Sexta, 29 Março 2024

A nuvem de palavras da imagem abaixo elenca, ao longo das últimas semanas, quais temas foram mais abordados nos eventos técnicos das áreas de transportes e portos nos quais foram apresentadas agendas, pautas e anseios da iniciativa privada, além dos posicionamentos ministeriais, ou seja, os stakeholders envolvidos como Ministério da Infraestrutura, Ministério da Economia, Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Tribunal de Contas da União (TCU), legislativo e entidades privadas como confederações, associações, federações e sindicatos privados.

infraestrutura nuvem palavras

Apesar dos temas estarem contextualizados dentro da temática de portos e cabotagem (navegação entre portos marítimos do mesmo país), as abordagens foram amplificadas, englobando questões como logística, multimodalidade e planejamento a longo prazo. Aliás, fez-se notório o quanto os especialistas comentaram sobre a multimodalidade. Para ilustrar o transporte multimodal de cargas, transcrevo a opinião de um dos palestrantes no evento sobre cabotagem onde trouxe luz à discussão informando que é necessário o conhecimento único da carga (origem até o destino – porta-a-porta) e que não há essa prática no Brasil.

Uma carga sai do interior do Japão de caminhão, sendo transportada por ferrovia até o porto japonês. Depois, a embarcação atravessa o Oceano Pacífico e aporta no Porto de Long Beach, nos Estados Unidos. A seguir, a carga atravessa o país pela ferrovia e chega ao Porto de Nova York. O navio atravessa o Oceano Atlântico até o Porto de Rotterdam, na Holanda, fazendo a distribuição da produção para toda a Europa¹.

O TCU, por intermédio do Acórdão 1383/2019, mostrou o resultado da auditoria operacional sobre os entraves à navegação de cabotagem e as principais conclusões foram:

• Não existe política pública específica de fomento à cabotagem;
• O governo não provê informações suficientes que permitam o monitoramento das ações de fomento à navegação de cabotagem de contêiner;
• As estratégias previstas na Política Nacional de Transportes e a atuação dos órgãos setoriais não solucionam a falta de isonomia dos preços de combustível;
• Não há fomento à competição entre armadores na cabotagem de contêiner;
• A atuação dos órgãos e entes públicos não promove a operacionalização do transporte multimodal de cargas.

promare arconorte

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) mostrou que, com o desenvolvimento da agricultura das regiões Sul e Sudeste ao longo das décadas, houve expansão natural para as outras regiões brasileiras, atravessando a latitude 16°S,  mas com a falta de infraestrutura. E que, atualmente, a saída natural de escoamento deve ser realizada pelo Arco Norte (sistema logístico que abrange os portos do Norte e Nordeste do Brasil). A necessidade é para ampliar e melhorar a infraestrutura para o escoamento da safra nesses portos. Além disso, o sistema para a cabotagem está burocratizado e se faz necessária a criação de um documento único de transporte. Também, deve-se mudar a navegação de atacado (longo curso) para navegação de varejo (cabotagem). As ações sugeridas pela CNA para a cabotagem são:

• Mudança da legislação;
• Isonomia tributária em relação ao longo curso;
• Isonomia de tratamento com o longo curso;
• Regulação racional e rigorosa;
• Liberdade de investimentos e de competição;
• Portos e navegação - mecanismos de transição.

Ainda na pauta sobre cabotagem, o governo informou que a política de cabotagem é uma ação do atual governo na qual a modalidade de navegação não é apenas um transporte, mas um sistema que engloba:

• Cabotagem de contêiner;
• Cabotagem de menor escala;
• Cabotagem de granel sólido;
• Cabotagem de granel (operações mais diluídas).

Onde o objetivo não é somente aumentar a cabotagem, mas aumentar a quantidade de cabotagem de forma robusta independente do mercado internacional com o programa BR do Mar entrando na questão da política do afretamento em caso de interesse público presente na Lei n° 9432/1997, tratando da ordenação do transporte aquaviário. Envolvem a flexibilização de bandeira estrangeira pois, pelos custos maiores, a bandeira brasileira é preterida pelos armadores e, também, atenções para as operações especiais com os supercargueiros Ro-Ro (Roll on – Roll off) e para a agenda microeconômica da cabotagem em relação ao bunker (imposto sobre o combustível do navio).

Na questão da competitividade do setor de infraestrutura, mostrou-se que o esporte favorito do brasileiro não é o futebol, mas a regulação². Com a prática de publicação de portarias e regulamentos nos órgãos e sistemas públicos que engessam, burocratizam e não acrescentam em agilidade, algumas vezes interferindo em competências alheias aos setores públicos. Nesse ponto, louvemos a ação da ANTT que está realizando a Audiência Pública n° 16/2019, válido até o final de novembro de 2019, que torna público aos interessados receber sugestões e contribuições à minuta de Resolução que institui a Política de Redução do Fardo Regulatório. Ou seja, em tempos atuais a pauta está presente na “lei da des” que envolvem desburocratização e desestatização.

