Domingo, 22 Dezembro 2024

Produzir até que é fácil, se o adubo é bom, a semente excelente, as chuvas chegam na hora certa e o apoio financeiro é correto. Ou se os insumos estão disponíveis na porta da fábrica, as máquinas lubrificadas, o pessoal treinado e motivado. Exportar também não seria problema, pois o Brasil tem imagem positiva, mínimo de conflitos ideológicos com outras nações, o futebol e o samba ajudam a vender. O problema é que os brasileiros conseguem criar dificuldades cada vez maiores para si mesmos. E as mercadorias estão cada vez mais distantes dos navios, a considerar os saldos da balança comercial brasileira.

Seria bom debater aqui assuntos como a vantagem deste porto sobre aquele, de se usar uma rota comercial ou outra, como fatores diversos afetam essas escolhas... a logística é um tema fascinante para se observar! Porém, no Brasil pesam mais outros fatores que uma escolha de rotas e modais para transporte.

Foto: Danny Bueno

Aterrissagem forçada... 

Agora mesmo, debatem-se questões como a guerra cambial entre os países, a desvalorização do real já não servindo mais aos interesses do comércio exportador. Um dos ingredientes deste debate é a questão salário versus produtividade. O argumento: os salários têm se elevado no Brasil sem um ganho correspondente de produtividade, o que significa aumento de custos na produção nacional, por isso menos competitiva que a de nações concorrentes.

Foto: Danny Bueno

A foto diz tudo... 

É neste angu que desejo hoje enfiar minha colher. Em tese, o argumento é perfeito, mas não na prática, porque mascara diversos problemas que nada têm com a força de trabalho nacional. O mais evidente é o fato sobejamente conhecido de que pelo menos 20%, talvez o dobro, da produção nacional são perdidos por falta de transporte, armazenagem, segurança (roubos/desvios), acidentes ou demoras nos trâmites burocráticos (com os atrasos, perecível perece, metal enferruja, moda passa, cliente desiste...)

Ainda assim, o Brasil exporta – muito, mas bem pouco em comparação com o que poderia ser. Isso é possível justamente porque os trabalhadores nacionais têm a ginga necessária para driblar muitas das dificuldades, ginga que não têm os trabalhadores de outros países. Esse fator é considerado apenas pelo lado negativo, mas é o que salva muitas empresas da falência. Mesmo nos momentos de maior dificuldade econômica nacional, o mercado informal sempre prosperou e já deve ter salvo o país várias vezes da "falência" em que estaria se fosse considerado apenas a economia formal.

Foto: Danny Bueno

Para substituir a surrada imagem do caos nas estradas junto ao porto

Além de trabalhar muito mais que outros povos considerados trabalhadores, em horas/dia, e receber bem menos do que os de nações mais desenvolvidas (e grandes exportadoras), o brasileiro tem a seu favor a rica diversidade cultural (que lhe permite reunir elementos de diferentes culturas e criar produtos diferenciados), mente aberta para novidades, capacidade de adaptação ao que vem de fora e também de se adaptar para atender necessidades estrangeiras como a personalização de produtos para outros mercados. Exemplos disso são a facilidade e intensidade como o brasileiro adere às novidades eletrônicas (mesmo com preços abusivos), desde a automação bancária às complexidades da telefonia celular, das redes sociais etc. – em que o brasileiro se destaca apesar da alegada menor escolaridade, apesar de não ter o inglês como idioma materno etc.

Então - quando vem a cantilena de que é preciso comprimir os salários até que a produtividade aumente, para que o Brasil seja competitivo -, contraponho que precisamos mesmo é eliminar os fatores de desperdício que não só jogam no lixo boa parte dos esforços dos trabalhadores, como ainda penalizam a força laboral com a conta dos erros cometidos pelos ilustres e supostamente cultos donos do capital e do poder, estes sim responsáveis (mesmo que também sendo vítimas) pela falta de competitividade da produção nacional. O trabalhador é duplamente punido: fica com a pena (o Impostômetro que o diga) e a pecha injusta de incompetente.

Foto: Danny Bueno

Brasileiro trabalha bem mais, para compensar o que o governo não faz...

Quando o caos se estabelece no trânsito, quando o caminhão se arrebenta no buraco da estrada, quando a criminosa falta de um carimbo faz perder contratos de exportação, quando a politiqueira baixa impera ao sabor dos lobbies, quando manobras estranhas fazem o país perder fábulas em divisas, quando o capital nacional é usado para irrigar acordos espúrios com grupos estrangeiros, quando o país se deixa atrelar a interesses outros que não os nacionais, quando a impunidade e a criminalidade campeiam pela inação de deputados e juízes... não é a baixa produtividade do trabalhador que está em jogo. Ela pode melhorar (e muito), sim, mas está longe de ser o principal ingrediente desse bolo murcho em que se transformou o comércio exterior brasileiro.

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