Olá, família portuária! Faz 15 anos que foi promulgada a Lei nº 8.630, comumente conhecida como Lei de Modernização dos Portos. Uma das principais “providências” da lei foi o fim da gestão sindical da mão-de-obra, inserido no Capítulo IV da referida lei e sua substituição pelo Órgão Gestor de Mão-de-Obra (Ogmo). Mas, quais as razões de retomarmos esta questão, dada por muitos como encerrada? Temos visto uma discussão sobre a natureza do trabalho portuário e a necessidade de mudarmos a cultura do trabalho vigente para nos adaptarmos as mudanças geradas pelo processo de modernização. Neste sentido, faz necessário voltarmos a própria concepção de trabalho portuário e verificarmos as experiências exteriores para que possamos refletir sobre aquilo que fomos e o que nos tornamos.
Pensando neste tema, recordei-me de um texto do historiador inglês Eric Hobsbawn, “Sindicatos Nacionais Portuários”, que faz parte da coletânea Os Trabalhadores: Estudos sobre a História do Operariado (São Paulo: Paz e Terra, 2000), do mesmo autor. Hobsbawn faz um retrospecto histórico-analítico da constituição dos sindicatos portuários ingleses entre os anos de 1889 e 1914. Entretanto, sua discussão retorna a natureza do trabalho portuário e da chamada indústria portuária, tudo isto para explicar a especificidade da criação dos sindicatos portuários. Segundo Hobsbawn (2000, p. 242),
O porto é uma indústria com fronteiras fluídas e nenhuma forma exata, já que o seu trabalho consiste na carga e descarga de carregamentos, no transporte de mercadorias através da água (por chatas ou balsas), na beira do cais (por caminhão, vagonetes e outros equipamentos mecânicos), e do cais para as estradas de ferros, armazéns e outras partes (por trem, e no fim do século dezenove, cavalo e carroça).
Esta configuração já exige o emprego de um grande número de trabalhadores de diversas habilidades. Porém, Hobsbawn ainda acrescenta todas as atividades de manutenção, despacho e administrativo, necessárias para o bom funcionamento do trabalho portuário. Isto, para ele, é que faz com que não exista um núcleo óbvio, que permita a construção de sindicatos únicos. Tal fato explica a constituição, principalmente no caso brasileiro, de sindicatos de ofício.
Para Hobsbawn, no caso inglês, era necessária a constituição de sindicatos para que houvesse um processo de descasualização do trabalho portuário. Ou seja, o trabalho portuário inglês era casual, sem um registro de trabalhadores habilitados ao exercício das atividades portuárias. Quando havia demanda, os homens afluíam ao porto em busca de oportunidades de trabalho. Isto permitia, muitas vezes, que os não-habilitados ocupassem o lugar dos habilitados. Para que fosse estabelecido um número regular de trabalhadores, fazia-se necessário uma regulamentação do trabalho portuário. No caso inglês, os sindicatos foram as instituições que, por excelência, iniciaram este processo.
É interessante percebemos com este caso assemelha-se ao caso santista. Segundo Fernando Teixeira da Silva (2003), o sistema de closed-shop, ou seja, a restrição do mercado de trabalho aos sindicalizados foi a forma encontrada, no início do século XX, para descasualizarmos a nossa mão-de-obra e termos um corpo de trabalhadores regulares e hábeis a exercer as atividades específicas de um porto. E essa descasualização foi garantida pela Consolidação das Leis do Trabalho e pelas leis que regulamentam as profissões portuárias avulsas.
Mas, a questão é: qual a relação dos portos ingleses e do sistema de closed-shop com a Lei de Modernização dos Portos? Um dos principais motivos para o fim da gestão sindical da mão-de-obra e criação do Ogmo foi a necessidade do empresariado controlar as contratações, baixar os custos da mão-de-obra e qualificar os trabalhadores conforme as necessidades impostas pelo processo de inovação tecnológica. Ou seja, com a descasualização já realizada pelo closed-shop, a idéia era o capital controlar o trabalho. Porém, tal como temos acompanhado, o trabalho portuário tem voltado aos tempos da casualização. Alguns terminais, como aqueles que estão fora da área do porto organizado, podem contratar mão-de-obra fora do Ogmo, ou seja, mão-de-obra não especializada e não registrada. Além disso, a discussão em torno da Portaria 26, que criou o Cenep – Centro de Excelência Portuária, também é reflexo deste processo, pois ao permitir a entrada de desempregados de fora do sistema do Ogmo (Órgão Gestor de Mão-de-Obra) nos cursos oferecidos, prejudica o oferecimento de vagas para os portuários avulsos, tanto nos cursos como no mercado de trabalho.
E é neste sentido que à volta as origens revela sua importância. Os sindicatos são as instituições que podem e devem exigir que este processo não se cumpra. Afinal, estes são indícios de que o trabalho nos portos tem que buscar em seus princípios e na força de suas instituições representativas, responsáveis pelo trabalho ser regular e qualificado, para que a luta de tempos atrás não seja perdida e para que possamos garantir aos bravos trabalhadores que resistiram ao processo de modernização portuária, um lugar ao sol.
Referências bibliográficas
HOBSBAWN, Eric. Sindicatos Nacionais Portuários. Os Trabalhadores: Estudos sobre a História do Operariado. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 2ª ed.
SILVA, Fernando Teixeira da Silva.Operários sem patrões: Os trabalhadores da cidade de Santos no entreguerras. Campinas, S.P.; Editora da Unicamp, 2003.