Sobre as ferrovias, a Deutsche Bahn (DB( - empresa ferroviária alemã - fez um comparativo sobre quais são os pontos que deram certo na Alemanha e que poderia ocorrer no Brasil. Envolvem os fatores de multimodalidade (mais uma vez citado), integração e planejamento a longo prazo. O Estado subsidiava o sistema férreo com 1 bilhão de euros até a crise no início da década de 90. A União Europeia emitiu uma diretiva na qual destituía o monopólio estatal nas estradas-de-ferro e os países-membros filiados seguiram essa diretriz, onde cada país filiado criou a sua lei regulamentando o modal e integrado à UE³.

Na Alemanha, o planejamento ocorre em um intervalo de 12 anos, atualmente correndo no período de 2018 a 2030. E finalizou informando que tanto o transporte de passageiros quanto o transporte de cargas utilizam a mesma linha férrea, não existe segregação.

Para a autorização ferroviária em projeto de lei que está tramitando no Congresso, apresentou posição favorável para desenvolvimento das ferrovias no Brasil.

Em relação aos portos³, entre alguns pontos levantados vale-se notar sobre os modelos de gestão portuária – pública ou privada. Entre os modelos disponíveis temos o Service Ports (administração dos Portos com competência estadual e participação do Governo – diretamente ou por Autoridades Portuárias Públicas); Tool Ports (serviços portuários feitos pela iniciativa privada e os investimentos na infraestrutura, superestrutura e equipamentos e equipamentos portuários sendo realizados pelo Governo) e Landlord Port (serviços e operações portuárias, investimentos em superestrutura realizados pela iniciativa privada e a propriedade da terra e administração dos portos na tutela do Governo).

O diagnóstico nas gestões portuárias atuais – portos de Propriedade Pública – encontra sérios problemas e tem gerado:

• Redução no interesse da iniciativa privada em novos investimentos nos Portos de Propriedade Pública – ou portos organizados;
• Licitações desertas para arrendamentos;
• Áreas disponíveis em portos do norte do país, sem viabilização de licitações;
• Licitações que atraem investidores estão localizadas em pólos logísticos tradicionais (Santos, Paranaguá entre outros);
• Depreciação do patrimônio público e assim por diante.

O modelo defendido pelos profissionais para utilizar nos portos brasileiros é o Landlord Port, presente em todos os portos mundiais competitivos e apontado pelo Banco Mundial como o mais indicado e competitivo, ocorrendo nos Portos de Rotterdam, Hamburgo, Singapura, Shangai e demais portos.

E, para terminar a temática portuária, houve apontamento sobre os Portos 4.0. Os conceitos da indústria 4.0 (4) - correspondente à 4ª geração da Revolução Industrial: digitalização de processos, tecnologia da informação e de automação - influenciam tendências a serem aplicadas para os portos nos próximos anos. Os terminais que não acompanharem as mudanças correrão o risco de serem retardatários e perderem competitividade.

logistica40
Fig. 1 – Ilustração da indústria 4.0

Acesse
* Indústria 4.0: O que é ? O que esse mercado espera dos profissionais?
* Como a logística 4.0 pode agregar valor ao seu negócio?

Comparativo da Densidade Portuária e Ferroviária entre Brasil, China e Estados Unidos

Dando atenção para números e adentrando nas pautas de transporte ferroviário e portos, é importante reparar como se apresenta a disposição da malha ferroviária e portuária do Brasil em relação aos Estados Unidos e à China - áreas territoriais de envergaduras similares. Para definição de critérios, desconsiderou os Terminais de Uso Privado (TUPs) e mapeou-se os maiores portos dos países.

O Brasil tem uma malha ferroviária com 30.600 km e uma costa litorânea de 7.491 km (5) com 32 portos marítimos e três fluviais, conforme segue.

mapa arconorte log
Fig. 2 – Principais portos brasileiros (6) e o sistema Arco Norte (7)

Veja também
* WebSummit Arco Norte, Porta para o Mundo
* Governador Flávio Dino (MA): Gestão e ampliação do Porto do Itaqui, novos terminais privados, regularização fundiária e eficiência da malha multimodal que abastece o Maranhão
* Grão-Pará Multimodal: Projeto de terminal em Alcântara consiste em SPE com porto, ramal ferroviário e potencial de aumento de 20% no PIB do Maranhão

Os Estados Unidos contam com um total de 293.564 km (5) de ferrovias e costa litorânea de 8.126 km (8) - somente o território entre Canadá e México para fins comparativos -, sendo 2.064 km na costa oeste (Oceano Pacífico) e 6.062 km na costa leste (Oceano Atlântico) com 103 portos, sendo 28 portos para o lado oeste e 75 portos para o leste.

