Sexta, 29 Março 2024

O Esquenta WebSummit Portogente 2017 convidou a vereadora e ex-prefeita de Santos, Telma de Souza, para comentar a respeito do atual modelo de gestão dos portos, da eterna ingerência política em assuntos técnicos que prevalece no País e sobre a presença tímida de profissionais mulheres no universo portuário.

telma desouza santossp

WebSummit Portogente - Vereadora, qual a sua posição sobre uma possível regionalização do Porto de Santos? De modo geral, e ultrapassando os muros dos portos, como vê a centralização da gestão de equipamentos públicos em Brasília?
Telma de Souza - A regionalização do Porto de Santos deve ser compreendida como um propósito, um objetivo a ser alcançado, pois, sabemos, que há modelos bem-sucedidos de portos regionalizados, com dinâmica e autonomia maiores, tanto administrativamente como na expansão da modernização. Mas é preciso entender que, como um processo de regionalização, é fundamental que haja uma arco de diretrizes políticas e econômicas. Embora o conceito da regionalização seja muito interessante, o Porto de Santos é um elo importantíssimo da economia nacional e, portanto, não se poderá admitir que eventuais decisões locais, que não coadunem com a política comercial internacional brasileira, coloque em risco o desenvolvimento do País. Diferentemente de portos delegados, como Paranaguá e São Sebastião, que são concedidos aos estados do Paraná e São Paulo, Santos tem uma posição estratégica maior para o Brasil e é referência por sua hinterlândia, particularmente para o agronegócio e contêineres. Para isso, é fundamental o amadurecimento da opção regional.

Há cerca de 20 anos, apresentei a proposta de regionalização do Porto de Santos à coletividade. Àquela época, já entendia que se tratava de um processo. Talvez, se tivesse ocorrido o início da regionalização naquele momento, atualmente estivéssemos mais preparados, como região, para fazer a gestão do Porto. Como houve um hiato de duas décadas, e nesse tempo todo pouco se avançou na busca da regionalização, entendo que não há lastro e capacidade financeira para a Região assumir a gestão portuária, especialmente por parte das prefeituras. Assumir a administração de qualquer serviço se entende que se assumirá o passivo, neste caso de infraestrutura, pois a legislação permanecerá obrigatoriamente federal, por conta dos marcos do setor. É assim com os aeroportos, na Energia, enfim. Entendo que a regionalização deve abranger toda a Região Metropolitana, pois os impactos positivos e negativos da atividade alcançam todos os municípios. Portanto, para que se chegue à regionalização, é imperativo que se inicie a preparação agora, e que os governos Federal e Estadual compreendam que se trata de um processo, e, por terem fôlego financeiro, façam os investimentos necessários desde já, possibilitando que, ao receberem a administração do Porto, os entes locais possam assumí-lo com capacidade de gerar receitas e fazer com que haja um ciclo de desenvolvimento sustentável, na administração, na modernização e na infraestrutura.

Sobre a centralização administrativa em Brasília, é um equívoco. Quando se concentra a decisão, a autonomia dos entes locais é fatalmente prejudicada. E, com isso, a tendência é haver perda de agilidade na solução dos problemas, estagnação, burocracia e, finalmente, compromete-se a competitividade. Por outro lado, a centralização é importante na política portuária, pois é necessário haver uma estratégia comercial uniforme para todo o setor, com marcos legais sólidos para consolidar e dar segurança aos investimentos. Por exemplo: houve avanços quando tivemos a Secretaria Especial de Portos, o que não se vê hoje. E essa política portuária precisa avançar, sobretudo na eliminação da burocracia. Não se pode conceber que uma carga precise de, em torno de 20 autorizações para ser embarcada. Em resumo: regionalização é um processo desejado, mas tem que ser construído, para que a Região tenha capacidade de gerar competitividade ao Porto, em consonância com a política comercial do País. E a centralização precisa existir naquilo que interfere no desenvolvimento e na soberania. No que não afete estes dois pilares, a gestão local ou regional deve ter autonomia, para que o Porto seja eficiente e competitivo.

WebSummit Portogente - Qual a sua visão sobre ingerências políticas na administração de empresas como as companhias docas?
Telma de Souza - Porto é eficiência. Para se alcançar este objetivo, a administração precisa ser profissional, acima de tudo. Ou seja, profissionais capacitados, com conhecimento da área, ocupando os espaços administrativos. No caso de Santos, há um processo histórico de envolvimento político com a gestão, particularmente do PMDB, e que se mostrou ineficaz e retrógrada. Mas, quando houve a ocupação dos postos-chave por profissionais atuantes na área, mesmo por indicações políticas, houve avanços. Portanto, quando se deseja um porto dinâmico, a gestão precisa ser igualmente dinâmica, tal qual na iniciativa privada. Para isso, há de se ter uma flexibilidade na escolha dos gestores. Inevitavelmente, a gestão pública é feita por grupos políticos vencedores de eleição ou detentores do poder. O que defendo é que haja critérios para as escolhas, para que se cumpra as diretrizes da política portuária e da gestão.

