porto Organizado (Santos e Itajaí, os exemplos mais frequentes).
6) A diferença no número da terminologia tampouco é ocasional: Remuneração é singular por se referir a um ativo; a um contrato de arrendamento. Tarifas e preços estão normalmente no plural porque, na verdade, nunca há uma só! São inúmeros (dezenas!): Uma “cesta”, como propriamente se refere e exemplifica a SEP no seu PR (pg. 18, 20, p.ex). Por isso, cabe a dúvida: A que “tarifa-teto” (como visto, mais próprio “preço”) se refere a decisão do TCU? Ou deveria haver uma para cada serviço da “cesta”? Neste caso, a estratégia comercial do arrendatário não ficaria muito engessada? Não se estaria criando uma assimetria com os TUPs, agora também no mercado?
Ao que tudo indica, há ainda muita discussão à frente. Certamente o Estudo da USP deverá esclarecer vários pontos e sugerir encaminhamentos. Mas, pelo inicialmente anunciado, o processo (agora com PR da SEP) deverá voltar à pauta do TCU logo nas primeiras reuniões do ano e, assim, a discussão deverá ser retomada brevemente.
Dois comentários finais; também na linha dos subsídios:
Essa discussão, e as decisões que serão tomadas, têm enorme importância para o futuro da sustentabilidade econômico-financeira das APs; muitas delas enfrentando déficits crônicos/estruturais (vide, p.ex, diagnóstico contratado pelo BNDES). Mas, para a estratégia de redução dos custos logísticos (grande desafio nacional!), ela tem bem menos relevância que parece ter. Ao menos do ponto de vista estritamente quantitativo: i) Os custos portuários representam algo da ordem de 1/6; não mais de 1/4 dos custos logísticos. ii) Dos custos portuários, as tarifas (o cobrado pelas APs) muitas vezes não chegam à metade: Por conseguinte, tais tarifas podem representar menos de 10% dos custos logísticos totais!
Tem sido frequente a analogia do setor portuário com o setor elétrico, com rodovias, como que se buscando um meta-modelo; universal. E, mais recentemente, também, com aeroportos. O tema é polêmico, é verdade! Mas, as diferenças parecem ser bem maiores (no mínimo, tão importantes quanto!) que as semelhanças. No caso dos aeroportos, p.ex., dentre tantas, observa-se que o critério de julgamento adotado nos recentes leilões foi justamente o que predominou nas 2 últimas décadas no setor portuário; e, incidentalmente, vem de ser aposentado pelo Novo Modelo Portuário. Ou seja: Maior oferta para o valor da outorga (01, 02, 03, 04, 05).
A par do rigor conceitual, como no tocante às tarifas, a precisa caracterização da anatomia e da fisiologia do setor também pode contribuir para a minimização de re-trabalhos, mais transparência, eficiência gerencial e segurança jurídica.