Existem pelo menos dois Brasis: o que dá certo e o que se pendura nele, sugando suas energias quase até esgotá-lo. Não é nenhuma novidade, já em agosto de 1983 uma antológica série de reportagens do extinto Jornal da Tarde/OESP ("A República Socialista Soviética do Brasil") mostrava esse Brasil que prospera.
Antes disso, o economista Edmar Bacha cunhou (em 1974) o termo Belíndia para designar um país fictício e contraditório, misto de Bélgica e Índia, às quais poderiam ser comparados esses Brasis. Uma pequena e rica Bélgica, uma continental e pobre Índia.
Os tempos mudaram, a Bélgica sentiu a crise do Euro, a Índia se tornou um dos BRICs (ao lado de Brasil, Rússia, China e África do Sul), o bloco BRICs perdeu impulso (coloque na sua agenda: a próxima reunião desses países será em Fortaleza, em 15 a 17 de julho, assim que terminar a Copa), o Brasil cresceu e reduziu a gritante diferença de rendas, e para o jornal The Economist a Belíndia se tornou Italordânia (misto de Itália e Jordânia).
O que não mudou foi a contradição: continuam coexistindo dois países muito diferentes em nosso território. Pior: agora o Brasil que suga é destaque mundial, encobrindo com suas mazelas o Brasil sugado, aquele que resiste e redobra os esforços para compensar.
2 segundos apenas...
Na própria cerimônia de abertura da Copa do Mundo, dois exemplos flagrantes foram percebidos, em rápida sucessão. O primeiro foi um triunfo da ciência brasileira, com a equipe do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis cumprindo uma promessa de vários anos antes, de que um paraplégico comandaria um exoesqueleto com seu pensamento, dando o chute inicial no primeiro jogo da Copa.
Não poderia ser no centro do gramado, decretou primeiro a Fifa, por causa do peso do equipamento – como se não fosse possível, com boa vontade, criar formas de distribuir esse peso numa plataforma, como é feito pelas transportadoras de cargas extrapesadas, usando carretas com centenas de pequenos pneus. Mas talvez ela tenha razão: com tanta tecnologia importada em gramado e chuteiras, o que mais se vê é jogador escorregando e a grama voando...
O chute inicial do jogo passou para o canto do campo, e o que deveria ser uma demonstração do triunfo da ciência brasileira virou um espetáculo cronometrado pela Fifa em 29 segundos, reduzidos para 2 segundos pela falha (que mais me parece proposital) de deixar coincidir o fato com a chegada do ônibus da Seleção. "Ridículo" é elogio demasiado para o que aconteceu, mostrando que o tamanho do cérebro dos organizadores nem se compara a uma ervilha, de tão pequeno. Mas a fabulosa ganância destes, esta não tem tamanho.
Logo depois, também em nome da preservação do gramado e da falta de imaginação, foi apresentado um espetáculo internacionalmente criticado, que também desmerece toda a exuberância cultural brasileira. Assim, na Ciência e na Cultura, o país foi humilhado, porque o que importa para essa gente mostrar é o Brasil que suga, não o que faz acontecer. O país do samba também não esteve presente – e nem disse para levarem carros alegóricos do Carnaval para o tal gramado. As tais limitações técnicas ao espetáculo não impediram a criatividade de outros países, como a Coréia do Sul, que esbanjou tecnologia em 2002.
Foto: Ideias e Fatos
Campo verde, plantado com soja, no "Brasil que dá certo"
Gastamos – a nação brasileira – uma fortuna para montar uma vitrine de nosso país, que deveria ajudar a vender a marca Brasil – e, com ela, todos os produtos que a usam. Bola fora, mostramos (e permitimos que fosse mostrada) desorganização, improviso, falhas tecnológicas (como partes de estádio desabando, falta de controle técnico). É assim que pretendemos ampliar nosso comércio exterior, com todos os efeitos positivos sobre a economia, os transportes etc.?
Só falta agora, depois de tudo, nem o Hexa chegar.