Domingo, 05 Mai 2024

Nos primórdios da ocupação da região da Baixada Santista, as naus ancoravam no antigo Porto de São Vicente, na Ponta da Praia, em área insular do atual Município de Santos, na altura de onde hoje fica o Museu de Pesca. De lá, as cargas seguiam por terra até o povoado de São Vicente.

 

A capa do livro "Santos e seus Arrabaldes, Álbum de Militão

Augusto de Azevedo", organizado por Gino Barbosa, com o

apoio de Marjorie C. F. Medeiros e outros, mostra uma bela

fotografia dos velhos trapiches do Século 19.

(Reprodução do convite do lançamento)

 

Mais tarde, Brás Cubas - que viera de Portugal com Martim Afonso de Souza - resolveu mudar o ancoradouro para um lugar mais protegido.

Escolheu o Lagamar do Enguaguaçu, hoje o Centro da Cidade de Santos, local compreendido entre as Ruas Visconde de Rio Branco e Brás Cubas.

No decorrer do Século 18, o Porto de Santos movimentou basicamente sal, importado de Portugal.

Em seguida, São Paulo começou a produzir açúcar, cujas exportações passaram a exigir navios maiores. Tornou-se então indispensável a construção de trapiches.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Trapiches do antigo Porto do Consulado, em 1882, onde se vê um

navio de nacionalidade francesa. (Reprodução: Acervo L. J. Giraud)

 

No início do Século 19, segundo Ana Lúcia Duarte Lanna, na obra Uma Cidade na Transição – Santos 1870-1913, “os terrenos que davam à beira-mar tinham sido desprezados, mas passaram a ser objetos de intensas disputas, entre os que ali pretendiam construir seus trapiches”.

Existia apenas um trapiche em 1857, e chegaram a 23 no ano da Proclamação da República, 1889.

Durante cerca de 80 anos, os trapiches predominaram na paisagem do estuário. Depois, as pontes de madeira que avançavam para o mar eram consideradas sinais de atraso.

Nas duas últimas décadas do Século 19, os exportadores de café passaram a exigir a construção de um cais de pedra, alegando que as pranchas eram obstáculos ao comércio.

 

Um outro ângulo do antigo Porto do Consulado, conhecido

também como Largo do Consulado ou da Praia, onde atualmente

está o Armazém 3 da Codesp, no Centro de Santos.

(Reprodução: Acervo L. J. Giraud)

 

Às suas críticas, aliaram-se os higienistas, afirmando que as pontes de madeira - mal construídas - seguravam a lama das marés e contribuíam para a sucessão de epidemias que durante 60 anos assolaram a Cidade com febre amarela, coqueluche, impaludismo, varíola, tifo e outras doenças.

Definida a empresa construtora, à medida que avançavam as obras do cais, os trapiches foram caindo, um a um.

Dos trapiches, os pesquisadores ressaltam que, de moderno, tinham o espírito da livre concorrência.

Segundo Alcindo Gonçalves (no livro Lutas e Sonhos), o porto deveria integrar-se ao esquema de transporte proporcionado pela construção da ferrovia, inaugurada em 1867, a SPR – São Paulo Railway, principalmente para o escoamento da produção de café para o mercado internacional via Santos.

 

O último dos trapiches de Santos, o trapiche Paquetá, demolido

no início do Século 20. (Reprodução: Acervo L. J. Giraud)

 

"A situação era, porém, calamitosa: os navios ancoravam junto a pontes que avançavam mar adentro, ficando a mais de 100 metros dos velhos trapiches" (armazéns onde as mercadorias importadas ou a exportar ficavam estocadas).

Gonçalves diz ainda na sua obra que o sistema não funcionava: as pontes eram insuficientes, apesar do crescimento no número, passando de 1 em 1857 para 23 em 1889.

“Além de oferecerem pouco espaço para a movimentação de cargas, eram mal construídas”, diz Gonçalves.

A demora e o atraso eram constantes. Conforme Gonçalves (página 107), “havia navios que ficavam meses esperando lugar nas pontes”. E conta que “um deles ficou aguardando dois anos”.

