Porto Literário comenta hoje uma questão levantada pelo prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa, na solenidade pela passagem dos três anos de vida desta gazeta portuária eletrônica.
I
Embora o dia-a-dia da cidade de Santos esteja imerso em sua estreita ligação com a atividade portuária, o porto, para o prefeito (e concordo com ele), ainda é um espaço econômico cuja relação com a cidade ainda necessita da construção de laços afetivos e culturais mais fortes, uma questão histórica desse porto federalizado.
Com muros de extensão da ordem dos quilômetros separando-o da cidade, creio que o porto ainda vai resistir por algum tempo mais ao estreitamento de seus vínculos culturais e afetivos com a cidade que o comporta.
Quem sabe a literatura não possa auxiliar a sociedade na concretização destas novas relações?
II
Para os autores dos da maior parte dos mais de 100 poemas enviados ao concurso literário do PortoGente (em três categorias: infantil, infanto-juvenil e adulto) o porto já não é apenas um espaço econômico. Deixando de lado a qualidade estética das peças, para além do mundo do trabalho, do suor e dos guindastes, os participantes não pouparam palavras de afeto ao porto.
Das poesias enviadas, podemos pinçar expressões como “porto querido”, “porto de minha cidade querida”, porto de “glória”, “porto que ajuda a ser o que somos”, “belo porto”, “porto legal, porto sensacional”, porto de “sorriso maroto”, algumas vezes tratado pelos pronomes possessivos “meu” e “nosso”.
A vencedora na categoria infanto-juvenil, Isadora Rodrigues Simões de Oliveira, foi um dos participantes que utilizaram o pronome “nosso” para descrever o porto. Em O velho porto de Santos, ela explora as palavras assemelhadas a porto para contar sua história: “porto que porta história”, “porto que não parece se importar”, “portal”, “portão”, “importante”, “portento” são algumas das palavras ou expressões que passam pelo texto de Isadora. A técnica permitiu à autora fazer da palavra porto ponto de partida para uma jornada por outras palavras, dando à palavra a mesma função de seu significado.
Procedimento parecido teve o primeiro colocado na categoria adulto. Só que Paulo Eduardo Mauá, em Portos Santos, aliou a viagem pelas palavras à viagem por alguns portos do Brasil: Salvador, Rio de Janeiro, São Sebastião, Cubatão (foi porto também) e Santos, porto que “reina sobre o mar”.
Já Eunice Tomé, em Corpo Portuário (2ª colocação na categoria adulto), descreve a relação porto-cidade em chave erótica, uma inovação na poesia que tem o porto de Santos como cenário ou tema, tão acostumada a descrever o trabalho de homens e máquinas. Acompanhemos o trecho final do poema:
“Ele era meu porto,
Meu navio, minha balsa,
Meu barco, meu transatlântico.
Tão grande e suficiente
Para me penetrar: inteiro, gritante
Eu era a cidade.
Ele, o porto.
Simbiose e paixão.
Harmonia e tesão.
Cidade-porto.
Porto-cidade.”
III
A literatura tem suas funções na sociedade: além da pura apreciação estética, ela renova a língua e contribui para a formação da identidade dos povos (Umberto Eco lembra que Dante unificou a língua italiana na Divina Comédia séculos antes da unificação política do país).
Esses poemas mostram novamente que a literatura anda na frente. Eles apontam para uma cidade que ama seu porto e que, pela expressão literária, está pronta para recebê-lo em seus braços.
Referências:
Umberto Eco. Sobre literatura. Ensaios. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.