Em artigo publicado no Jornal do Comércio no último dia 28 de julho e reproduzido no clipping PortoGente (’’Mais empregos exigem maior qualificação’’) fala-se sobre a criação de mais empregos formais. Porém, esse aumento vem associado à necessidade de maior qualificação. Será? Um dos pontos levantados é que há um aumento do nível dos candidatos, o que também faz crescer a exigência das empresas. Ou seja, segundo essa afirmação, só se exige qualificação porque há pessoal qualificado no mercado.
Essa é uma afirmação corretíssima. Claro, não estou dizendo que não exista a necessidade de profissionais qualificados, porém, quanto maior o número de pessoas com curso superior completo e idiomas, maior será a exigência das empresas, visto que se há esse tipo de profissional, por que não utilizá-lo? Mas, fica uma dúvida: será que há tantas vagas formais para pessoas com alta qualificação? E como obter essa qualificação?
Numa primeira olhada nos principais jornais do País, as seções de classificados trazem vagas em diversas empresas, onde o curso superior completo, idiomas fluentes (idiomas, pois algumas exigem o inglês e um segundo idioma) e se possível pós-graduação são as exigências para o cargo. Eu apontei exigências, e não diferenciais. Ou seja, para se candidatar ao cargo, o profissional deve minimamente possuir essas qualificações. Agora, quais os níveis salariais diante de tais qualificações? Nenhuma empresa ousa a colocar, pois, no mínimo, é frustrante.
Por exemplo, segundo a pesquisa salarial do Grupo Catho (site de recursos humanos que disponibiliza currículos on-line e auxilia inúmeras empresas na selação de funcionários) realizada em fevereiro desse ano, um analista pleno [1] na área de investimentos de uma instituição financeira ganha mensalmente, em média, R$ 3.500,00. Para chegar a essa posição, ele deve possuir curso superior completo em administração, economia ou contabilidade, um MBA (Master in Business Administration) na área, falar um idioma (o inglês, preferencialmente) fluentemente e ainda possuir conhecimento do mercado financeiro. Tudo pela bagatela de R$ 3.500,00 mensais. Alguns podem achar que é muito, que um salário desses é excelente. Mas, quanto esse profissional investiu para obter essa qualificação? E quanto ele ainda investe para manter essa qualificação e adquirir uma maior, visto que, atualmente, a reciclagem é um mal necessário para a manutenção do profissional no mercado de trabalho?
Esses fatores devem ser considerados. Um curso superior na área de Administração não sai por menos de R$ 40.000,00, considerando uma mensalidade média de R$ 800,00, a média praticada pelas principais faculdades e universidades do Estado de São Paulo. Um curso de idiomas custa em média R$ 150,00 mensais, sendo que para alcançar o nível avançado são necessários de 3 a 6 anos, dependendo da escola de idiomas. Fazer um estágio no exterior é bem-vindo, pois aprimora a língua e dá vivência em outros países, o que é considerado diferencial por algumas empresas. São mais R$ 10.000,00, por um mês em escola de idiomas na Inglaterra, com acomodação e passagens aéreas. Ou seja, já foram mais de R$ 50.000,00, sem contar o MBA, cujo custo total em uma grande instituição é de R$ 20.000,00. Esse profissional investiu cerca de R$ 75.000,00 para obter uma remuneração mensal média de R$ 3.500,00, sem saber se realmente será contratado e se realmente realizará as funções para os quais está preparado.
Isso, pois, a qualificação exigida muitas vezes não corresponde as necessidades do cargo. Essas, em muitos casos, são menores que o nível do candidato. Além disso, a exigência da experiência faz com que muitos candidatos a essas vagas não a consigam, pois não se tem experiência se você não consegue emprego e esse está associado à qualificação. Ou seja, é uma via de mão-dupla que nunca tem fim.
Por isso devemos ter muito cuidado ao falarmos sobre o mercado de trabalho e suas necessidades, pois essas podem mudar a qualquer momento diante das demandas colocadas pelas novas tecnologias ou mesmo, criadas pela implantação de empresas em locais diferentes ou mesmo pelas próprias instituições de ensino, que observam nichos e criam qualificações, que muitas vezes não resultam em grandes ganhos para o profissional.
Esse é o caso da descoberta das reservas de gás na Bacia de Santos. As universidades da Baixada Santista já estão anunciando a criação de cursos na área de Petróleo e Gás para suprir as necessidades que a implantação das plataformas trará. Porém, lembremos que a Petrobrás é uma empresa estatal e seus funcionários são contratados mediante concurso público nacional, ou seja, qualquer pessoa do país pode fazê-lo e ser contratado. Como o regime de trabalho nas plataformas é o de embarcado, que passa 15 dias no mar e 15 dias em terra, esses de folga com suas famílias; esses trabalhadores necessariamente não precisam ser moradores da Baixada Santista, visto que os 15 dias em terra podem ser passados em qualquer região do País. É só vermos os funcionários das atuais plataformas de petróleo. A maioria não mora na região onde a plataforma se localiza (vide a cidade de Macaé, que continuo pacata e tranqüila mesmo com a implantação da plataforma de petróleo). Ou seja, as universidades e também as empreendedoras imobiliárias estão criando uma demanda na Baixada Santista que não sabemos se acontecerá. Criando ilusões em pessoas que acreditam que poderão conseguir um emprego incerto na Petrobrás.
Não devemos brincar com o mercado de trabalho. Devemos analisar as reais possibilidades existentes, as suas reais necessidades (e não as exigências virtuais criadas pelas empresas) e estabelecermos metas para conseguir a tão sonhada vaga no mercado formal de trabalho. Mas, tudo dentro de nossas possibilidades e encarando que o mercado é competitivo, porem, não é um bicho de sete-cabeças como pintam as vagas dos jornais.
Em tempo
Para aqueles que quiserem conhecer um pouco mais sobre mercado de trabalho, existem alguns artigos científicos interessantes, resultados de pesquisa, que nos ajudam a olhar o mercado de trabalho e sua relação com a escolaridade e a qualificação através dos óculos da realidade crítica. Cito alguns aqui, que podem ser obtidos no site Scielo.
GUIMARÃES, Nadya Araújo. Trabalho em transição: uma comparação entre São Paulo, Paris e Tóquio. Novos Estudos. São Paulo, n. 76, p. 159-177, nov. 2006
NUNES, Edson e CARVALHO, Márcia Marques de Ensino universitário, corporação e profissão: paradoxos e dilemas brasileiros. Sociologias, Jun 2007, no.17, p.190-215. OLIVEIRA, Elzira Lúcia de, RIOS-NETO, Eduardo Gonçalves e OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo de Transições dos jovens para o mercado de trabalho, primeiro filho e saída da escola: o caso brasileiro. Revista brasileira de estudos populacionais, Jun 2006, vol.23, no.1, p.109-127.
SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Educação e trabalho: uma relação tão necessária quanto insuficiente. São Paulo em Perspectiva, Jun 2000, vol.14, no.2, p.72-81.
[1] Segundo a Catho, o analista pleno realiza as seguintes funções: realizar estudos, análises retrospectivas e projeções de natureza econômico-financeira de empresas com base em demonstrativos financeiros e / ou entrevistas com diretorias das mesmas, a fim de fornecer ao Departamento de Administração de Carteiras alternativas de investimentos para a aplicação de recursos em um determinado ativo financeiro e, ao gerente da divisão, opções de investimentos permanentes, como aquisição de outras empresas. Esse é um dos cargos mais solicitados por empresas desse setor econômico.