Segunda, 20 Mai 2024

Por muitos séculos, ficou arraigada na mente dos povos a idéia de que um porto é uma porta, por onde passam mercadorias entrando e saindo de um país. Como consequência direta disso, um porto ideal (além das condições naturais de abrigo das embarcações contra intempéries e eventos do mar) deve se localizar vizinho ou ao menos perto da área de produção ou consumo desses bens, e estar bem servido de acessos terrestres a esse mercado produtor e/ou consumidor.

Muitos outros conceitos costumam derivar dessa idéia inicial. Por exemplo, a ligação porto-indústria, em que toda uma zona industrial é instalada junto a um porto, com acesso direto aos navios, para aproveitar ao máximo essa inter-relação. Até mesmo o conceito de porto concentrador de cargas (hub port) costuma ser vinculado à idéia de um porto importante já existente e com amplos acessos terrestres.

Com o estrangulamento dos acessos aos principais portos, cada vez mais verificado, já é hora de se rever alguns desses conceitos, fazendo outro tipo de associações. Quem disse, por exemplo, que todo porto precisa ter acesso terrestre às suas instalações?

Imaginemos um porto funcionando numa pequena ilha, sem quaisquer moradores regulares ou indústrias. Inútil? Não. E a palavra mágica é "transbordo". Basicamente, a talvez única atividade rentável nesse porto seria receber cargas de um ou mais navios e reembarcá-las, por sua vez, também em um ou mais navios.

Para quem eventualmente achar estranha essa idéia de porto-ilha, é bom recordar que no Nordeste Brasileiro funciona o Porto-Ilha de Areia Branca, para movimentação de sal. Inaugurado em 1974 no Rio Grande do Norte, e situado 14 milhas náuticas longe da costa, esse terminal salineiro recebe o produto em barcaças e o reembarca em navios de cabotagem para todo o Brasil, bem como nas embarcações de longo curso, para diversos países importadores de sal. Foram 1.898.594 toneladas movimentadas em 2008. Com o detalhe: algumas das principais salinas ficam em Mossoró, 35 km distante do litoral.

Se não fosse a diferença de tempo entre as escalas, e os custos envolvidos, o transbordo poderia ser feito até com dois navios operando a contrabordo (um ao lado do outro), trocando cargas através de seus próprios equipamentos de movimentação de contêineres, ou com o auxílio de um guindaste flutuante (cábrea). Também não é idéia nova: piratas cansaram de abordar navios em alto mar, fazendo a transferência da carga e depois, conforme seus interesses, afundando o navio apresado. Na Segunda Guerra Mundial, submarinos abordavam cargueiros em alto mar, apropriavam-se das mercadorias mais valiosas e depois iam embora, ficando à decisão do capitão atacante o que fazer com navio e tripulação apresados. Às vezes, o comandante do submarino agia como verdadeiro cavalheiro, às vezes não, mas isso já é outra história...

O porto também poderia ser dispensado, como instalação fixa, se estivessem disponíveis chatas para receber os contêineres de um navio e recolocá-los em outro. A opção por esta ou aquela solução dependeria apenas dos custos e tempos operacionais envolvidos. E desta vez o exemplo tem origem estadunidense, ocorrendo em águas brasileiras. Até cerca de 1980, a armadora Delta Lines mantinha em tráfego em sua linha interamericana vários navios porta-barcaças, num sistema denominado Lash (lighter aboard ship), criado em 1969 e que acabou sendo substituído pela praticidade dos contêineres. O navio tinha uma abertura no casco, por onde eram baixadas as barcaças com a carga destinada ao porto. Seguia para os demais portos da linha e na volta recolhia as barcaças cheias, evitando as então custosas e demoradas estadias da embarcação atracada: na verdade, o navio nem chegava a acostar ao porto.

Se tal operação se tornou economicamente inviável em uma época, não significa que a mudança em diversos fatores que causaram isso possa tornar uma operação semelhante novamente viável. Ou que o antigo sistema sirva de inspiração para o desenvolvimento de novas opções. Por exemplo: ainda operam nos portos as cábreas (guindastes flutuantes), para a realização de trabalhos especiais, como a movimentação de cargas de formato não padronizado, seja entre duas embarcações, seja entre navio e porto.

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