Sexta, 27 Dezembro 2024

Nosso planeta tem passado por guerras por causa de um recurso natural que a sociedade contemporânea ainda considera essencial, o petróleo. A mais recente questão militar ligada ao petróleo é a anexação da Crimeia pela Rússia. No Iraque, os EUA não tiveram dúvidas criar pretextos falsos para iniciar uma invasão em defesa de seus interesses na área. E é só confrontar os outros lugares do mundo em que o petróleo é extraído com o mapa das instabilidades políticas para se chegar a significativas conclusões sobre o que não costuma ser dito pelos governos.

O fluxo do petróleo pelo mundo afeta toda a cadeia logística, seja pelo seu transporte em si, seja pelas consequências da flutuação do preço dos combustíveis nos custos logísticos. Num momento em que o petróleo é recurso tão estratégico que provoca essas instabilidades, vemos uma das grandes empresas petrolíferas, a única nacional, ser atingida por escândalos na gestão de seus recursos, e praticamente implodida para talvez abrir caminho mais fácil ao total controle deste recurso pelos interesses estrangeiros. Não vou me aprofundar neste assunto, pois já é manchete em todos os jornais o que está sendo dia a dia descoberto na Petrobrás.

Porém, o que se desenha para as próximas décadas é uma outra disputa mundial, a guerra pela água, recurso essencial à vida e cada vez mais escasso na forma potável, e igualmente importante nas formas não potáveis para a manutenção dos processos industriais.

Por isso, é sintomático que nenhuma palavra tenha sido dita recentemente sobre os enormes recursos aquíferos subterrâneos, nem mesmo quando da passagem do Dia Mundial da Água e num momento em que a falta de chuvas e o elevado consumo deixam os reservatórios paulistas nos seus mais baixos níveis desde sua inauguração nos anos 1970, sendo que as projeções são de escassez cada vez maior nos sistemas tradicionais de abastecimento das cidades.

Imagem: Wikipedia

Aquífero Guarani, uma das soluções ainda não aproveitadas

Esses enormes recursos estão na forma de aquíferos, dos quais o mais conhecido no Brasil é o Guarani, embora nem seja o mais importante: o de Alter do Chão é o maior do planeta.

Em vez de citar dados, indico algumas referências: as da Wikipedia sobre o Guarani e o Alter do Chão; uma notícia da TV Globo em 2010 sobre o tamanho do aquífero sob a Amazônia; as informações do Ministério do Meio Ambiente; e a resenha do Departamento Autônomo de Água e Esgotos de Araraquara/SP. Verá o leitor que estamos falando de reservas fabulosas, algo como abastecer toda a população mundial e ainda sobrar água.

Que sejam feitas campanhas para que a população evite desperdício do "precioso líquido" é perfeitamente válido. O que preocupa é não vermos ações práticas no sentido de se atender ao inevitável crescimento na demanda pela água. De um lado, facilitando esse uso mais racional – ou ainda se justifica que as casas sejam abastecidas apenas com a água potável, mesmo para atividades de limpeza e nos vasos sanitários? De outro lado, pensando racionalmente em como explorar os mananciais disponíveis, de modo sustentável etc. etc. – como no caso dos aquíferos.

Lembrando: a água de Alter do Chão já é usada em mais de 10 mil residências, com a simples perfuração dos poços, nem precisando de tratamento químico. No Aquífero Guarani, a profundidade maior indica o caminho do seu aproveitamento por meio de investimentos públicos e coletivos.

Investimentos em infraestrutura exigem certo tempo de maturação, e se compreende também que no caso dos aquíferos sejam necessárias pesquisas com a participação dos países vizinhos. Mas, um acordo assinado em 2 de agosto de 2010 com Argentina, Paraguai e Uruguai ainda depende, como tanta coisa neste país, da ratificação por um Congresso Nacional, infelizmente mais "preocupado" e "atarefado" com questões comezinhas que atento aos grandes temas nacionais.

Teremos que esperar que uma potência estrangeira coloque suas bases militares na região da Tríplice Fronteira (com a eterna desculpa do combate ao terrorismo) e escancare seu interesse pelo controle geopolítico das águas sulamericanas, para começar a tomar providências? Teremos que esperar as torneiras secarem para que sejam buscadas alternativas melhores que o racionamento? Será mesmo necessário que em cada questão do interesse maior nacional precisemos chegar ao caos – como o das estradas de rodagem, nos acessos aos portos – para que alguém comece a se mexer? Ficará tudo, como sempre, para depois da Copa do Mundo, das próximas eleições, do Carnaval...?

O mundo não espera. O grande jogo de xadrez da geopolítica vem sendo jogado há muito tempo. Nele, quem não tem um recurso importante, toma do vizinho descuidado, e qualquer desculpa esfarrapada serve. E, se um vizinho pode ganhar força, a ordem é impedir de qualquer jeito que isso aconteça, em nome dos interesses próprios de cada jogador.

Nesse jogo, o Brasil está se comportando como o vizinho descuidado na questão das águas, como no petróleo, nos transportes de cargas e em tudo o mais. A corrupção desvairada apenas facilita o jogo estrangeiro, com sua cota diária de notícias escandalosas mascarando o jogo maior.

Para uma reflexão final:

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