A leitura – no dia de sua publicação – das três poesias escolhidas pelo juri do concurso anual do PortoGente despertou um tanto de especulação aqui no Porto Literário. Nelas não é espanto perceber certas similitudes. Não é que sejam iguais, o que os aproxima é que são feitos do barro do mesmo tempo: o presente.
Vamos à apresentação.
I
Conversa de Costado, Porto inSeguro e Porto...parto, fixo reclamam uma relação franca e próxima do narrador com o porto de Santos. A conversa, a insegurança e o par partida/fixação são ações presenciais, isto é, do corpo, da presença no próprio cais.
Eles são narrativos como o poema Cais de Narciso de Andrade. Eles contam histórias. O título do primeiro dos poemas, de Adilson Luiz Gonçalves, nos leva à perspectiva do chão do cais, onde podemos ouvir o chamado:
Ô conferente! Vê se dá termo ao terno,
Que o calor já me sufoca;
Que o cansaço já me arrasa.
Tá querendo ficar rico, ou não pode chegar cedo em casa?
Porto inSeguro nos conduz pela ocupação do espaço do porto, que é a extensão do cais:
Desde o Outeiro,
quantos brasis de ti partiram?
Ocupação que se também no tempo, na duração de diferentes brasis que se sucederam desde a época colonial do outeiro.
II
Nos casos acima, inclusive o de Narciso e sem levar em conta valores estéticos, o narrador assume a visão daqueles que circulam pelo chão portuário. A eles se junta Porto... parto, fico, que nos leva direto às pedras do chão e à força da estiva:
Paralelepípedos... pombos, ratos, pardais
Arrasto minha carga, através de um cais
III
Considero muito próprio que os três poemas não dêem espaço aos elogios fáceis que às vezes os espaços públicos e as cidades atraem dos menos criativos. Adilson Luiz Gonçalves, Gilberto Martins Costa Filho e Antonio Alves de Souza, os poetas premiados pelo concurso, não enaltecem nem destratam: preferem dar significado às formas do mundo e do cais.
Apesar de uma aparição do mal falado par amor e dor, nota-se também nas três peças preocupação com o ritmo dos versos e a busca de soluções para as frases, o que as deixa muito distantes daquela caricatura de poesia que são aqueles poemas feitos para serem declamados à “batatinha quando nasce”, como me disse há poucos dias o escritor Flávio Viegas Amoreira, ele mesmo poeta e leitor de paisagens portuárias.
Epílogo
O primeiro texto que enviei para o Porto Literário tratou dos poemas de chegada, escritos por poetas estrangeiros que aportam em Santos: suas histórias começam com o narrador avistando a terra e terminam com o desembarque no cais. Os narradores dos poemas da coluna de hoje, por sua vez, povoam o cais, trabalham ali, são estivadores, repórteres. Suas histórias começam quando os de chegada acabam.
Outra modalidade de poema portuário são os poemas que tratam o cais em outra escala, são os poemas da cidade portuária, escritos por narradores que, ainda que tenham relações com as atividades portuárias, percebem o porto de fora e o vêem como um território que acompanha e cerca a cidade.
São os da próxima semana.
Referências:
Narciso de Andrade. Poesia sempre. Santos: Editora Unisanta, 2006.