A cada cinco anos dobra o comércio internacional brasileiro, mesmo com o governo rezando para que não cresça muito a nossa economia, senão ficará ainda mais evidente a precariedade, por exemplo, da infra-estrutura nacional de geração de energia. "Infra"-estrutura? Palavra bem apropriada, é "infra" mesmo, muito pequena para as necessidades de um país que deveria crescer a passos ainda mais largos, para gerar condições dignas de vida para seus habitantes. E que poderia crescer bem mais, se fossem criadas as condições para isso, como fizeram China e outros países, que em período semelhante da história recente saíram da quase nulidade em termos de comércio internacional e hoje são apontados como as grandes potências do século XXI.
Há 200 anos, um rei português, d. João VI, ao transferir sua Corte para o Brasil, elevou a então colônia à condição de Reino Unido ao de Portugal e, como primeira medida, decretou a abertura dos portos às nações amigas, ato que, por si só, representava um reconhecimento, dois séculos atrás, da importância dos portos para uma nação.
O que se sabia no século XIX parece ter sido esquecido no embate dos interesses imediatistas que no final do século seguinte fizeram a economia brasileira naufragar ou no máximo boiar em meio às tormentas. O Brasil, que em 1960 transportava ao longo de sua costa e nos principais rios, ainda em navios de madeira, a maioria de seus bens industriais e mesmo grande parte dos viajantes internos, abandonou primeiro a navegação de cabotagem, em favor das estradas de rodagem; o País que poucos anos depois de sua independência surpreendia o mundo com a audácia das construções ferroviárias, via a partir de 1970 as poucas ferrovias restantes entrarem em rápida decadência.
Mais uma década, e nos anos 1980 perdia a sua construção naval, que chegou a ser uma das dez maiores do mundo; e, para completar - com chave de latão enferrujado - o século XX, na década passada entregou a sua navegação de longo curso a grupos estrangeiros, permitindo que o percentual de cargas transportadas em navios nacionais caísse de um número próximo do ideal de 50%, para menos de 2%.
Atendendo aos insistentes pedidos estrangeiros, abriu não só os portos, mas toda a sua economia, ao mundo, que enviou imediatamente representantes para arrecadarem o filão de cada setor, deixando aos nacionais quase sempre apenas os custos. Contrapartidas? Nem pensar. Ainda que fossem oferecidas, o País não teria condições de aproveitar, pois com a inflação só recentemente contida, com o descontrole dos gastos públicos (compensado pelos maiores índices de impostos de sua história, também os maiores do mundo moderno), somente o sistema bancário poderia prosperar, como prosperou, atingindo igualmente os números mais expressivos de lucratividade do mundo (e, se não tivessem lucro, sempre haveria uma ajudazinha governamental...)
Foram décadas de imprevidência, de descontrole, de malversação de recursos, e o resultado aí está: um verdadeiro desastre logístico, que o governo tenta disfarçar e corrigir com um Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), também ele meio perdido em suas definições e nos meandros da excessiva burocracia.
O Brasil tinha uma sadia matriz de transportes no século XIX, quando a maior parte do transporte de cargas era feito por navegação costeira ou ferrovia. Inverteu esse padrão, gastando na construção de rodovias hoje quase inaproveitáveis e perigosas por falta de manutenção, e abandonando a cabotagem, o transporte ferroviário. Hoje, precisa deles para retomar seu crescimento, e tem de correr contra o tempo para recuperá-los, mas a tarefa já se revela inglória: as cidades cresceram, tomaram conta até das áreas que todos sabiam há décadas que precisariam ser usadas para a expansão dos transportes.
Há muito o que dizer sobre isso. E o pior é que aqueles que precisariam deliberar e decidir com a maior urgência sobre todos esses assuntos assumiram de vez que, mais importante que o futuro do País, está o futuro pessoal e de seus grupos políticos. Praticamente não se fala em soluções efetivas para o gargalo logístico que já começa a sufocar o setor de transportes e a economia. Mas muito se especula sobre as estratégias de mais um assalto ao poder, nas eleições que se avizinham. Não se calcula quantas toneladas de carga o Brasil movimentará em 2020, mas já se faz planejamento partidário pensando em como estar no poder nessa época.
As eleições passam, os políticos desaparecem, e de tudo isso o que sobra é um país que, mesmo avançando, consegue regredir. Veremos como isso vem ocorrendo, nas próximas colunas...
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