Sábado, 04 Mai 2024

Nos tristes tempos de 1892, os pântanos que dominavam a região, o lixo e os dejetos atirados aos rios e córregos, deixavam a cidade altamente insalubre, campo fértil para mosquitos e ratos transmissores de todo tipo de doenças. "De velhos pardieiros erigidos em trapiches alfandegados, tortuosas e alquebradas pontes de construção pré-histórica serpenteavam pelo lodaçal até penetrarem algumas braças nas águas turvas da baía", lembra a crônica da época.

 

O início das obras do porto organizado provocou drástica mudança nesse quadro, auxiliado pelo início quase simultâneo da construção dos canais de saneamento, secando aos poucos os vastos terrenos que dariam origem aos bairros do Marapé, Campo Grande, Gonzaga, Macuco, Boqueirão, Ponta da Praia.

 

Assim, quase um século antes de se ouvir pela primeira vez por aqui a palavra composta "meio-ambiente", o crescimento do porto incrementava também a melhoria nas condições ambientais santistas, retificando as margens do estuário e acabando com os lodaçais ali existentes, forçando o afastamento das casas-armazéns-trapiches recheadas de ratos (inclusive humanos, chamados de "contrabandistas") que atacavam as cargas movimentadas pelo comércio exterior da nascente república brasileira.

 

Dentro da terminologia contábil moderna, pós Rio-92 e Protocolo de Kioto, digamos que o complexo portuário formou então um importante ativo ambiental, deixando altamente positivo seu balanço social nesse aspecto.

 

Passaram-se os anos, algumas instalações se degradaram, o porto como um todo (e neste caso a responsabilidade deve ser compartilhada entre a empresa portuária e os armadores-operadores dos navios, e ainda com os embarcadores das cargas movimentadas) passou a poluir o estuário, seja com as águas contaminadas resultantes da limpeza das embarcações, seja com o derrame de óleos diversos, seja com as mercadorias perdidas entre o armazém e os porões dos navios, produtos químicos, gases etc.

 

Parte desse material foi para as praias, acabou com a pesca profissional na Baía de Santos (e com a atividade dos inúmeros pescadores de subsistência existentes no estuário). Outra parte foi se depositando no fundo do estuário. Junto com a areia daquela enorme obra nunca concluída, que retificaria a margem direita no trecho Valongo-Paquetá, uma obra morta entre dois cemitérios...

 

Agora, o porto santista paga seus pecados. Quer fazer a dragagem para ao menos manter a profundidade necessária à entrada dos modernos navios, mas há um limite para a retirada de material dragado, e há preocupações das autoridades ambientalistas quanto aos locais onde esse material será depositado. Além disso, cuidados mil são exigidos quanto ao revolvimento do lodo no fundo do canal de navegação, para que produtos químicos e outros poluentes ali sepultados não fiquem em suspensão e aumentem a poluição regional. Não se descartando também a existência de uma certa "poluição política", causada pelo agito de interesses partidários mais profundos, revolvendo-se no lodo da... deixa p'ra lá, é outra história....

 

O fato é que a comunidade já começa a raciocinar dentro das modernas tendências: o porto precisa corrigir seu balanço ambiental. O ativo amealhado nas décadas iniciais desapareceu aos poucos, com o aumento do passivo causado pela passividade com que se deixou acontecer casos como o do navio Ais Georgius, que ficou um quarto de século semi-afundado junto ao canal de navegação, com os porões cheios de produtos químicos diversos.


Ais Georgius, por 25 anos um símbolo da falta de consciência ambiental e social do porto santista

 

Contribui para esse raciocínio o relacionamento ruim entre o porto e a comunidade, um de costas para o outro, distanciando-se pela falta de diálogo constante que permita encontrar fórmulas de o porto continuar beneficiando as cidades que o acolhem, como antes, quando era efetivo gerador de empregos, quando urbanizava praças (Barão do Rio Branco, por exemplo), construía prédios públicos (como o da atual Alfândega...) e realizava outras melhorias.  


Hoje, nem mesmo o famoso relógio da Western merece o respeito da Docas, abandonado num de seus armazéns, esperando pelo tempo em que o porto voltará a se interessar de fato pelas questões ambientais e sociais que se agitam no seu entorno...

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