* por Bruno Eduardo Ventriglia Cichello
O tema ora em análise consiste em uma das maiores controvérsias existentes entre embarcadores e transportadores quando da ocorrência de eventos geradores de despesas no Porto de Descarga (POD) das mercadorias objeto do contrato de transporte.
Notadamente, os transportadores têm dedicado maior atenção ao tema recentemente em razão da escassez de unidades de carga (contêineres) para atendimento de seus embarques. Este controle mais estreito procura, via de regra, a rápida devolução dos contêineres, melhorando o turn over dos mesmos, gerando, desta forma, maior quantidade de embarque e melhor aproveitamento dos equipamentos.
O presente artigo visa demonstrar a responsabilidade a que o shipper (embarcador) possui em um contrato de transporte internacional de cargas. Nosso objetivo principal é a demonstrar com base nos termos contratuais de que a responsabilidade do embarcador não se esgota tão somente com a entrega da unidade de carga para embarque.
A princípio tem-se a idéia que tal responsabilidade está intimamente ao Incoterm contratado entre Exportador e Importador. Todavia, procurarei demonstrar com esse breve estudo que tal presunção não é absoluta.
Justificam-se as alegações com algumas normas básicas contidas nos Conhecimentos de Transporte emitido pelos embarcadores/transportadores e aceitos, ainda que tacitamente pelo shipper na ocasião do fechamento do embarque.
É neste cenário que, com base no termos e condições do Conhecimento de Embarque, os embarcadores (shippers) são instados a arcar com despesas geradas no POD. Tais valores (sobreestadia, armazenagem, destinação, tributos, fretes, outros) podem ser gerados por inércia do agente recebedor, ou problemas de origem Aduaneira, talvez avarias, enfim, um extenso rol de eventos que, em sua maioria, estão muito distantes do raio de atuação do embarcador.
Nos primórdios da navegação marítima, o hoje chamado Conhecimento de Embarque, era tratado por Carta-Partida (do Latim Carta Partita), sendo o mesmo rasgado de baixo para cima, longitudinalmente, de forma que uma das partes ficava de posse do transportador e a outra, do embarcador. O detentor desta segunda parte, ao apresentá-la no destino ao transportador, estava legitimado a retirar as cargas.
Em razão deste papel duplo atribuído ao embarcador, surgiu a figura do chamado Merchant, o qual é composto pelo Shipper, Consignee e aquele que detenha os Conhecimentos originais (ao portador ou endossados para si). Portanto, o entendimento é que o Merchant é o contratante do transporte marítimo, sendo todos os seus componentes responsáveis solidários por despesas e outros ônus que venham a ser gerados no porto de destino.
Os transportadores procuram fazer uso do argumento de que o embarcador é responsável solidário do consignatário, conforme estipula a Definition Clause dos Conhecimentos de Embarque.
A Definition Clause define os principais termos utilizados nos Conhecimentos de Transporte Marítimo. É neste item que temos a definição de Transportador, Navio, Sub contratado, Mercadorias, Volume, Unidade de Embarque, Container e, em especial para nosso estudo, “Negociante”.
O Termo negociante inclui o consignatário, o embarcador, o recebedor, o consignante, o dono das mercadorias, o portador legal ou endossado do conhecimento de embarque ou qualquer outra pessoa que tenha um interesse, presente ou futuro, nas mercadorias, ou ainda qualquer pessoa autorizada a atuar em nome de qualquer uma das pessoas acima citadas.
Ora, visando salvaguardar seus interesses, o Transportador reúne em uma só figura os diversos pólos da relação de transporte internacional. Com este procedimento, para o Transportador Marítimo, a responsabilidade nas diversas ocorrências a que a expedição marítima poderá se resultar será sempre solidária à todos os participantes.
Destacam-se algumas cláusulas em específico: o Item 12 (4) do Conhecimento de Transporte que tomamos como exemplo, preceitua que: “O Negociante deverá cumprir com todas as normas ou requisitos da Alfândega, do porto, e de outras autoridades, devendo arcar com e pagar todos os impostos, taxas, multas, despesas ou perdas (inclusive frete de retorno das mercadorias, se devolvidas, ou se transportada coligada posteriormente, a totalidade do frete desde o Porto de Descarga ou Local de Entrega designados neste documento, até o Porto de Descarga ou Local de Entrega alterados) que forem incorridas e/ou sofridas em razão de qualquer falha no cumprimento, ou por qualquer marcação, numeração ou endereçamento das mercadorias de forma ilegal, incorreta e insuficiente, devendo indenizar o Transportador nesse sentido.”
