Sexta, 27 Dezembro 2024

Creio que não serão estranhos ao leitor aqueles desafios à paciência e ao raciocínio, em que a meta é atravessar um rio com três grupos de pessoas e/ou animais, que não podem ficar juntos na travessia nem ser deixados juntos numa das margens sem a assistência ou o controle do barqueiro. Então, é um tal de ir e vir pelo rio até que a operação seja completada. Bem, não deixam de ser questões de logística, às vezes bem simples em comparação com alguns dos grandes desafios enfrentados pelos profissionais do setor.

 

Se no jogo a criança não pode ser deixada só com o criminoso, sem a presença coibidora do policial, no planejamento logístico também é preciso não deixar uma carga preciosa sem proteção, e isso implica, por exemplo, em fracioná-la e coordenar a reunião das diferentes partes no destino (como fazem exportadores de calçados: o pé direito vai por um caminho e o esquerdo pelo outro, e assim cada carregamento só despertará a cobiça de alguém desprovido de um dos membros inferiores – em português tradicional, um perneta).

 

Da mesma forma que no jogo, cargas incompatíveis não podem viajar juntas. Café e perfumes, por exemplo, a não ser que alguém realmente queira consumir café cheirando a Chanel nº 5. Risos à parte, é preciso considerar que certas misturas são literalmente explosivas, como enxofre e pólvora ou produtos químicos de nomes menos conhecidos que possam entrar em combustão espontânea, como o nitrato de sódio. Navios já foram perdidos por isso, em Santos mesmo. Quem já conseguiu esquecer do Ais Georgis?

 

NÃO ATRAVESSOU - cargas incompatíveis causaram o

incêndio do “Ais Georgis”, que ficou décadas semi-

submerso no estuário santista.

(acervo de Carlos Pimentel Mendes)

 

Assim, quem programa o transporte das cargas precisa conhecer muito bem as particularidades da mercadoria a ser transportada, não apenas para conferir se existem restrições legais em alguns países ao trânsito da mesma, mas para estabelecer normas de segurança e formas seguras de transporte. Por exemplo, não basta saber que é líquido para definir a locação de um contêiner-tanque. É preciso verificar se o produto exige manutenção de temperatura, e com que rigor; se é corrosivo ou pode interagir com as paredes do tanque; se libera gases (aumentando a pressão), com a agitação do transporte (como o clássico exemplo da garrafa de champanha) ou se altera as suas características com as mudanças de temperatura.

 

Isso significa, por exemplo, ter de usar equipamentos com paredes reforçadas, ou sistemas de refrigeração e controle de temperatura mais ou menos sofisticados, incluindo até mesmo relatórios via satélite e sistemas de monitoramento remoto e/ou auto-ajuste.

 

Significa também conferir se há infra-estrutura mínima e pessoal habilitado para manipular esses equipamentos ao longo do percurso, recolher os dados no destino e até mesmo substituir equipamentos defeituosos ou danificados durante o transporte. E ainda, se todos esses custos agregados não tornam a exportação inviável.

 

Pois a diferença entre o jogo chinês da travessia do rio e o cotidiano dos transportes é a necessidade de lembrar, a cada instante, os custos envolvidos nas operações e o tempo disponível para se completar a tarefa. Na vida real, às vezes, simplesmente não atravessar o rio pode ser a melhor solução disponível.
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