Pranchas, pontes e trapiches da Cidade Antiga

Em 1868, o número de pranchas e pontes não passava de 9. Destinavam-se ao embarque de passageiros, carga e descarga de mercadorias, ou exclusivamente para os navios receberem carregamentos - de lastro ou café.

 

Trapiches que ficavam paralelos à Rua Xavier de Silveira, em

local que era um verdadeiro lodaçal. As embarcações ficavam

distantes dos trapiches e eram ligadas por meio de pontes de

madeira por onde passavam os trabalhadores com as cargas

Século 19. (Reprodução: Acervo L. J. Giraud)

 

A primeira ponte, a maior de todas, pertencia à Alfândega. Era tão larga que se assemelhava a um pequeno cais flutuante.

Defronte ao Beco do Arsenal ficava o trapiche de Antônio Tibúrcio Rodrigues. Com casa comissária de café e algodão, situava-se no início da Rua Setentrional.

Já a prancha de João Antônio Fernandes Gabiso ficava bem perto da casa onde morava, no começo da Rua 11 de Junho.

E, em frente à Rua da Praia, encontrava-se a ponte de Alexandre Jeremias da Silva, tenente reformado da Guarda Nacional.

Na Praia do Consulado, tantas vezes retratada pelo pintor Benedicto Calixto, estacava-se a ponte da Mesa Provincial.

Ignora-se porque se deu o nome de Consulado ao barracão onde outrora esteve instalada a Alfândega.

 

Antigo cartão-postal enviado para a Alemanha no final do

Século 19, mostra as pontes com vários veleiros atracados, que

formavam uma verdadeira floresta com seus mastros.

(Reprodução: Acervo L. J. Giraud)

 

Consulado é um termo de Marinha, que designa o lugar onde os capitães de navios eram obrigados a fazer declarações perante os cônsules de seus países.

Em seguida ao Consulado, colocada quase à frente do trapiche da Capela de Jesus Maria e José, mostrava-se a ponte da firma Carlos Budich & Cia. A importante firma Souza Queiroz & Vergueiro achava-se com a sua ponte defronte à Rua do Sal, hoje Rua José Ricardo.

E, não distante desta, apareciam a de Lebre Irmão & Pereira e a de Fidélis Nepomuceno Prates.

 

Belíssimo cartão-postal, mostrando os trapiches e as antigas

palmeiras da Rua Xavier da Silveira – Século 19. (Reprodução

do livro "Lembranças de São Paulo – O Litoral Paulista nos

cartões-postais e álbuns de lembranças", de João Emilio

Gerodetti e Carlos Cornejo, lançado em 2000)

 

Finalmente, a estrada de ferro de Santos lançava a sua ponte junto ao Largo do Bispo.

A cada uma dessas pontes correspondia um armazém de mercadorias importadas ou a exportar.

Outros proprietários de pontes e pranchas, entre os anos de 1870 e 1887:
- Augusto Leuba & Cia.
- Bernardino Martins dos Santos,
- Bento de Souza & Cia e
- E. Johnston & Cia.

Também:
- Henrique Porchat,
- Holwworty & Ellis,
- Luiz Venâncio Rosa (Rua Xavier da Silveira, 33 e 34),
- R. Wanschaffe & Cia. e
- Zerrener Bulow & Cia.

E ainda:
- Belmarço (no Paquetá, defronte à Rua Dr. Cóchrane),
- Brasil (na curva do Paquetá, próximo ao prédio do antigo Tráfego da CDS - Companhia Docas de Santos),
- Basilisa Ferreira (de acordo com citação no livro Indústria Santista, 1887, página 60),
- Roberta Dale (Indústria Santista, 1885, página 417),
- Joaquim da Costa Andrade e
- Companhia de Navegação Paulista (trapiche situado no antigo Arsenal da Marinha).

Havia, finalmente,
- o trapiche da Cia. Nacional de Navegação a Vapor (Rua Xavier da Silveira, 34 e 36) e
- do Paquetá (1889), de propriedade de Francisco de Souza Martins.

O trapiche do Paquetá foi alugado ao Clube Internacional de Regatas para a guarda de barcos. Posteriormente transferiu-se para o trapiche São Paulo (na Rua João Otavio, 13, onde ficou até fevereiro de 1900).

(*) Em colaboração com Jaime Caldas, militar reformado, pesquisador e historiador.

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