Olá, família portuária. Semana passada, de 27 a 30 de outubro, participei do 32º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Tal encontro reúne boa parte da comunidade de sociólogos, antropólogos e cientistas políticos do Brasil, assim como alguns membros da comunidade científica internacional.
Este ano tivemos a oportunidade de assistir a conferência do professor Arne Kalleberg, da Universidade da Carolina do Norte, sobre trabalho precário e insegurança no trabalho. A conferência dele, realizada no dia 28, frisou a importância de observarmos as práticas de trabalho precário, para que possamos repensar o trabalho e suas formas na contemporaneidade. Um dos pontos interessantes levantado pelo prof. Arne foi a idéia de que atualmente grande parte dos empregos são precários e que são tratados como trabalhos atípicos. Não que ele discorde, porém ele diz que o nosso paradigma de trabalho pode estar falho, visto que o trabalho sempre foi precário e, desta forma, típico da sociedade capitalista. É só lembrarmos-nos dos idos da Revolução Industrial, para que percebamos que o trabalho formal só passa a existir no século XX e no Brasil, após 1930, com a legislação sindical e trabalhista. Neste momento, havia a necessidade de formalizar o trabalho para impulsionar o desenvolvimento econômico do país. Desta forma, o que o Prof. Arne nos diz é que o trabalho formal é atípico, pois aparece apenas quando precisamos de um impulso econômico ou para minimizar os conflitos entre capital e trabalho. O trabalho típico da sociedade capitalista é o trabalho precário.
Logo após, começaram as sessões dos grupos de trabalho. Eu, desde 2004, participo dos debates do GT Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea. Logo em sua primeira sessão, no dia 28, o grupo dedicou-se a discussão do trabalho precário. Este, com certeza, foi o tema privilegiado nas discussões sobre trabalho neste encontro da Anpocs. Esta discussão estendeu-se para as outras duas sessões, realizadas nos dias subseqüentes. O que pude observar é que a questão da precarização do trabalho não se restringe apenas a esfera da iniciativa privada. Atualmente, o setor público tem sido atingido fortemente por práticas de trabalho precário. O trabalho apresentado pelo Prof.Dr. Roberto Veras de Oliveira, da Universidade Federal de Campina Grande, intitulado “Processos de heterogeneização entre trabalhadores do Seviço Público Federal: foco na Saúde e Previdência em Pernambuco” mostrou como a relação entre Estado e Servidores Públicos Federais, Estaduais e Municipais da Saúde e da Previdência neste estado tem resultado não apenas na precarização dos empregos, mas também na precarização dos serviços e conseqüente descontentamento do usuário. Além disso, a fragmentação dos contratos e das relações de trabalho nas diferentes esferas (municipal, estadual e federal) causa uma desmobilização destes trabalhadores, impedindo-os de reivindicar melhores condições de trabalho.
Além disso, a precarização do trabalho não se encontra apenas entre os trabalhadores urbanos. A Profa Dra Maria Aparecida Moraes, da Universidade Federal de São Carlos, apresentou o trabalho “Trabalhadores Rurais: a negação dos direitos”, que trouxe resultados de pesquisa que mostra as práticas de trabalho entre os cortadores de cana de açúcar da região de Ribeirão Preto. Moraes diz que, para ela, estes trabalhadores não são precários. Isto, pois, consideramos trabalho precário aquele que um dia foi bom, com direitos e condições razoáveis de trabalho. No caso dos cortadores de cana o trabalho sempre foi ruim, podendo ser considerado trabalho escravo, devido as péssimas condições de trabalho e os baixos níveis de remuneração. Moraes nos traz um quadro desolador ao mostrar trabalhadores que morrem nos postos de trabalho por exaustão, pois visavam cumprir as metas estabelecidas. Tais metas provocam intensificação do trabalho, o que leva a fadiga, stress, doenças, aposentadorias antecipadas e mortes nos locais de trabalho. Porém, o que Moraes nos diz é que graças ao trabalho realizado por ela e por outros cientistas, incluindo biólogos e juristas, os cortadores de cana têm, a passos lentos, conseguido direitos básicos como o ganho de causas contra usinas, assim como a atenção da Vigilância Sanitária para casos de epidemias e doenças ocupacionais. Os ganhos ainda são muito pequenos, comparados com outras categorias, mas mostram como a ciência pode e deve estar em defesa da sociedade.
Desta forma, foi possível observar nestes dias que o trabalho continua a ser central na vida social e a preocupação dos cientistas sociais continua a ser a identificação dos problemas de forma a buscar soluções. No caso dos estudiosos do trabalho, o combate a precarização do trabalho é o foco central. Como disse o Prof. Arne, o trabalho precário é a forma típica do sistema capitalista, porém podemos lutar para amenizar as conseqüências desta precarização e buscar alternativas de sobrevivência. O trabalho da Profa Moraes é uma prova disto. Quando lutamos juntos, cientistas, trabalhadores e Estado podemos encontrar soluções viáveis para todos os lados, que contribuam para o desenvolvimento da sociedade em sua totalidade.
Para ter acesso à íntegra destes e dos outros trabalhos apresentados, basta visitar a página com a relação de trabalhos.