O leitor que pacientemente acompanha estas colunas deve ter notado que constantemente alerto para despesas que todos pagam, sem qualquer benefício em troca. É muito dinheiro jogado fora, sem retorno para quem paga, nem para o Brasil. Pelo contrário, encarece absurdamente produtos e serviços e introduz novas distorções na economia.
Esse problema é imprecisamente percebido pelas pessoas, como vimos nos protestos recentes: elas reclamam da parte visível da doença, e não das causas ocultas. Querem que isso mude, mas nem sabem como, nem investigam as causas.
Na coluna anterior, apontei um exemplo de como as passagens rodoviárias têm o custo inflado pelo cálculo em degraus tarifários, em vez de por quilometragem efetivamente usada pelo passageiro. Mas seria possível fazer análises semelhantes para quase tudo que pagamos, e então veríamos que grande parte do preço final apenas compensa erros enormes de gerenciamento empresarial, erros grosseiros em logística, seguros que nem existiriam numa economia saudável, propaganda enganosa, bancarização exagerada, e até a defesa judicial contra clientes insatisfeitos. A carga tributária, de que tantos reclamam com razão, às vezes é ínfima em comparação com o efeito cascata de todas essas irregularidades.
Foto: Marco Issa/Bloomberg
Prestadores de serviço no transporte coletivo abusam de desrespeitar direitos dos passageiros
Pagamos por serviços em duplicidade, serviços porcamente feitos por gente desqualificada, por ineficiência propositalmente criada, por projetos mal feitos, por decurso de prazos, por supostos direitos que nunca usufruiremos, por serviços indesejados, pelo excesso de burocracia que até obriga a fornecer a um órgão fotocópia de um documento por ele emitido (as multinacionais das fotocópias agradecem!). Ou, via desnacionalização: perdemos divisas avultadas na locação de navios, pois jogamos nossa frota no lixo...
Há também o custo da ingerência política nas operações. Não é só o uso do jatinho da FAB para ir à festa de casamento ou ao jogo de futebol. É a colocação do filho do político na diretoria da empresa (no tempo da ditadura, era convidado o general para compor a sociedade, mutatis mutandis...). É a compra de uma refinaria por oito vezes o seu valor de mercado, mesmo quando uma futura presidente é contrária. É a venda de uma estatal por um décimo do que ela vale, com uma desculpa qualquer. É a definição do preço mínimo do tijolo nas licitações oficiais, tal que pelo custo de um tijolo se faz uma casa, tudo "legalmente". São os esquemas fraudulentos que a Copa do Mundo esconde à vista de todos. É a empreiteira "perdoada" por erros grosseiros na obra e habilitada a novas licitações, ou premiada com aditamentos para corrigir erros que os fiscais não viram, foi preciso o público denunciar. Ou o velho esquema de criar problemas para vender facilidades, que herdamos da burocracia colonial portuguesa.
Bancos, operadoras de telecomunicações e transportadoras de passageiros já sabem que descumprir leis é infinitamente vantajoso: a soma das condenações nada representa, comparada ao lucro com o desrespeito ao cliente. Essa "descoberta" está se alastrando, pois a proteção da Justiça tem custo altíssimo para o consumidor (honorários, emolumentos, tempo perdido) – as pessoas simplesmente desistem.
A propaganda negativa do produto perde parte do efeito porque as empresas, depois de certo tempo, descontinuam a produção. A marca é mantida massacrando o consumidor com propaganda enganosa (embutida no preço final), para abafar vozes discordantes. Pior quando o cartel limita as opções do cliente a poucas empresas de igual (péssima) qualidade e ainda torna compensador que ele mude de uma para outra (via cobranças por cadastro, abertura e encerramento de contas, tarifas abusivas ou despesas indevidas, necessidade de manter contas em duas empresas por certo tempo).
O problema é tão grande que não cabe em poucas linhas a descrição de suas múltiplas facetas. O Brasil dos protestos mal está aprendendo a descobrir que o trabalho necessário para corrigir as distorções é digno de um gigante...