“É que há distância entre intenção e gesto…”
[“Fado Tropical” - Chico Buarque e Ruy Guerra]
“… a lição sabemos de cor
só nos resta aprender...”
[“Sol de Primavera” – Beto Guedes]
Quanto da crise é devido à queda (livre!) dos investimentos (e, daí, suas implicações sobre emprego, renda, tributos, etc) ainda não está totalmente claro. Mas que a retomada do ritmo e nível de investimentos (hoje reduzidos à míngua! – menos de 20% do PIB) é um dos componentes basilares para reversão do atual quadro e início de um novo ciclo de desenvolvimento, talvez seja uma das poucas unanimidades no País, nesse crítico momento da vida nacional!
Não podia ser diferente o eixo do “Painel/2015” (Brasília, 6-7/OUT passados), evento anual do “Pacto pela Infraestrutura Nacional e Eficiência Logística”; movimento que congrega boa parte das principais entidades ligadas a portos, rodovias, ferrovias, aviação e logística; além de algumas agências de regulação, outras de financiamento, e várias empresas de projeto, consultoria e construção.
Ou seja, justamente atores envolvidos com infraestruturas, de uma forma geral; consideradas estratégicas para tais investimentos, seja pela celeridade na criação de postos de trabalho, seja pelo seu efeito multiplicador: Segundo simulações econométricas do Banco do Brasil apresentadas, a elevação dos níveis de investimentos em infraestrutura, dos atuais 2% para 3% do PIB, teria o condão de aumenta-lo em 0,9 pontos percentuais até 2019 (1,8% se passasse a 4% do PIB).
Já pela ponta usuária, em se tratando de investimentos em infraestruturas associadas à logística, ter-se-ia um efeito como de “glicose na veia” para o competitivo agronegócio brasileiro - atualmente o principal pilar do nosso comércio exterior: Certamente eles contribuiriam para reduzir a enorme diferença entre custos logísticos verificados no Brasil e aqueles praticados por nossos principais concorrentes: US$ 171/t (Brasil); US$ 102/t (Argentina: menos cerca de US% 70/t); US$ 71/t (USA – menos US$ 100/t); segundo estimativas de 2014 feitas pelo “Movimento Pró-Logística” (produtores do Centro-Oeste) e pela CNA. Isso, para commodities cujos preços giram em torno de US$ 450/t (soja) e, principalmente, milho (US$ 200/t), convenhamos, é uma diferença significativa!
A pauta:
Onde investir certamente não é o problema; mesmo porque, “para empresários, infraestrutura ruim é o principal entrave para fazer negócios no Brasil” (Fórum Econômico Mundial – citado). Não é problema nem para alocação dos recursos previstos pelo PIL-2 (em torno de R$ 70 bilhões para o período 2016-2018) - ainda que executados 100% das metas anuais anunciadas (o que não tem sido o histórico!); nem para os mencionados cenários de investimentos de 3% ou 4% do PIB (que agregariam, pelo menos, mais 80% nos montantes previsto pelo PIL-2): Foi o que se constatou ao longo dos 6 painéis e cerca de 25 apresentações de expositores qualificados e representativos; também dos debates com um público seleto e participante. A saber:
Há estradas a serem recuperadas (62% da malha está em estado ruim ou péssimo, segundo pesquisa da CNT), além de expansões necessárias pois, ao contrário do que normalmente se divulga, o Brasil tem relativamente poucas rodovias, ponderado por qualquer indicador relevante (território, população, PIB...). Há portos a serem recuperados, modernizados e expandidos; pois a nova geração de navios é maior e demanda maiores calados. Também novas instalações portuárias estão sendo requeridas como, p.ex., para que todo o arranjo multimodal da chamada “Saída Norte” seja uma alternativa efetivamente viável para a produção agrícola acima do Palalelo-16. Ferrovias, e os demais modos de transporte de igual forma, visando ao balanceamento da “Matriz de Transportes” (por razões logísticas e ambientais). O PNLT o quantifica: A meta é que, até 2023, o modo ferroviário alcance 32% da Matriz; o aquaviário 29%, o dutoviário 5% e o aéreo 1%.
Planos para isso há; como se viu ao longo dos dois dias de evento. Aliás, muitos; muitos planos! E nem poder-se-ia alegar indecisões ou ziguezagues; pois o PIL-2 em muito reafirma o PIL-1; enquanto o PAC-2 (com destaque para os 339 empreendimentos – R$ 153,52 bilhões na carteira de mobilidade urbana), de igual forma, reafirma o PAC-1. E ambos (PIL + PAC) muito do “Avança Brasil”; este do “Brasil em Ação”, este do PND-2 e PND-1 - ainda do “período militar”.
Ideias e bandeiras também há; como na mobilidade urbana: A “prioridade do transporte coletivo sobre o individual”, ênfase no transporte de massas (metrôs e trens), ou “financiamento do transporte público pelos beneficiários – não apenas pelos usuários”; bandeiras que vêm sendo empunhadas desde os anos 70/80. O tema agora pode ser guindado a lei, com a “Política Nacional de Mobilidade Urbana” (Lei nº 12.587/12). Apenas espera-se que numa abordagem articulada com a logística!
