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Prenúncio
A saída de Santos estava marcada para 15 horas, mas aconteceu às 17 horas, com 120 minutos de atraso. Este foi como que um prenúncio dos acontecimentos que envolveram o Magdalena.
Depois de jantar, Serafim, Adelaide Rosa, José e Waldemar fizeram um reconhecimento do navio, conhecendo melhor as instalações. A noite de primavera não apresentava nada de excepcional no ar, a não ser o nevoeiro, na viagem de Santos ao Rio de Janeiro, escala rumo a Lisboa.
Todos foram dormir. De repente, às 4h30 de 25 de abril de 1949, um estrondo, seguido de grande solavanco, desperta não somente a família Barreto Agostinho, mas os demais 333 passageiros e 236 tripulantes. O pânico se instala, mas é efêmero, porque a embarcação se mantinha estável.
Sinal captado
A tripulação não sabia, de imediato, o que ocorrera. Mas, por precaução, enviou um pedido de socorro (SOS). A estação radiotelegráfica do Arpoador, no Porto do Rio de Janeiro, captou o sinal.
Anúncio de chegada do navio,
publicado na seção Navegação
de A Tribuna, em abril de 1949.
O pessoal do Magdalena informava que o navio encalhara a seis milhas (11 quilômetros) a leste da Ilha das Palmas, no Rio de Janeiro, e a meia milha (900 metros) da Barra da Tijuca.
As autoridades navais também receberam prontamente o alerta sobre o acidente. Navios e rebocadores rumaram para o local do encalhe.
Toque de Sirene
A família Barreto Agostinho não sabia o que acontecia. A sirene de bordo tocava insistentemente. Os tripulantes, por intermédio de alto-falantes, solicitavam que os passageiros subissem para o convés das baleeiras (embarcações salva-vidas). Houve alvoroço nos corredores, mas não pânico.
Os irmãos José e Waldemar lembram que o desembarque dos passageiros foi coordenado por oficiais (os pais dos dois irmãos não estão vivos atualmente). Todos foram encaminhados a um rebocador, que levou o pessoal para terra.
O casal Serafim e Adelaide Rosa, estava a bordo do navio
britânico, quando se deu o acidente nas proximidades da
Barra da Tijuca, no RJ. Acervo: José das Neves Barreto
A Royal Mail providenciou hotel para os passageiros. O casal Barreto Agostinho e os filhos ficaram em um hotel simples próximo à Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro.
Sem vagas
José e Waldemar recordam que o próximo navio da Royal Mail a escalar no Rio rumo à Europa foi o Alcantara, mas não havia acomodações para todos os passageiros.
Serafim e Adelaide Rosa tiveram de esperar outro navio durante 17 dias. Foi o português Serpa Pinto, da Companhia Colonial de Navegação. A família Barreto Agostinho seguiu então para Portugal.
O contato da família Barreto Agostinho com o Magdalena não foi dos mais felizes, mas nem por isso deixou de marcar. Os irmãos José e Waldemar não se esquecem das cenas vividas a bordo, passados 58 anos.
Casco quebra ao meio
Às 12h30 de 26 de abril de 1949, o Magdalena aproximava-se do Rio de Janeiro, já adernado (inclinado), sacudido por vagalhões. Era uma cena dramática. Ás 12h50, o casco deu um estalo e fendeu-se em duas partes. A água invadiu a sala de máquinas e a caldeira explodiu, causando pânico a bordo.
Foto aérea do Magdalena, pouco antes do casco partir-se
em duas partes. Imagem do jornal Correio da Manhã, de
abril de 1949. Acervo: L. J. Giraud
As baleeiras encheram-se rapidamente de tripulantes. Outros se atiraram ao mar. Graças às embarcações que escoltavam o Magdalena, todos foram recolhidos.
A proa do Magdalena encalhou e a popa, rodando sobre si, encalhou na Praia do Imbuí. O comandante Lee abandonou então o navio. Aos jornalistas, ele disse apenas: “Aguardem o inquérito oficial”.
Surpresa
O acidente repercutiu intensamente em Londres, a capital britânica. Os construtores não acreditavam que o Magdalena havia se partido.
O estaleiro que construiu o
Magdalena, de início, não conseguia
acreditar que o casco se rompera em
duas partes. Imagem: Correio da
Manhã. Acervo: L. J. Giraud
O jornal britânico Daily Express publicou a seguinte declaração do comandante D.R. Lee: “Não espero voltar ao mar. Tenho 60 anos e pretendia fazer mais uma viagem, antes de aposentar-me em julho. Mas, já que o meu navio foi destruído, não pisarei mais em uma ponte de comando”.
O capitão Lee agradeceu a mobilização da Marinha do Brasil para o resgate dos passageiros. Ele se recusou a comentar as causas do acidente.
Os rebocadores que participaram do resgate do Magdalena foram o Tritão, da Marinha do Brasil, e o Saturno. Os outros navios foram os contratorpedeiros Bauru e Beberibe, os caça-submarinos Guaporé e Guaíba, o navio hidrográfico Jurena e o cargueiro mercante Goiazlloyd.
Mistério
Diversas versões surgiram para explicar o sinistro, mas nenhuma definitiva. O Magdalena contava com todos os equipamentos necessários para uma navegação segura, a época: radar, piloto automático, ecobatimento (para medir a profundidade do mar).
