Pontos-chave:
1) Novo Decreto Federal explicita (melhor) atribuições/competências para licenciamento ambiental.
2) O critério adotado baseia-se no porte do empreendimento.
3) Algumas dúvidas e embates judiciais certamente tendem a ser evitados.
4) Outros não; já que (cada vez menos) o órgão ambiental licenciador dá a última palavra! Em muitos casos ele, até, se torna réu (ou co-réu) de processos administrativos e/ou judiciais!
Há exatamente um mês o Governo Federal, após um ano e meio de discussões, envolvendo diversos órgãos e instâncias, editou o Decreto nº 8.437 que estabelece “tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será de competência da União”. Isso para regulamentar o disposto no art. 7º, caput, inciso XIV, alínea “h”, e parágrafo único, da Lei Complementar nº 140/2011; diploma que, por sua vez, regulamenta dispositivos constitucionais, particularmente no tocante à cooperação e competências comuns da União, Estados, DF e Municípios no tema.
Por alguns o Decreto foi saudado como instrumento capaz de destravar os processos licenciadores. Outros, porém, são menos otimistas. Todavia há razoável consenso de que, ao menos em relação a competências, o Decreto contribui para maior segurança jurídica dos processos.
Na verdade, e na prática, o Decreto explicitou o tipo de empreendimento que doravante deve ser licenciado no IBAMA (órgão federal e, por diferença, a competência dos órgãos ambientais estaduais e municipais). Para tanto adotou, como critério básico, seu porte (a “tipologia” – Art. 3º); alterando critérios anteriores mais funcionais, geográficos ou institucionais. Em tempo: Os empreendimentos com processos em curso serão concluídos com a regra anterior.
No setor energético, p.ex., o IBAMA licenciará apenas usinas hidrelétricas e térmicas com capacidade de geração superior a 300 megawatts (MW); parques eólicos instalados no mar; e exploração de xisto. No de transportes, todos os casos de ferrovias; estradas e hidrovias quando as intervenções envolverem mais de 200 km de extensão. Em ambos os casos incluem-se aqueles quando, ainda que de menor porte, a infraestrutura envolver mais de um Estado.
No caso de portos públicos ou TUPs (Incisos-IV e V) há 2 pontos de corte relacionados à movimentação de cargas: i) 450.000 TEU/ano (da ordem de grandeza de Paranaguá-PR e Rio Grande-RS – afora esses, só Santos e Itajaí estão acima); ou ii) 15 milhões/toneladas/ano (da ordem de grandeza do Porto de Vila do Conde-PA e Rio Grande-RS – afora esses, só Santos, Paranaguá e os terminais graneleiros de Tubarão-ES, Ponta da Madeira-MA e São Sebastião-SP estão acima). O Decreto não deixa claro – salvo engano, como o fez para rodovias e hidrovias (Incisos-I e III), se no caso de portos existentes tal parâmetro se refere à dimensão do porto existente ou se do previsto para o “aumento de capacidade” (o que, pelo contexto, parece o mais provável).
Alvissareira tal definição! Casos como diferença de enquadramentos, como dos portos catarinenses, certamente não devem se repetir: Em Itajaí os empreendimentos são licenciados na Fundação do Meio Ambiente (FATMA), enquanto que no de São Francisco do Sul, há menos de 100 km, pelo IBAMA; distinção que tem implicações (por vezes significativa!) sobre exigências, procedimentos e, como decorrência, prazos.
Ou no Porto de Santos, no qual a dragagem até uma determinada profundidade (de manutenção) é licenciada estadualmente. E, a partir daí (de aprofundamento) pelo órgão federal.
Ou poderá, até mesmo, reduzir a probabilidade de casos como um muito comentado na década de 90: A CDRJ precisava fazer uma dragagem para o Porto de Sepetiba. Fez o projeto e licenciou-a no órgão estadual. Licitou; realizou, concluiu e pagou a obra. Algum tempo depois seus diretores teriam respondido processos porque o licenciamento deveria ter sido feito no órgão federal! ...
Tais “surpresas” ocorrem porque, na prática, na vida real o processo de licenciamento, ao contrário do que normalmente se imagina, não está adstrito apenas aos órgãos ambientais (federal, estaduais ou municipais) – cada vez menos dando a última palavra. E, até mesmo, ao próprio poder executivo!
Ministério Público, Justiça, Tribunais de Contas, p.ex., têm tido crescente participação em tais processos. Além de diferenças interpretativas (liberdade sempre lembrada pelos procuradores), em muitos casos, inclusive, fazendo do próprio órgão licenciador réu de processos. E, ironicamente, em algumas oportunidades, sentado no mesmo banco, lado a lado com o “empreendedor”... que ele recém-licenciou.
Caso emblemático é o do licenciamento do “Plano Integrado Porto-Cidade – PIPC”; projeto de expansão do Porto de São Sebastião:
Após mais de 5 anos de tramitação (01, 02, 03); inúmeras versões do projeto de concepção; termo de referência do EIA/RIMA acordado entre os diversos órgãos ambientais; 152 reuniões (sendo 22 de grande porte) realizadas antes que a documentação fosse protocolada, em SET/2009; pesquisa IBOPE indicando mais de 2/3 da população à favor do empreendimento (ironicamente encomendada por seu adversários!); 2 longas (mais de 6 horas de duração) e concorridas (mais de 1.000 participantes, cada) Audiências Públicas conduzidas pelo IBAMA, em DEZ/2011 (São Sebastião e Ilhabela); a Licença Prévia – LP nº 474/2013 foi expedida pelo IBAMA, em DEZ/2013 (01, 02, 03, 04).
Pois é! Liberado para desenvolvimento dos projetos? Não! Ainda não! Poucos meses depois tal LP foi “suspensa”, por discutível decisão liminar em uma “Ação Civil Pública” – situação que, entre escaramuças, idas e vindas, perdura até o momento.
Para reflexão: 10 dias antes da publicação do Decreto o filósofo Roberto Mangabeira Unger, atual Ministro de Assuntos Estratégicos, deu longa entrevista ao VALOR ECONÔMICO (13/ABR). Entre tantos outros, trata desse tema. E de forma bastante crítica:
"O problema não é que as regras sejam ou não severas demais. O problema que não é compreendido no país é que a rigor não há regras. O nosso direito ambiental não existe. Não existe um direito ambiental substantivo. Existe um direito quase exclusivamente processual, que delega poderes discricionários praticamente ilimitados a um elenco de pequenos déspotas administrativos. Não estou tratando nem de um outro aspecto, que são os órgãos de controle como os tribunais de contas, o Ministério Público. É uma perseguição permanente à atividade criativa do país. Empoderamos esta elite política e judiciária, ao mesmo tempo em que criamos um vácuo de regras, e portanto nos colocamos sob a ditadura desses juízes sem lei. Isto é um impedimento intransponível à democratização da economia de mercado e ao produtivismo includente."
Teria mudado a visão do Ministro com o Decreto? Em que extensão?