Então, “Just do it” (parodiando marca de produtos esportivos):
A grande dificuldade, atualmente, como também ficou patente, é o realizar: Como transformar intenção em gesto (na imagem de Chico e Ruy); questão esquadrinhada, esfinge que pairou sobre todos os painéis. Enigma não resolvido; mas que, ao menos, deixou no ar algumas perguntas que demandam respostas ... convincentes. P.ex.: i) São nossos planos efetivamente planos (meios, instrumentos para nos guiar e nos levar do “ponto-A” para o “ponto-B”)? ii) São as metodologia(s) de planejamento adotadas a(s) mais adequada(s)? iii) O(s) modelo(s) de governança vigentes (processo decisório, autorizações, licenciamentos, gestão...) até não estariam conspirando contra as intenções declaradas; contra os próprios planos, enfim? iv) As metas do PNLT já estão, definitivamente comprometidas (como se depreendeu do último painel)? v) No mesmo contexto, poderemos vir a ter (mais uma!) “década perdida”?
Exceções? Sim! Rodovias é sempre a primeira lembrança; seja pelo volume de concessões e investimentos, seja pela diversidade de modelos experimentados nas concessões federais e estaduais; amplamente discutidos no recente congresso da ABCR. Mas foram lembrados, também, alguns espasmos portuários nas últimas décadas, como as reformas dos anos 90 (que resultaram nos tão falados “contratos pós-93”, ora em renovação antecipada) e o programa de dragagem dos primórdios da SEP. Também lembrado (ainda que com ressalvas aos preços do pão de queijo, cafezinho e cerveja!) os avanços no setor aeroportuário, muito no contexto da Copa do Mundo. Tais exceções são evidências de que a Constituição, nosso arcabouço jurídico, Tribunais de Contas, Ministério Público e licenciamento ambiental, se são barreiras (como, de uma forma ou outra, foi apontado!), não chegam a ser instransponíveis! Ou seja; um enigma que não pode deixar de ser analisado mais detidamente.
... um enigma ainda mais desafiador ante a observação agregada pelo renomado economista Raul Velloso: “Nem sempre o problema tem sido a falta de dinheiro” (o que, neste momento específico, em tempos de “ajuste fiscal” e de orçamentos deficitários, até chega a ser um limitador). E acrescentou: “A queda dos investimentos públicos, era de se imaginar, seria uma oportunidade para os privados. Mas, aí, um paradoxo: Até esses estão travados... em muito pela própria inação do poder público”.
“Decifra-me ou te devoro!”
Nesse contexto, concessões e PPPs vêm sendo apontadas quase como a saída - e o foram por alguns painelistas. Mas tais instrumentos têm percalços e limitações; mormente com as recentes elevações das taxas de juros, de riscos e cambial no passado recente, além da reduzida disponibilidade dos tesouros para investimentos. Usando uma analogia do atletismo (nessa antevéspera das Olimpíadas/2016 – um conjunto de infraestruturas e serviços também lembrado!), é como se o sarrafo tivesse subido para o salto com vara dos projetos/empreendimentos: A viabilidade/viabilização tornou-se (bem) mais difícil. Muitos projetos, com indicadores econômico-financeiros em zona cinzenta, foram ou serão descartados – como recentemente ocorreu em SP com 32 deles, “em face do cenário econômico e regulatório”.
Bancos públicos e agências de desenvolvimento expuseram seus esforços para ir além do seu leito natural (dos chamados “produtos financeiros”), passando a envolver-se como “adviser” na estruturação de projetos. A busca de “soluções criativas” e de novos mecanismos (vários deles apresentados) é uma constante; nesse caso, com a participação/contribuição de consultores e escritórios de advocacia (alguns, até, já com áreas específicas dedicadas a infraestrutura). P.ex.:: Debêntures de infraestrutura, ao que parece, serão as vedetes do PIL-2 e dos programas de concessão e PPP, também estaduais, doravante. O uso de parcela dos “Fundos de Participação” (municipal e estadual) outro exemplo; polêmico, é verdade, mas segue sendo estudado na esperança de que PPPs (que demandam contrapartidas públicas) não estejam inviabilizadas para o futuro próximo.
Ante tantas incertezas, entidades fizeram questão de demarcar, de antemão, suas posições. P.ex.: A ANUT, que reúne os principais embarcadores (cargas) do País, tem uma pauta detalhada de reivindicações e não esconde seus objetivos: “Aumento da oferta e da qualidade de serviços, e redução de preços”. Para tanto, defende “a suspensão das Audiências Públicas” para reavaliação do modelo que, no seu entender, “privilegia obras e não serviços”. E a CNA, reafirmando bandeiras históricas, com autoridade de ser “o orgulho da família” na economia, não quer “cair na mão nem do concessionário ferroviário nem do arrendatário do porto”: Quer concorrência; quer alternativas logísticas.
Como se vê, “há (verbo) distância entre intenção e gesto”, como cantam os poetas. E, também, um grande desafio (neste caso, no sentido estrito do termo!): Reduzir-se a (artigo) distância entre intenção e gesto; entre o planejado e o executado; entre o discurso e o efetivamente entregue.
Sobre esse misto de necessidade e desafio, com toda sua diplomacia, o representante do BID talvez tenha lançado luzes no último painel (ao responder o que nos difere da Colômbia; mencionada algumas vezes como exemplo de sucesso – “benchmarking” - nesse esforço conjunto público-privado pró-infraestrutura; pró-logística!): i) Segurança jurídica; ii) Clareza de modelagem; iii) Prazo para o privado estudar e elaborar suas propostas (6 meses e, falou-se, até de 1 ano!); e, principalmente, iv) “Não pulverização de esforços no setor público”!
Talvez Beto Guedes (“Sol de Primavera”) tenha razão: “A lição sabemos de cor; só nos resta aprender”!
O “Painel/2015” chegou ao final! Mas o desafio da esfinge segue sobre nossas cabeças; como a espada do Dâmocles.