Sexta, 26 Abril 2024

Devem as tarifas dos transportes urbanos de passageiros baixar ou abaixar? Tão despreparados para a resposta como alguns colegas de imprensa (massificados por um sistema educacional em que uns fingem ensinar e outros fingem aprender), muitos políticos e empresários se lançam por à tarefa de navegar pelo falso dilema entre redução de custos e aumento de qualidade. E terão como interlocutores pessoas que em muitos casos também não saberão a diferença entre baixar e abaixar, nem estarão preparadas para questionar a multiplicidade de variáveis que formam o preço dos transportes.

Vamos lá. Baixar é reduzir, abaixar é agachar. Abaixar a tarifa é fácil, é só pegar a placa com o valor e colocá-la no chão. Como alguns colegas e muitos movimentos de protestos estão pedindo para abaixar as tarifas, não vejo por que tantas reuniões para atender pedido tão simples...


Página 5 da Gazeta SP de 28/6/2013

Baixar a tarifa já não é tão fácil, pois passa por algumas mudanças culturais. O que eleva tanto seus valores, sem ao menos oferecer a contrapartida de um transporte de qualidade, é o chamado Custo Brasil, que encarece toda a cadeia produtiva. Vamos a alguns exemplos:

1) Fala-se muito em desoneração, eliminando-se impostos. Mas não se fala em forçar a redução nos custos operacionais. Nem ao menos se fala em conferir se os custos são aqueles que as empresas apresentam e as prefeituras teoricamente conferem. Com GPS, já é possível não só saber onde cada ônibus está em certo momento, mas obter com precisão o total de quilometragem percorrida por todos os ônibus, relatórios de atrasos e descumprimento de cláusulas de frequência de ônibus nas linhas etc. Quando os governos vão incorporar essa tecnologia de controle - e mais, facilitar ao público conferir os dados assim obtidos?

2) Em Cabo Frio, o munícipe paga apenas R$ 0,50 pela passagem e ainda viaja o dia todo sem acréscimo. O truque é que o resto do custo é absorvido pela Prefeitura, todos pagam via impostos. Assim, a Prefeitura poderia até pagar ao cidadão para entrar no ônibus! Mágica mesmo seria reduzir de fato o custo, não mudá-lo de lugar.

3) Critica-se que o transporte alternativo tem custo menor e até qualidade melhor por causa da evasão fiscal. Mas as grandes empresas fazem o mesmo, travestido de elisão fiscal. Então, não é por aí: há outras razões. Por exemplo, até onde as empresas vigiam seus setores contábeis e de faturamento, controlam de fato os gastos nas oficinas, conferem as práticas de contratação de pessoal etc.? Só de ouvir funcionários conversando entre si, eu – simples passageiro, que nunca trabalhei numa empresa dessas – já soube de histórias cabeludas de tráfico de influências na contratação e promoção de funcionários, no ajuste de folgas e extras, desvio de materiais etc. E de quebras propositais dos veículos, tráfego sem receber passageiros, desvios injustificados de percurso, motoristas da mesma linha apostando corrida nas ruas em prejuízo dos intervalos contratados entre os veículos... por aí vai. Até parece que o estresse dos motoristas é só por terem de também cobrar as passagens!

4) O esquema de concessões precisa ser substituído, pois favorece muitos ilícitos. Apenas uns quatro grupos dominam o transporte no País, sucedendo-se entre si nas licitações, através de suas múltiplas empresas coligadas.

5) Algo quase escondido nos contratos é que em certos casos as tarifas são calculadas não pela quilometragem percorrida, mas em categorias ou degraus quilométricos. Então, os percursos são elaborados de forma a atingir o mínimo para reenquadramento no degrau seguinte. Se o degrau A corresponde a linhas até 60 km, uma linha com 61 km poderá ser remunerada no degrau B, e o passageiro terá de pagar como se viajasse 80 ou 100 km.

Foto: Renato Silvestre/Estadão Conteúdo

No trajeto entre o terminal Jabaquara em São Paulo e Santos,
passageiros pagam por quilômetros nem sempre utilizados

Exemplo prático: entre a estação terminal Jabaquara, na capital paulista, e a rodoviária de Santos, o percurso é de 66,4 km, pela Rodovia Anchieta. Entretanto, a passagem vendida na Rodoviária é para um percurso que chega a 75 km (confira no bilhete!), pois a pessoa tem de pagar, mesmo não usando, um complemento de viagem até a Ponta da Praia ou São Vicente. E alguns ainda acham que é um benefício oferecido pela empresa!

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