Sexta, 27 Dezembro 2024

Um carregamento de café solúvel deixou a sede da indústria Cacique, com destino à então União Soviética. O caminho mais lógico seria seguir direto para o porto de Paranaguá, já que a indústria estava localizada no Norte do Paraná, e na linha reta até o Atlântico o porto de embarque seria mesmo o Parnanguara.

 

Porém, a estrada reta até o litoral estava congestionada com caminhões cheios de soja, no auge da safra, formando filas quilométricas para o embarque nos navios. Então, a alternativa seguinte seria usar o porto do café, que de tanto movimentar esse produto já possuía renome no mercado cafeeiro internacional.

 

Mas, o caminhão e seu contêiner carregado com café solúvel passou por Santos e continuou viagem. Passou pelo Rio de Janeiro e por Sepetiba, só se detendo, enfim, em Vitória, no Espírito Santo.

 

E por quê o porto capixaba conseguiu a vitória sobre os demais, mesmo desafiando a lógica de que, usando-se algum dos portos anteriores, seria evitado um percurso rodoviário maior, que encareceria o produto? O estranho fator que pesou na decisão dos empresários foi a existência no Espírito Santo de um esquema financeiro de fomento às exportações pelos portos daquele Estado, que não era encontrado nem no Paraná, nem em São Paulo, nem no Rio de Janeiro, e que por si só compensava todo esse percurso.

 

Mais um detalhe: era possível negociar com os armadores um frete um pouco menor, por estar o porto mais perto pelo menos um dia e meio de viagem do centro consumidor. Isso ajudava a pagar o custo extra do frete rodoviário. E, em certos casos, para o armador havia também interesse em receber o café solúvel em Vitória, pois sendo uma carga de grande valor agregado, servia como compensação para outros embarques que teria de fazer ali, de produtos de menor valor.

 

O que seria aparentemente um contrasenso, revela-se então perfeitamente lógico, já que o cliente obteve redução no custo final do transporte e da própria mercadoria.

 

Com toda essa competição entre os portos do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, às vezes até Santa Catarina e Rio Grande, e tantos fatores econômicos intervindo no planejamento logístico com força para mudar todo o cenário, uma conhecida empresa exportadora de produtos cítricos resolveu usar estudos logísticos para mudar sua própria sede e fábrica: encontrou em Uberaba/MG o local ideal para enfrentar os vaivéns da concorrência entre os portos: dali poderia enviar facilmente cargas para qualquer um deles, por ferrovia ou rodovia, por se situar num entroncamento de vias e aproximadamente à mesma distância tanto de Santos (e, digamos, Paranaguá), como do Rio de Janeiro/Sepetiba, ou ainda de Vitória. A outra vantagem logística era que, se algum porto parasse por causa de greves, então bastante comuns era só mandar o motorista seguir para o porto que estivesse operando normalmente.

 

Mas não se pense que os profissionais da Logística não se dão o direito a planos mais ousados. Descobriram, por exemplo, que produtos agrícolas a granel podiam sair do centro do estado de São Paulo, pelos rios Tietê e Paraná, chegando a Frai Bento, no Uruguai, para dali prosseguir viagem à Europa. Apesar do enorme desvio, a possibilidade de usar o barato transporte hidroviário significava uma vantagem competitiva, para produtos com mínimo valor agregado, em que pequenas diferenças no custo final do transporte podem ser decisivas na hora de fechar o contrato com o importador.

 

E a distância pode ser bem pouco influente nos custos, se o valor do frete é mais baixo na alternativa mais longa, e não há pressa para chegar. Assim, cargas saídas do extremo Sul do Brasil às vezes seguem por rodovia para o extremo Norte, apenas pelo fato de que o custo é quase nulo: o motorista que leva a carga aceita uns trocados como pagamento, pois a alternativa seria viajar de retorno com o veículo vazio: assim, qualquer frete obtido é lucro.

 

Como se infere desses exemplos, quando se trata de logística de transportes, até a aparente falta de lógica pode ser justificada. Afinal, quer situação mais ilógica do que termos no Brasil uma inversão completa na matriz ideal de transportes? Com tantas aquavias potencialmente disponíveis para uso, nossa cabotagem é mínima, e grande parte das cargas segue mesmo por rodovia, ainda que margeando o litoral e os rios, e até passando ao lado de centenárias ferrovias, que poderiam fazer bem mais racionalmente esse transporte...

Este vasto tema continua na próxima coluna.

Seria normal que veículos fossem transportados em navios tipo ro-ro, com rampa para o acesso direto ao porão. Mas, para certos destinos, é mais rápido e barato embarcá-los num navio porta-contêineres, estivando os carros em contêineres-plataforma com cabeceira, como este.

(Foto: reprodução de antigo folheto da Sea Contêineres)

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