Sexta, 27 Dezembro 2024

Esta semana, o blog PortoGente nos contou que a “brisa do serrado” não traz boas notícias para os trabalhadores avulsos. A inquietação que a noticia apresenta é a possibilidade de extinção do trabalhador portuário avulso e o fim dos Órgãos Gestores de Mão-de-Obra (Ogmos). Ou seja, ou o trabalhador se vincula ou ele inexiste para o mercado portuário. Segundo a literatura existente sobre trabalho portuário, estaríamos voltando a um processo de casualização do trabalho portuário. Mas, como podemos chamar de casualização, visto que o trabalhador terá que se vincular?

 

No final do século XIX e início do século XX, o trabalho portuário no Brasil e, especificamente, no Porto de Santos era considerado casual. Todo o tipo de trabalhador poderia conseguir uma vaga para trabalhar no porto. Na década de 1930, os sindicatos portuários, com participação expressiva do Sindicato dos Estivadores de Santos, lutaram para a criação do sistema de closed-shop, ou seja, a restrição do mercado de trabalho aos trabalhadores sindicalizados. E só se sindicalizariam aqueles que tivessem o aval do sindicato e, anos mais tarde, aqueles que passassem em concurso público, no qual eram exigidos os conhecimentos específicos do ofício. Desta forma, o trabalho se torna descasualizado. O trabalhador casual, que aflui ao porto em momentos de dificuldades para conseguir um “extra” no final do mês, já não existe e apenas aqueles que conhecem a profissão trabalham nas fileiras do porto.

 

Entretanto, o trabalhador avulso ainda precisa trabalhar com certa regularidade para garantir um salário mínimo, digno para a sua sobrevivência e de sua família. A descasualização não garante ao trabalhador um salário mínimo mensal, independente da produção. Em 1993, a Lei de Modernização dos Portos acaba com o closed-shop e transforma os doqueiros em trabalhadores avulsos. Porém, ainda mantêm o registro dos trabalhadores, garantindo o mercado àqueles que realmente são habilitados para o exercício da profissão. Mas, mesmo assim, o TPA continua sem a garantia do salário mínimo mensal. Porém, a lei abre uma brecha: a possibilidade de as operadoras portuárias contratarem por tempo indeterminado os trabalhadores portuários avulsos. A lei indica que se deve procurar o TPA no registro/cadastro do Ogmo e dá a oportunidade de o TPA garantir o salário mínimo mensal, além de outros benefícios.

 

Olhando desta forma, o nosso sistema portuário não é tão ruim quanto parece, pois permite àqueles que querem continuar “operários sem patrões” continuarem nas fileiras do porto e àqueles que procuram maior estabilidade vincularem-se a uma operadora portuária. Porém, a “brisa do serrado” trouxe a notícia que os trabalhadores portuários temiam desde 1993, o fim dos “operários sem patrões”. E claro, este fim traz de volta o perigo do trabalho casual, além do desemprego.

 

Lembremos do caso inglês. Até 1947, mesmo com a existência dos sindicatos portuários, o sistema de contratação era casual, onde todo e qualquer trabalhador tinha o direito de conseguir um posto de trabalho no porto. Em 1947, o governo inglês cria o National Dock Labour Scheme (NDLS). O objetivo era assegurar um registro mínimo de trabalhadores em uma indústria onde a flutuação dos postos de trabalho era constante. O registro era mantido pelo National Dock Labour Board (NDLB), que funcionava como um órgão gestor de mão-de-obra, mas, diferente do caso brasileiro, era administrado por empresários e pelos sindicatos. (STONEY, 1999). A estes trabalhadores era garantido um salário mínimo mensal, independente da produtividade. O NDLS terminou em 1989, quando as empresas passaram a contratar diretamente os seus trabalhadores, sem o intermédio do NDLB.

 

Segundo McNamara e Traver (1999), em 1980 via-se a necessidade de repensar o esquema, pois havia a obrigação de manutenção de trabalhadores registrados pelos empregadores registrados, o que levou muitas firmas a falirem. Essas firmas passaram a outras o seu lastro de trabalho, as caracterizando como “empresas de último recurso”. Isto estava estrangulando os portos que viviam sob o NDLS, que estavam perdendo cargas para os portos sem o esquema e portos estrangeiros. O esquema foi abolido como parte das reformas trabalhistas instituídas no Governo Thatcher.

 

O documentário The Flickering Flame (A Chama Reluzente), de Ken Loach, que nos mostra a greve dos portuários de Liverpool entre 1995 e 1998, nos fala que os trabalhadores realizaram greves, mas que o sindicato dos trabalhadores em transporte (Transport and General Workers Union – TGWU) não os apoiou.  O resultado foi a contratação dos trabalhadores sem registro, a volta do trabalho casual e a diminuição abrupta dos postos de trabalho. No Porto de Liverpool, ainda sobre o NDLS, de 12.000 trabalhadores em 1969, passou-se a 1000 em 1989. Após o fim do NDLS, em 1990 eram 700 trabalhadores e em 1999 eram em torno de 450.

 

Com certeza, se olharmos para o caso inglês, devemos ter muito medo da brisa que sopra. Temos que temer, pois a brisa pode chegar a vento e então, passar a furacão, levando consigo tudo aquilo que os portuários brasileiros demoraram tantos anos para construir, a dignidade do seu trabalho.

 

Referências bibliográficas

MCNAMARA, Thomas M. J. & TARVER, Sean. The strengths and weaknesses of dock labour reform – ten years on. Economic Affairs. Vol. 19.2, june 1999, p. 12-17

 

STONEY, Peter. The abolition of the National Dock Labour Scheme and the revival of the Port of Liverpool. Economic Affairs. Vol. 19.2 June 1999. P. 18-22

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