Sexta, 11 Outubro 2024

Passagem de ano, quando as emissoras enchem a programação eternamente vazia com as famosas retrospectivas e os videntes se assanham para prever como serão os próximos doze meses (engraçado como a vidência tem data certa para acontecer...), aproveito a pausa para algumas reflexões sobre este setor que mexe tanto com a economia nacional, mas é tão desprezado por autoridades imprevidentes.

De fato, se hoje temos caos em rodovias, ferrovias, transporte aéreo, não foi por falta de aviso, pois a imprensa alertou continuamente para a progressão da desgraça em que se transformou o sistema de transporte nacional de cargas e passageiros. Seminários foram feitos, muito se falou, mas as ações preventivas não ocorreram.

No meio político, são comuns as expressões ligadas ao transporte: até recentemente, usava-se muito o chamado "trem da alegria", com uma porção interminável de vagões de primeira classe em plena festança, sendo penosamente puxados pela locomotiva do esforço dos trabalhadores nacionais. Sintomaticamente, nesse trem nunca há sequer um vagão de carga.

Modernizaram os sistemas de corrupção, com tanta lavagem o dinheiro virou líquido, necessitando também um novo método de transporte: surgiram os propinodutos, em que a vazão do dinheiro liquefeito para as contas nos paraísos fiscais é contínua, controlada apenas por válvulas nas extremidades, e ninguém no meio do caminho vê o que está passando nesses canos de grosso calibre. O engraçado nessa troca de modais de transporte é que o propinoduto ocorra também no meio ferroviário...

Imagem: Wikipédia

Cicero, na velha (?) Roma das arenas e dos gladiadores: sempre atual

Em 2014, talvez tenhamos novidades, com a chegada da Copa do Mundo. Afinal, dinheiro (que alguns chamam de "grama" e os adeptos do dólar lembram ser "verdinho"), quando em quantidade, é também chamado de "bolada", e em 2014 tudo está sendo feito para que a bola role nos gramados verdes dos estádios.

Aliás, desculpem o arcaísmo, modernamente os estádios são denominados arenas - como o secular Coliseu de Roma... – o que é bem apropriado, já que agora temos lutas mortais como as dos antigos gladiadores (embora transferidas para as arquibancadas).

Muita bola verde já está rolando Brasil afora por conta da milionária Copa de 2014. E, como sempre, ninguém se preocupa com a logística, como os torcedores se deslocarão para chegar aos locais das carnificinas – perdão: partidas de futebol.

Trem de alta velocidade é apelidado de trem-bala. Mas, no Brasil, esse tipo de bala não consegue ser disparado. Enquanto isso, a cada vez que chovem balas na periferia e uma bala "perdida" encontra a cabeça de uma criança, os ônibus são queimados instantaneamente (não quero entender como eles podem ser fabricados com material de tão violenta e rápida combustão, em tempos em que tudo tem que ter laudo de vistoria do Corpo de Bombeiros...).

Pois é, as palavras adquirem novos significados, e o que a dita civilização enterrou sob milênios de pó agora ressurge (e até o "pó" é diferente, ficou mais claro...). Os romanos, tanto tempo atrás, souberam dar valor às estradas, para garantir a integração de seu império e movimentar rapidamente pessoas e mercadorias desde os pontos extremos de seus domínios.

Já na terra do trem da alegria e do propinoduto, entramos em 2014 com estradas bem piores que a romana Via Ápia, cuja largura depois serviria de padrão para as bitolas dos trens, para os túneis e até para o ônibus espacial. Além de toda a carga a ser escoada, ainda temos de tentar mover os pacotes planaltinos, destinados teoricamente a resolver os problemas de logística que os videntes não se dão ao trabalho de antever, mas as retrospectivas registram a cada final de ano.

Como diria Marcus Tullius Cicero em suas catilinárias: "O tempora O mores!"

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