WebSummit Portogente - Como acelerar o processo de modernização e competitividade do Porto e garantir que a sociedade local seja beneficiada com isso?
Telma de Souza - Em toda a História, nada se desenvolveu sem o tripé Conhecimento, Tecnologia e Trabalhadores. Um processo de modernização só será eficaz e permanente se considerar estes pilares e se permitir a interação entre eles. O conhecimento se traduz pela participação das universidades e geração de informações e ciência, pela formação profissional e pela troca de informações entre as comunidades portuárias, seja nacional, seja internacional. A tecnologia é o produto do conhecimento, aliado à inovação e às melhores práticas operacionais. E essa tecnologia precisa estar associada a uma mão de obra cada vez mais capacitada, pois, por mais que as operações sejam automatizadas, o trabalhador deve estar inserido e apto a desenvolver as novas funções que o mercado exige. Note que o tripé interage e funciona nos principais portos do mundo, inclusive os asiáticos, preservando a participação laboral, não mais naquele modelo tradicional do carregador de saco, mas do profissional que agrega valor à cadeia logística, ao produto e ao mercado.

Quando um porto detém conhecimento, tecnologia e trabalhador, ele funciona em qualquer lugar do mundo. No entanto, em portos como o de Santos - e na grande maioria do mundo -, encravados em regiões urbanas e conurbadas, quando há esta trilogia há a tendência de qualificação e fortalecimento social e econômico da sociedade local. Isso requer os mecanismos regulatórios: a possibilidade futura da regionalização é uma das ferramentas possíveis. Contudo, mesmo hoje, o Conselho de Autoridade Portuária é importantíssimo para assegurar benefícios à região e à comunidade, ainda que tenha perdido o caráter deliberativo, em 2013, com a chegada da Lei 12.815. Os CAPs foram criados a partir do desenho de legislação federal de modernização dos portos, basicamente inspirado na proposta da Prefeitura de Santos, quando, no meu governo como prefeita, demos o subsídio para o Projeto de Lei 8, cujo teor foi idealizado pelo assessor especial de Portos do Gabinete da Prefeita - o primeiro da história de Santos -, o jornalista José Rodrigues. A contribuição de Santos foi decisiva para garantir que a região estivesse contemplada nas decisões portuárias, por meio do Bloco do Poder Público no CAP. Mas, temos que pensar em atualização, pois, atualmente, os CAPs pouco são protagonistas ou privilegiam o interesse público. Na prática, a legislação precisa ser calibrada para que os Conselhos representem os anseios da sociedade local com maior força.

WebSummit Portogente - Mulheres são minoria ainda maior em atividades profissionais relacionadas a portos em relação ao restante da sociedade. Quais são as causas e consequências disso, em sua avaliação?
Telma de Souza - Historicamente, a operação portuária se baseou na força física. E, por mais que tentemos, a força física da mulher é reduzida em relação aos homens. Além disso, no desenvolvimento das sociedades, coube às mulheres o papel da afetividade, de cuidar da casa e da família e, quando saiu para o mercado de trabalho, foi para profissões humanizadas, como ser professora, aquela que ensina; enfermeira, a que cuida; e cozinheira, que dá o alimento. Até a virada do século, praticamente não se admitia a presença da mulher no ambiente portuário, sequer havia banheiro feminino nas áreas operacionais. Acredito que, por ter sido a Prefeita que liderou uma paralisação do cais em defesa de mais de cinco mil trabalhadores portuários demitidos pelo então governo federal, ter presidido a Subcomissão de Portos da Câmara Federal por três legislaturas e me dedicado à busca de qualificação do setor por toda a minha trajetória política, possa ter sido o primeiro caso de protagonismo da mulher no setor portuário e ter influenciado na abertura de espaços para as mulheres neste ambiente. Isso se notabiliza com a mudança do perfil operacional, abrindo-se um campo de trabalho no setor para as mulheres, seja administrativo, de planejamento, de gestão das operações. A tendência é que as mulheres ocupem cada vez mais o mercado de trabalho e, nos portos, aproveitem os espaços surgidos com as novas funções. Tudo isso precisa ser acompanhado por políticas voltadas ao trabalho, que valorizem às mulheres, que garantam remuneração tal qual à dos homens, que considere as diferenças mas que privilegie a capacidade e eficiência individuais. Precisamos romper o tabu: porto também é lugar de mulher.

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