A recente imposição unilateral de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pelos Estados Unidos não é apenas um movimento protecionista; é uma tentativa de golpe direto na veia da nossa competitividade exportadora e, por inerência, na espinha dorsal do sistema portuário nacional.
Enquanto o Governo e o próprio Itamaraty, agindo com a devida celeridade, já se mobilizaram, sendo uma das ações congregar esforços na OMC para contestar a medida, é imperativo que o Brasil desperte para a urgência de um cenário que se consagra como uma ameaça desestabilizadora dos principais articuladores do comércio exterior do país: nossos portos.
Como vítimas colaterais de uma despropositada guerra, os portos brasileiros – com destaque para Santos, Paranaguá e outros – já operam sob uma tensão constante, beirando o limite de sua capacidade. Uma queda abrupta nas exportações para o mercado americano, historicamente robusto, não é uma mera inconveniência; é um risco sistêmico que certamente se traduzirá em:
- Redução na movimentação de contêineres: Produtos estratégicos como suco de laranja, carne e café, cuja dependência do mercado americano é notória, verão seu fluxo drasticamente reduzido. Gigantes como Citrosuco e Louis Dreyfus tenderão a cortar contratos de armazenagem portuária, gerando um efeito contínuo de ociosidade.
- Catalização de ociosidade em terminais especializados: Granéis agrícolas, que representam 60% da movimentação em portos como Santos, serão duramente atingidos.
Ranking de Vulnerabilidade Portuária
Porto | % Exportações p/ EUA | Principais Cargas Afetadas | Projeção de Queda |
---|---|---|---|
Santos (SP) | 38% | Soja (25%), Café (18%), Sucos (15%) | -22% |
Paranaguá (PR) | 29% | Farelo de Soja (42%), Milho (23%) | -30% |
Rio Grande (RS) | 41% | Arroz (55%), Tabaco (33%) | -35% |
Itaqui (MA) | 12% | Minério (60%), Etanol (18%) | -8% |
Suape (PE) | 9% | Químicos (38%), Plásticos (22%) | -12% |
Dado Crítico: Porto de Santos pode perder US$ 120 milhões/mês em receita operacional.
Projeções por Setor
Setor | Ibovespa Weight | Queda Imediata | Recuperação (12 meses) |
---|---|---|---|
Agronegócio | 18% | -28% | +9% |
Mineração | 15% | -15% | +5% |
Siderurgia | 8% | -22% | -3% |
Petroquímica | 12% | -18% | +12% (com biocombustíveis) |
Fonte: JB Invest
Em meio à crise, na busca de aliados para enfrentá-la, identifica-se ferramentas como o Porto Sem Papel (PSP), concebido para digitalizar e desburocratizar os processos portuários, que emerge como potencial — mas limitada — via de escape. A promessa de agilizar a diversificação de mercados, com a liberação mais rápida de cargas para novos compradores, é uma oportunidade inegável, e o governo tem se empenhado em aprimorar seu uso.
Convém salientar que o PSP, por mais avançado que possa vir a ser, não resolve gargalos físicos (a precária infraestrutura em portos secundários continua sendo uma âncora). Pior: em um momento de margens operacionais já espremidas, as taxas administrativas no contexto do PSP — que não são, em sua maioria, cobranças do sistema em si, mas sim tributos já existentes — podem se tornar um fardo adicional.
Ciente dessa realidade, o governo federal, atuando em coordenação com os setores impactados, considera a possibilidade de isentar temporariamente essas taxas para empresas diretamente atingidas pela tarifa americana. Tal medida segue o exemplo da capacidade de resposta demonstrada durante a pandemia, com o objetivo de aliviar a pressão sobre os operadores e demonstrar compromisso com a competitividade nacional.
São inadiáveis os caminhos para mitigar os riscos de um desastre — a inércia não é uma opção. Neste sentido, o governo brasileiro, em conjunto com o setor privado, deve continuar a explicitar intenções e estratégias que promovam ações como:
- Diversificação de Rotas Marítimas: Ampliar mercados como Ásia (China, Índia) e Oriente Médio, replicando modelos como o do Porto de Itaqui (MA), que em 2024 já escoa 30% mais grãos para a China.
- Incentivo à Cabotagem e Ferrovias: Reduzir a dependência de portos únicos, como Santos, com rotas alternativas e o fortalecimento do Arco Norte. Projetos como a Ferrogrão são fundamentais para a resiliência logística.
- Ações Coordenadas com o Setor Privado: A FENOP e demais entidades têm fortalecido a parceria com o governo para discutir a redução de tributos como a TUP (Taxa de Utilização Portuária) e a viabilização de linhas de crédito emergenciais para modernização e adaptação de terminais.
É o momento, entre a hipótese de uma possível crise e a oportunidade que se caracteriza, de uma resposta coordenada do Brasil. A tarifa imposta pelos EUA deve ser vista não apenas como um revés comercial, mas como um estrepitoso alerta para a vulnerabilidade estrutural do modelo portuário nacional, excessivamente dependente de poucos mercados e concentrado em megaportos.
Cabe salientar que o impacto não se restringirá aos portos: a bolsa de valores já observa com atenção a saúde financeira das empresas do setor, e uma crise prolongada pode depreciar significativamente o valor de mercado de operadoras logísticas e portuárias.
Esta encruzilhada exige um planejamento estratégico agressivo, com caráter situacional. O governo, em aliança com o setor produtivo, deve acelerar a digitalização, investir em portos secundários como Suape e Pecém, e consolidar um pacto setorial inegociável, envolvendo operadoras, governo e agências reguladoras, com o objetivo de cortar custos logísticos e aumentar a eficiência.
Com a ação necessária, urgente e estratégica, os portos brasileiros — e, por extensão, o comércio e a economia nacional — poderão não apenas resistir às consequências de uma equivocada, iníqua e desrespeitosa guerra comercial que não deflagramos, mas emergir fortalecidos, tornando-se o elo mais robusto e resiliente da nova cadeia global de suprimentos.
Antonio Mauricio Ferreira Netto
Engenheiro mecânico e de produção. Especialista em Planejamento e Gestão Pública; Transportes; Transportes Urbanos; Portos; Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas
Com o apoio: Juliano Borges, JB Invest