Na prática, se infere que o responsável pelos dados informados no conhecimento é o Embarcador. Contudo, se este se escusar de arcar com os prejuízos, pode o Transportador, com base nesta cláusula de seu Conhecimento de Transporte, exigir os prejuízos de qualquer uma das figuras mencionadas na Definition Clause.
No Item 9 (2) do mesmo Conhecimento de Transporte se evidenciam as seguintes condições: “Se os containers (sic) ou equipamentos do Transportador forem usados pelo Negociante para o transporte coligado (antes ou depois), ou desembalados em instalações do Negociante, ele será responsável pela devolução dos containers vazios, com o seu interior escovado, limpo e isento de odores, ao ponto ou local designado pelo Transportador, por seus funcionários ou agentes, dentro do prazo prescrito na tarifa e/ou determinado pelo Transportador. Caso um container (sic) não venha a ser devolvido no prazo acima citado, o Negociante será responsabilizado por qualquer retenção, sobrestadia, perda ou despesas, que possam advir da falta de devolução”.
Compreendendo-se o regramento acima descrito, não é impossível ao Transportador Marítimo cobrar do Embarcador, no caso de inadimplemento do recebedor/consignatário, despesas de sobreestadia de contêineres originados no Porto de Descarga uma vez que o Embarcador está incluso na figura do Negociante.
Não é impossível também ao Transportador Marítimo que efetue cobranças por avarias em seus contêineres diretamente da Transportadora Rodoviária, contratada pelo seu consignatário/recebedor.
Ao se interpretar esta cláusula do Conhecimento de Transporte, a Definition Clause, fica demonstrado que a Responsabilidade cabível ao Embarcador não cessa com a simples entrega da unidade de carga no Terminal indicado pelo Transportador para embarque.
Não são poucos os casos em que no Porto de Descarga a mercadoria é abandonada pelo Importador gerando-lhe prejuízos de difícil avaliação.
Despesas com carga abandonada e, conseqüente falta de equipamento para sua atividade fim, sobreestadias de contêineres não quitadas, fretes quando na modalidade collect não pagas.
Nestes casos, fica facultado ao Transportador Marítimo responsabilizar o shipper do Conhecimento de Transporte Marítimo, responsável pelo fechamento do embarque, por estas despesas. Frise-se que em 99% dos casos este é o responsável pelo fechamento do embarque junto ao Embarcador/Transportador.
Como prevenção, deve o transportador se ater às cláusulas contratuais existentes e ter cautela na escolha de seus clientes. Neste ramo, dificilmente se tem a certeza de que a pessoa com a qual se negocia um contrato de compra e venda de uma mercadoria arcará com suas responsabilidades.
Como resguardo, o Exportador possui meios de realizar uma pesquisa no mercado internacional, consultando exportadores, transportadores, agentes de carga, visando coletar informações sobre a probidade de seu cliente.
Em razão da impossibilidade de localização do consignatário, ou de obter do mesmo os pagamentos em tese devidos, os transportadores procuram ver seus créditos satisfeitos através do embarcador, amparando-se nas alegações acima, bem como impingindo ao embarcador responsabilidade pelas informações prestadas quanto ao consignatário das cargas.
De fato, esta é uma corrente bastante forte, posto que o embarcador, na maioria grande maioria dos embarques, é o ente que dá início, que movimenta a Logística do transportador, dando vida ao contrato para transporte de mercadorias.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Nádia de. Contratos Internacionais: autonomia da vontade, Mercosul e Convenções Internacionais. 3ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
JR., LAURO GAMA. Contratos Internacionais à Luz dos Princípios do UNIDROIT 2003: Soft law, Arbitragem e Jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
MURTA, Roberto de Oliveira. Contratos em Comércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 1992.
BIZELLI, João dos Santos e BARBOSA, Ricardo. Noções Básicas de Importação. São Paulo: Aduaneiras, 1993.
* Bruno Eduardo Ventriglia Cichello é advogado em Santos (SP). Pós-graduado em Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro pela Universidade Católica de Santos.