ferrovias eua
Fig. 3 – Malha ferroviária americana (9)

mapas brasil eua
Fig. 4 – Comparativo das ferrovias e hidrovias do Brasil e dos EUA (7)

Já a China apresenta uma malha férrea de 124.000 km e costa litorânea de 14.500 km (5) com 35 portos (acrescentando o Porto de Hong Kong).

portos china
Fig. 5 – Principais portos chineses (10)

Logo, teremos o seguinte comparativo:

parametros brasileua

Ou seja, no Brasil, em média 956 km de ferrovias atendem a um porto enquanto nos Estados Unidos são 2.850 km e na China são 3.545 km. Sobre a distribuição portuária ao longo do litoral, temos um porto a cada 234 km no Brasil, 79 km nos EUA – com 74 km dos Estados Unidos na costa oeste e 81 km na costa leste – e 414 km na China.

Pode-se notar que a oferta ferroviária nos portos apresenta destaque na China e a distribuição portuária ao longo do litoral do país é mais centrado nos Estados Unidos, ainda mais na costa oeste americana. Para servir de alento, é bom perceber que a densidade de portos no Brasil é melhor que na China (sem contar os rios e portos brasileiros nas vias interiores, com destaque para o sistema Arco Norte). Em compensação, para atender uma malha ferroviária de 3.543 km, a China dispõe de áreas portuárias e estruturas imensas – verdadeiras “cidades” - automatizadas. Se o Brasil aumentar o quantitativo de ferrovias, haverá o momento para realizar investimentos na outra ponta (aumento das retroáreas, construções de berços de atracação, automação por exemplo), para fazer o equilíbrio logístico e dar vazão tanto de entrada quanto de saída dos insumos e produtos.

Considerações e conclusões

Notamos que um dos temas mais abordados envolveu a multimodalidade. Essa pauta, outrora, já foi trabalhada na Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT) quando se discutiu a entrada do Operador Multimodal Independente e que o governo deixou de lado. Fomos moldados a tratar o sistema de cada modal de forma isolada, sem visualizar a integração em si. E, em pleno século XXI, deparamo-nos com um cenário no Brasil onde a matriz de transporte é desequilibrada, com o predomínio rodoviário em mais de 60%. Nota-se que o atual governo está com o olhar mais equilibrista, espraiando os investimentos para os modais ferroviário, aquaviário (onde se encontra a cabotagem e navegação interna) e aeroviário. Também, faz-se notar as ações ministeriais para melhorar a cabotagem pelo programa BR do Mar com a questão do bunker, incentivos fiscais, tributários, destraves técnicos-administrativos e legais, ambiente mais propício para crescimento e desenvolvimento na navegação brasileira.

É necessário citar que a rodovia tem a sua importância histórica e, estrategicamente, será uma ligação para atender o agronegócio e a indústria como a BR-163/PA, a BR-364/RO e a BR-153/TO e interligação das cidades como a nova Dutra – BR-116 (11).

No tomo seguinte, vimos que há 16 portos acima da linha que delimita o Arco Norte. Além de apresentar menos portos em relação aos portos do Sudeste e do Sul, a infraestrutura – rodovias e ferrovias, principalmente – encontra-se mais ofertada e condensada abaixo dessa linha, desequilibrando a logística brasileira e, naturalmente, viabilizando o sistema Arco Norte como válvula de escape para a saída da produção brasileira aos portos dos Estados Unidos e da Europa.

Ficamos gerações a ver navios. A oportunidade de alavancagem da cabotagem, do nosso mar "rodoviar", das ferrovias impulsionarem, dos portos evoluírem e logística tornar-se mais forte estão na nossa visão. Não vamos viver em vão.

Urubatan Silva Tupinambá Filho é analista na área ferroviária da VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.

Referências

¹Café com iNFRA – Cabotagem: Como o Brasil vai desenvolver a BR do Mar;
²MInfra – 1°Seminário de Competitividade do Setor de Infraestrutura;
³Santos Export 2019 – 17° Fórum Nacional para Expansão do Setor Logístico Portuário;
4 Portogente – Edital selecionará projetos de fábricas do futuro (16/03/2018);
5 CIA – Central Intelligence Agency/The World Factbook;
6 EURAM (European Academy of Management) 2014 – Short shipping services in Brazil: Insights for a market analysis (20/06/2014);
7 Secretaria de Política Nacional de Transportes (Ciclo de apresentações) – Arco Norte (28/08/2015);
8 CRS Report for Congress – U.S. International Borders: Brief Facts;
9 U.S. Department of Transportation - The National Transportation Atlas;
10 Fuji Trading CO./CHINA – Major Ports (09/11/2006);
11 R7 Notícias – Vamos passar por uma revolução na infraestrutura, diz Tarcísio Freitas (21/10/2019)

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