O título desta coluna, para a maioria dos leitores, não terá o mínimo sentido, em qualquer idioma. Pentaminhão é palavra nova, bem recente. Romeu e Julieta lembram um infeliz casal das histórias de William Shakespeare. Mas, novamente, o sentido é bem outro. E tais palavras, até agora restritas ao domínio dos plantadores de cana-de-açúcar e imediações, começam a invadir as cidades e chegar aos portos, junto com os respectivos veículos, por sua vez ainda pouco vistos, também, no meio urbano.
É uma evolução nos transportes que está a caminho no Brasil, e que implicará também em novos arranjos de logística, em vias públicas, pátios de cargas e contêineres, nos portos.
Expliquemos: uma das formas de reduzir o custo do transporte de mercadorias até os portos é fazer com que um mesmo veículo, com um só motorista e talvez seu ajudante, transporte mais carga. E a solução encontrada foi acrescentar reboques, rodas e eixos, encompridando os veículos. Foi-se o tempo em que um pequeno caminhão com carroceria de madeira circulava pelas cidades e estradas, levando alguma carga. Ele evoluiu, virou carreta tracionada por um cavalo-mecânico nela engatável. E a carreta ganhou seu primeiro reboque. Depois, mais outro. E outro...
Foto: www.oglobo.globo.com
Daí, os primeiros apelidos. O Romeu-e-Julieta, que se tornou comum nos canaviais, é um caminhão com dois reboques. O acréscimo de eixos de rodagem e de reboques foi transformando os caminhões em uma espécie de composição ferroviária, embora sobre pneus e sem trilhos. As denominações acompanharam o novo perfil dos veículos.
Surgiu o bitrem, em que um cavalo-mecânico traciona dois semi-reboques, sendo o primeiro reboque acoplado no quinto eixo do cavalo-mecânico e o segundo reboque "numa segunda quinta roda, que se localiza no prolongamento do primeiro semi-reboque". Simples? Espere, que tem mais.
O próximo conjunto é o rodotrem, que é um bitrem mais uma unidade de articulação posicionada entre os dois semi-reboques, com mais eixos que o bitrem. O arranjo permite elevar em 64% a capacidade de carga transportada, em comparação com um veículo tradicional de três eixos, mas sua movimentação é mais restrita, seu trajeto precisa ser definido ao se obter junto às autoridades uma Autorização Especial de Trânsito.
Movimentação do rodotrem é mais restrita e sujeita a
autorização das autoridades de trânsito
Já o treminhão é um conjunto Romeu-e-Julieta, ao qual se acopla mais uma Julieta. Parece até filme pornográfico, daqueles que nas locadoras recebem o título genérico de XXX...
E a fila continua: o tritrem é um bitrem com mais um assim chamado quinto eixo, e mais um semi-reboque. O tetraminhão e o pentaminhão são apenas treminhões com mais e mais reboques. Ainda não foram liberados pela legislação brasileira para uso nas estradas principais, porém já circulam bastante pelas regiões agrícolas brasileiras.
O encompridamento dos veículos rodoviários de carga já preocupa o Comitê de Logística do Porto de Santos, como ficou evidente numa frase que escapou num debate sobre os acessos rodoviários ao porto.
E não é para menos. As vias públicas, os pátios de cargas e de contêineres, o próprio empilhamento de contêineres nos pátios e sua movimentação por portêineres e transtêineres foram planejados para veículos mais tradicionais: a carreta com seu reboque, no máximo um segundo reboque. Ninguém esperava que os trens saíssem dos trilhos e começassem a circular pelas rodovias...
Imagine que um veículo desses pare no meio de uma via pública, devido a um acidente ou a uma pane mecânica. Todo o trânsito na área pode ficar prejudicado, até que se consiga ao menos desengatar cada parte do veículo e levá-la para outro local. Bem mais complicado do que remover um automóvel de passeio...
Nos terminais, podia-se empilhar os contêineres e depois chamar os veículos para retirá-los de acordo com a ordem em que estavam na pilha, o contêiner mais alto saindo primeiro. Agora, a perspectiva é que um rodotrem leve, de uma só vez, a pilha inteira. Como a ordem é economizar movimentos nos terminais, é a correta formação das pilhas, levando mais esse fator em consideração, que tornará econômicas as operações dos terminais.
A partir dessas idéias, o leitor facilmente deduzirá as mudanças que estão a caminho no transporte de cargas, e talvez afetem até mesmo sua própria vida particular. Imagem final: andando pelas ruas de uma cidade, o leitor tem seu trajeto interrompido por um veículo que passa... e passa... e parece que nunca termina de passar. Procura no chão os trilhos da nova ferrovia. E os trilhos simplesmente não existem...
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