Com as grandes transformações verificadas nas atividades portuárias, nas últimas décadas, Santos empobreceu com a redução de sua parcela na atividade portuária (através do emprego de seus trabalhadores portuários, e da renda deles, que indiretamente impulsionava o comércio e a prestação local de serviços), e antigas instalações, outrora movimentadas, foram gradativamente abandonadas, como o trecho inicial do cais santista.
Mas é nessa região que Santos começou, com o século XXI, a ressurgir das cinzas, através do turismo vinculado à recuperação de seu Centro Histórico. E a cidade já descobriu que as áreas de cais semi-abandonadas, que hoje não mais recebem os grandes navios de longo curso, podem se transformar em marinas, para atender à demanda crescente dos esportes náuticos.
O alerta soou, dias atrás, quando uma autoridade municipal comentou que a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade consideram uma cidade como o principal local da tomada de decisões sobre o desenvolvimento de seu território.
E o segundo sinal veio com o resto desse comentário: empreendimentos portuários só devem ser autorizados e previstos no Plano Diretor se trouxerem contrapartidas positivas a Santos.
Linguagem cifrada, para deixar claro que Santos só privilegiará o porto se as cifras do porto também privilegiarem a cidade. Se porto significar despesa sem receita, por quê Santos vai se preocupar em aumentar a atividade portuária? Já que o interesse é da Nação e do Estado, ou mesmo de grandes empresários estrangeiros, e as decisões são tomadas fora de Santos, por gente desvinculada da realidade local, então "eles" que invistam... onde quiserem.
Não é mais o estivador ou doqueiro que decidem como fazer o embarque da carga, nem o escritório local do embarcador que decide a contratação do navio que as embarcará, como se via até a década de 80. O fechamento dos embarques é discutido na capital paulista, a escolha do navio é feita no Rio de Janeiro, as opções de transporte são definidas em Hamburgo ou New York ou Tóquio com base em contratos globais de parceria, até a concessão de áreas para atuação no cais depende de Brasília, e acordos são costurados em outros continentes para escolher se a carga seguirá por Santos, pelos terminais em Guarujá... ou talvez por Montevidéu, Rio Grande... As decisões são tomadas longe, e assim o santista vai se desvinculando do "seu" porto. Seu?!
Separado de "seu" porto, o santista já não sonha em fazer fortuna trabalhando na movimentação de cargas no cais. Seus olhos agora brilham com a visão de uma área limpa em que suas crianças brinquem, com mesas e cadeiras para os turistas sentirem vontade de ali ficar, pontes para os barcos de recreio, muretas para encostar, olhar o mar, namorar...
Quando o santista falar em café, junto ao estuário, não mais estará se referindo às tradicionais sacas de café de 60 kg tipo Santos Exportação. Que elas viajam escondidas, dentro de contêineres fechados, como qualquer outra mercadoria que passa direto pela estrada até o costado da embarcação, ou vai com caminhão e tudo até o porão do navio ro-ro.
O café de que falarão os santistas é o servido em xícaras, numa tarde de sol e brisa fresca. Em lugar dos doqueiros, garçons. Não mais vigias de portaló controlando parrudos estivadores, mas guardas municipais fazendo sua ronda, entre senhoras de salto alto, que passam conversando em sabe-se lá que idioma. Conferentes e arrumadores? Substituídos por guias turísticos! Em vez do ranger dos guindastes e das freadas das empilhadeiras, talvez uma orquestra (formada por músicos locais, de preferência) tocando, no final da tarde...