Alguns afirmam que o encalhe ocorreu por engano do piloto, que confundira a Baía de Guanabara – ou seja, um erro na rota. Fato é que o transatlântico estava três milhas (5,5 quilômetros) fora da rota de navegação.
O comandante Lee, comandou
diversos navios da marinha
mercante britânica, e serviu na
Marinha Real durante a Segunda
Guerra Mundial, sem sofrer ne-
nhum acidente, sua folha de
serviços era impecável.
Reprodução da revista O Cruzeiro,
em 1949. Acervo: L. J. Giraud
Em 28 de abril, a situação do dia anterior mantinha-se. De longe, o Magdalena parecia um navio-fantasma. Os camarotes estavam em desordem. O salão de chá, o bar, dependências luxuosíssimas, tudo estava em ruínas.
A proa do Magdalena soçobrou no dia 30 de abril, levando as esperanças de unir as duas partes.
Armadora desiste de usar o nome
Depois do acidente com o transatlântico Magdalena, a armadora britânica Royal Mail desistiu de batizar navios com tal nome. O primeiro foi construído em 1851, o segundo em 1889 e o terceiro, em 1948.
O terceiro e último Magdalena foi lançado ao mar em 11 de maio de 1948, quando começou a fase de testes. Ele iniciou a viagem inaugural em 9 de março de 1949.
Os portos de escala do Magdalena em 1949, na viagem de ida foram: Londres (Inglaterra), Cherburgo (França), Vigo (Espanha), Lisboa (Portugal), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP) Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina).
Depois que a popa do Magdalena enca-
lhou na praia do Imbuí, quarenta homens
da tripulação foram enviados novamente
para bordo a fim de transportar a baga-
gem de passageiros que esperavam no cais.
Reprodução da revista O Cruzeiro. – 1949.
Na viagem de volta à Europa o Magdalena escalou de novo em Santos, de onde partiu em 24 de abril de 1949. No cais santista, embarcaram passageiros com destino à Europa e grande quantidade de carga, principalmente caixas de laranja e café.
Os porões frigoríficos do transatlântico já vinham abarrotados de carne embarcada em Buenos Aires e Montevidéu, destinada a importadores britânicos.
Prêmio
Outro fato pitoresco na viagem inaugural do Magdalena era que o seu comandante, D.R. Lee, 60 anos, 40 de mar, fora destacado para o serviço como um prêmio.
Seria a penúltima viagem do capitão Lee antes de se aposentar. A folha de serviços dele não apresentava um acidente sequer. Ele participara da Segunda Guerra Mundial, recebera várias condecorações. A sua experiência era vasta.
Ao deixar Santos em 24 de abril de 1949, o Magdalena estava um dia atrasado no cronograma inicialmente previsto para a viagem inaugural.
Os passageiros do Magdalena no momento de chegada ao
cais do porto do Rio de Janeiro. Por sorte, não houve vítimas.
Reprodução da revista O Cruzeiro. – 1949.
Quando o choque com o recife ocorreu, às 4h30 de 25 de abril, o comandante Lee correu imediatamente para a ponte de comando. O primeiro oficial que encontrou foi o imediato. Lee disparou: “Imediato, o que fez com o meu navio?”.
Ao perceber a importância do acidente, o capitão ordenou que os passageiros fossem prontamente colocados nas baleeiras. Tudo correu sem pânico e em ordem.
O pessoal de bordo avaliou que o acidente não fora fatal para o navio, ainda que montado em uma laje com um rombo no porão 3 de carga. Os tripulantes consideravam que não havia perigo de afundamento imediato.
Suicídio
Apesar de as baleeiras estarem recebendo os passageiros sem problemas, várias pessoas atiraram-se precipitadas ao mar. Entre os resgatados da água, estava o primeiro-piloto do Magdalena, Cyril Senior, que era o oficial de quarto (de turno) no instante do choque. Dizem que ele tentou se suicidar.
Depois de uma análise mais fria, a tripulação percebeu que não seria possível tirar o Magdalena com as próprias máquinas. Lee trancou-se em seu camarote.
Os passageiros foram retirados de bordo, menos um octagenário, a neta e a esposa de um oficial. Os tripulantes continuavam na embarcação.
Na manhã de 25 de abril de 1949, todo o Rio de Janeiro, então Capital Federal, já sabia do encalhe do Magdalena. A Avenida Niemeyer estava cheia de gente interessada em ver o navio encalhado.
Os tripulantes acreditavam que o Magdalena se safaria da situação com a maré alta, permitindo o reboque.
O esperado não ocorreu. Na madrugada de 26 de abril, a maré cheia fez o Magdalena sair do encalhe. O comandante Lee viu as esperanças renascerem. O perigo, entretanto, não fora afastado, pois a embarcação flutuava sobre uma área de recifes.
De manhã, quatro possantes rebocadores puxaram o Magdalena para o largo. O reboque foi lento. O capitão Lee continuou trancado no camarote, sem comer e sem se comunicar.
O transatlântico já estava na altura da Praia de Ipanema, quando a popa (ré) desaparecia com as ondas mais altas. Aquela manhã de 26 de abril estava clara, mas o mar estava agitado, furioso.
Quando o navio passou por Copacabana, milhares de curiosos estavam espalhados ao longo da praia. Era possível observar tripulantes trabalhando no convés da embarcação.