Sexta, 27 Dezembro 2024

Na recente proposta do BNDES de dividir as companhias docas em duas, uma das sugestões é que os passivos sejam revertidos ao governo federal. Defendi que, na verdade, seria preciso que as empresas portuárias cumprissem – da mesma forma que as prefeituras municipais – a Lei de Responsabilidade Fiscal, que sujeita os infratores a penas inclusive de prisão, caso excedam os gastos em relação à receita.

 

Para alguns, entretanto, o certo seria transferir à União os prejuízos causados pelos políticos por ela escolhidos para gerir – se é que se pode usar esse termo – as empresas portuárias. Se foi o governo que criou o rombo, ele que tape.

 

Até concordo com eles, em parte. O problema é que o governo, na hora de governar, são "eles", e na hora de pagar a conta, somos "nós" – estranha dicotomia que, desde que o Brasil existe, nos acompanha, e antes mesmo disso já acontecia nos países ibéricos, em tempos reais. Ou seja, as "elites" que governam não são as que pagam as contas dos desmandos, erros e desvios.

 

O senso de irresponsabilidade (no sentido de não poder ser responsabilizado pelas conseqüências dos atos), inerente à figura do rei onipotente por direito divino, acabou se transferindo por osmose a toda a Corte parasita que o cercava e, ido o imperador, continuou permeando a nossa já centenária República, eis que no poder continuaram permanecendo as tradicionais elites.

 

Mudando o discurso, que já quase vira tese política, a questão é que os portos – e demais bens públicos nacionais - continuam sendo geridos sob essa condição de irresponsabilidade, que permite aos gestores o acúmulo de fabulosos prejuízos por erros e desmandos, sem que nada lhes aconteça.

 

A proposta do BNDES tem o mérito de propor a quebra desse paradigma, e tentar um recomeço do zero. Esquecem os proponentes, no entanto, que quando os portos foram transformados em sociedades de economia mista (como se deixar "zero vírgula alguma coisa" nas mãos de particulares significasse na prática que o mando era misto, não estatal), por volta de 1980, também se pleiteou que os portos começassem do zero, revertendo o passivo para a "viúva" pagar.

 

Esse tipo de saneamento de contas, se a população não protestar, vira tradição difícil de remover depois. Sempre alguém alegará analogia com caso anterior, para pleitear mais uma socialização de prejuízos, embora na remota hipótese de algum balanço apresentar lucro (que descuido!), os lucros não sejam igualmente transferidos para os acionistas, majoritários (a sociedade brasileira) ou não.

 

E, embora os partidos políticos façam às escâncaras o jogo da escolha dos dirigentes dos portos, não há registro de que tenham sido obrigados a cobrir os prejuízos à Nação causados por suas más escolhas.

 

Então, a única forma eficaz de tentar coibir tais desmandos – se é que isso é possível – é fazer com que as companhias docas arquem com os prejuízos que surgirem. Para que funcionários, munícipes, parceiros, fornecedores e clientes fiquem espertos e cobrem mais resultados nas gestões portuárias, fiscalizem mais rigorosamente os atos dos dirigentes, sabendo que os prejuízos ficarão nas empresas onde surgirem, inapelavelmente.

 

Só para lembrar: nesta semana, Santos comemora 114 anos como porto organizado. Durante 90 anos foi gerido por uma empresa particular, que não só fez com que os lucros permitissem a expansão do cais por mais de 12 quilômetros, como ainda remunerou muito bem os investidores, que formaram uma das grandes fortunas nacionais.

 

Porto dá lucro, no mundo inteiro há bons exemplos disso, nem sequer importando a forma como é gerido – temos portos lucrativos privados e estatais, mistos, sob regime democrático ou estatal, enfim com todo tipo de gestão. A contrapartida é verdadeira, temos também portos deficitários de todos os tipos. Uma análise mais profunda mostra, porém, que o problema costuma estar na competência do gestor, não na forma de gestão. Em qualquer atividade e em qualquer lugar do mundo.

 

Não é trocando as moscas que o monturo deixa de exalar seus pútridos olores...

 

 

Em 1865 já era grande a quantidade de navios operados em Santos.

 E nem existia porto organizado ainda.

Foto: Militão Augusto de Azevedo, 1865

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