Sábado, 04 Mai 2024

Pessoal, não dá para florear, para usar meias palavras, contemporizar, formar uma daquelas conhecidas comissões de inquérito especialmente criadas para enrolar o assunto por um certo tempo, até que ele caia no esquecimento da população e possam ser encerradas "por falta de provas".

 

Nem que se quisesse, pois os fatos se repetem, não dá tempo para esquecer e nova ocorrência vem reavivar a memória. Se o próprio governante erra para mais no número de mortos no cais de Santos neste ano, não importa, pois basta deixar passar uma ou duas semanas e a macabra conta já fica exata.

 

O fato é que pessoas, gente como a gente, trabalhadores de um país que pela primeira vez se diz governado por um operário, por um partido dos trabalhadores, gente trabalhadora no cais, está morrendo. E não é por mera fatalidade, destino, acidente inevitável, caso fortuito ou como queiram chamar. É por incompetência, mesmo.

 

Incompetência em todos os sentidos da palavra, desde a falta de competência que está em seu sentido original, que poderíamos entender como a inexistência de uma autoridade a quem compete resolver o problema – ela até existe, legalmente, mas não assume o seu papel – até o sentido da incapacidade do ente responsável – responsável, ai! – no trato deste assunto.

 

Na primeira acepção do sentido, a falta de alguém a quem atribuir competência, cabe ao governo federal (responsável maior por tudo isso) nomear – talvez indicar, eleger ou como queira, já que se levássemos tudo na letra da lei não sobrava um fora da cadeia, então a lei é o que menos importa – alguém para se responsabilizar pelo assunto da segurança do trabalho no cais.

 

Na outra acepção, a falta de competência de quem é o responsável por essa segurança – cabe novamente ao governo federal substituir o dito incompetente, pessoa ou entidade – por outro capaz de resolver o assunto.

 

Nos dois casos, o governo federal é o responsável. Pois insiste em manter sob controle da União os portos, em lugar de lhes dar a autonomia de decisão – a mesma autonomia, em suma, pela qual se bateram anos atrás as cidades postas sob intervenção, a pretexto de serem áreas de segurança nacional. Embate no qual tomaram parte inclusive muitos políticos do atual partido governante.

 

E mais responsável ainda por manter os portos há meses e meses no aguardo de decisões fundamentais para que possam atuar. Pois há seis meses exatos se aguarda a nomeação dos novos dirigentes, tudo está em compasso de espera, nada se decide até se saber de que lado os ventos sopram – e eles insistem em não soprar.

 

As mortes estão se sucedendo, em seqüência cada vez mais rápida, e como sempre os governantes insensíveis parece que só vão se mexer quando as passeatas e manifestações ganharem as ruas, protestos firmes sendo divulgados por todos os meios de comunicação, a casa ameaçando cair.

 

Mas, parece não existir uma Anistia Internacional dos Trabalhadores Portuários, que informe nos famosos quatro cantos do mundo a tragédia que ocorre em Santos, tragédia mais do que anunciada, com soluções possíveis desde que os responsáveis – os famosos incompetentes – se mexam. Eles parece que preferem se explicar nos tribunais, decerto contando com a excelência de nossa Justiça, que empurra qualquer assunto indigesto para as calendas, até que os réus se juntem às vítimas no outro mundo.

 

Afinal, todos sabem, o povo brasileiro é pacífico. Por muito menos, em outros países a casa cai. Aqui, lamenta-se as mortes, mas tudo continua na mesma. E novas mortes serão em breve lamentadas. E devidamente usadas em futuras campanhas eleitoreiras. Ou em determinadas confabulações e negociatas, das quais nem quero ouvir falar, é sujeira demais para mim.

 

A verdade, caro leitor, é que estou enojado. Nojo é palavra que, apenas no seu último sentido dicionarizado, significa luto. Sim, estou de luto por todos os que morreram, mesmo não os tendo conhecido pessoalmente. Eram trabalhadores, pais de família, não eram da mesma laia que certas figuras conhecidas, citadas alternadamente nas páginas sociais (como "próceres da nacionalidade") e policiais (como mentores intelectuais ou meros chefes de quadrilha).

 

Mas, estou enojado também nos outros sentidos da palavra, os mais conhecidos. Enojado por ver um governo incompetente para resolver um problema como esse. Enojado por ver gente procurando formas de tirar partido dessas mortes para lucros pessoais. Enojado por ver gente arranjando desculpas para não cumprir suas obrigações. Enojado por ver gente manipulando números para demonstrar que o problema não é tão grave assim, afinal só morreu 0,00...% da massa trabalhadora do porto...

 

Desculpem, leitores, mas a minha paciência com esse assunto já se esgotou. As soluções já foram apontadas. Se ninguém as segue, se a sociedade prefere esperar por mais uma fileira de mortes para sentir-se na obrigação de agir, lamento. Para mim, é incompetência demais. Nojenta no sentido fatal e no sentido de mal-cheirosa. Chega!

Situação do trabalhador portuário, hoje...

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