Sexta, 14 Junho 2024

Prezados leitores,
Ultimamente, os casos de pirataria na Somália vêm chamando a atenção da opinião pública e assumindo caráter de ameaça mundial. O tema é analisado no artigo Pirataria Maritima no século XXI, de autoria do promotor de Justiça aposentado Sérgio Cássio da Silva Salvador, mestre em Direito pela Universidade Catolica de Santos (UniSantos).

Saudações Maritimistas,
Eliane Octaviano [1]

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Pirataria Marítima no Século XXI

* por Sérgio Cássio da Silva Salvador, mestre em Direito
Internacional pela UniSantos, promotor de Justiça
aposentado e ex-delegado de Polícia em São Paulo

Lançado em 2007, o filme Piratas do Caribe III mobilizou platéias, especialmente crianças e adolescentes, no mundo inteiro. Parece até que os piratas são personagens apenas do passado. Não são. A pirataria marítima é hoje, como desde séculos, um tema importante no comércio mundial.

Após o final da Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois pólos políticos opostos, houve nova recomposição mundial dos países: blocos de países ideologicamente orientados foram sucedidos por blocos economicamente orientados. Há hoje uma única superpotência mundial, os EUA, e o bloco da ex-URSS, totalmente dividido, juntamente com países das mais variadas tendências políticas, passaram a compreender a necessidade de transações comerciais em blocos econômicos, para, muitas vezes, poderem competir com os EUA, sendo alguns desses blocos já hoje altamente bem sucedidos, como é o caso da União Européia.

Após os atentados de 11/09 de 2001, em Nova York, compreendeu-se a necessidade de auxílio mútuo entre as nações, não só contra o terrorismo internacional, como também ao crime organizado internacional, que muitas vezes financia o terrorismo internacional e, entre esses crimes se inclui a secular pirataria marítima, hoje tratada também como tema de segurança internacional, e tipificada pela ONU, em sua Convenção sobre o Direito do Mar, fruto da Conferência de Montago Bay, em 1982.

De acordo com o Contra-Almirante A. Ruy de Almeida Silva (As Novas Ameaças e a Marinha do Brasil, in: Revista da Escola Naval, nº 7, 2006), 99,7% do comércio mundial é feito pelo mar. Isso significa que não só ataques terroristas ideologicamente orientados, como também o crime organizado transnacional, têm, através das novas tecnologias marítimas, um campo enorme de atuação potencial. A pirataria marítima, que sempre assolou o comércio mundial, assume, no século 21, caráter de ameaça mundial.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em 10.12.1982, também conhecida como Convenção de Montago Bay, é reconhecida como uma verdadeira "Constituição do Mar", tal sua abrangência de temas ¹.

Embora tratada nominalmente a partir do artigo 100, da Convenção de Montago Bay, sob o título "Dever de cooperar na repressão da Pirataria", já no artigo 99 da mesma convenção há uma abordagem indireta do tema "Pirataria", ao se tratar da proibição do "transporte de escravos", por via marítima, oriunda da própria Carta das Nações Unidas de 1946 e da Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, onde se declara a Liberdade e a Dignidade de todo ser humano para reger os seus próprios destinos, sendo a escravidão e o transporte de escravos, atos ilegítimos, ilícitos e contrários à dignidade humana, perfeitamente enquadrável na conceituação legal de "pirataria", da já referida "Constituição do Mar".

A cooperação internacional no combate, especificamente, à pirataria marítima respalda-se no art. 100 da referida Convenção: "Todos os Estados devem cooperar em toda a medida possível na repressão da pirataria no alto mar ou em qualquer outro lugar que não se encontre sobe a jurisdição de algum Estado". (grifei).

Vê-se que a Convenção se refere a que todos os Estados devem cooperar na repressão da pirataria em alto mar, fora, portanto, das jurisdições nacionais de quaisquer Estados. Como se vê, há nessa preceituação um autêntico embrião de dever penal transnacional no que tange ao combate de crimes organizados em alto mar, especificamente, no caso, a pirataria.

É evidente que os piratas de alto mar, em águas internacionais, exigem para sua atuação a organização de meios para sua atuação criminosa, através de navios, que muitas vezes carregam lanchas ou botes a motor para abordagem de outros navios, numa demonstração de logística e objetivos de grande porte, no ataque ao transporte de cargas marítimas. É necessário reconhecer que não há nenhum glamour cinematográfico nessa prática, que deve ser coibida com vigor e inteligência.

A preocupação com o tema da escravidão, que infelizmente ainda persiste nos dias de hoje, é tanta que o próprio Tribunal Penal Internacional (TPI), criado pelo "Estatuto de Roma" (1998), prevê, em seu art. 7º, nº 1, letra "c", a escravidão como um crime contra a humanidade e, assim, passível de julgamento e condenação pelo próprio TPI, que define a escravidão como: "(...) o exercício relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças". Como se observa, o tráfico ilícito de pessoas, em situação de escravidão, por via marítima inclusive, é considerado crime contra a humanidade, pelo TPI, tão relevante é o tema em nossos dias.

Ratificada pelo Governo Brasileiro em 22.12.1988, entrou em vigor internacional e para o Brasil em 16.11.1994, tendo sido aprovada pelo Decreto Legislativo nº5, de 09.11.1987, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº1530, de 22.06.1995.
 

[1] A opinião esposada no presente artigo não reflete necessariamente a opinião da colunista e é de inteira responsabilidade do (s) autor (es).

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