Quarta, 08 Mai 2024

Clique aqui para ler a primeira parte deste artigo.

Curiosamente, a crônica havia sido encaminhada ao comandante Fialho por uma professora da cadeira de Português da Universidade de Maryland, Estados Unidos, que utilizava o texto nas aulas.

Eis a crônica, que tem o Rio de Janeiro como cenário:

OS PORTUGUESES E O NAVIO

por Rubem Braga

Antônio Maria contou que uma vez ia num táxi guiado por um chofer português, velho, bigodudo, calado, de cara triste.


A bela Praia de Copacabana na década de 1950, ainda com pista
única de mão dupla, por onde seguia o táxi. Col. do autor.

Quando o carro chegou à praia, o chofer viu um barco e exclamou, apontando, com o braço esticado, os olhos brilhantes, num tom de descoberta, desafio e alegria:

– Olha o navio pequenino!

Essa fascinação dos portugueses pelos navios me salvou a tarde de ontem. Eu tinha de ir à Alfândega e, portanto, passar pela Praça Mauá. O português do volante vinha praguejando conta o calor, contra os outros carros, contra tudo.

Antes dele, eu vi o Vera Cruz encostado no cais, e disse: “olhe o Vera Cruz, que navio bonito!”.

Ele recebeu isso como um elogio pessoal e começou a falar do navio com entusiasmo, até conhecia um maquinista de bordo e visitara todo o gigante – tem oito andares, mas tem elevador.


O jornalista e escritor Rubem Braga,
que em vida escreveu mais de 15.000
crônicas. Nasceu em Cachoeiro do
Itapemerim (ES), em 1913, e faleceu
no Rio de Janeiro em 1990.

Pelas cinco e pouco, ao voltar para casa, me tocou outro volante português. Na altura do Flamengo, divisei o navio, que marchava para a saída da barra, e resolvi elogiar novamente o barco, para ver o efeito. Foi maravilhoso. “É realmente, é realmente, é um belo navio!”

Fiz notar que o Brasil não tinha nenhum navio de passageiros tão grande e tão bonito, e isso animou ainda mais o homem.

Acabou confessando que em sua opinião não era somente o Brasil que não possuía um navio assim; país nenhum do mundo. Os ingleses, os americanos, os franceses, os italianos têm bons navios, sim, bons navios, mas nenhum tão bonito. “O senhor não acha”?

Desconversei: “esse aí eu vou ver passar de minha janela em Ipanema”.

Discordou: o navio tinha grande velocidade e cortava muito caminho por onde ia. Discutimos um pouco, eu jogando no táxi dele, e ele apostando no navio.

Em Copacabana voltamos a ver o barco, na altura da Ilha Cotunduba. Fiz lhe ver que eu estava ganhando a aposta: “já passamos na frente”. Ele balançou  a cabeça: “agora é que ele vai desenvolver a velocidade”.

Na Vieira Souto ele teve de se render à evidência: O navio mal apontava no Arpoador e nós já estávamos perto Posto 8. Mas ele arrumou uma explicação: “o comandante mandou tocar devagar para os passageiros verem a paisagem”.

Fiz uma reflexão:

– Quer dizer que é assim: o navio a ver a paisagem e a paisagem a ver o navio.

E, graças a isso, quando lhe paguei a corrida, ele me perguntou se eu era poeta: “isto que o senhor disse eu vou repetir à patroa”.

O casal de portugueses da portaria conversava com o porteiro do lado e o zelador do edifício da frente, todos portugueses. Dei a notícia: “o Vera Cruz está passando lá no mar”.

“O Vera Cruz!”.

E saíram todos para a praia; no caminho arrebanharam mais um português que passava:

O Vera Cruz, homem, venha depressa, venha!

E lá se foram a correr, os pedros álvares cabrais.

Gratidão
Após a crônica do magistral Rubem Braga, retomo a palavra, para encerrar este texto.

Reafirmo que o Vera Cruz está eternamente cravado no coração, pois este navio sempre me evoca recordações agradáveis e inesquecíveis!

Sou grato a todos aqueles que fizeram a história do Vera Cruz, desde a ideia, passando pelo projeto, pela construção e pela operação. Grato àqueles que fizeram o navio navegar pelos mares, àqueles que receberam a embarcação no Porto de Santos.

Enfim, agradeço a todos – todos! – que contribuíram para a história do Vera Cruz!

Curta, comente e compartilhe!
Pin It
0
0
0
s2sdefault
powered by social2s
Deixe sua opinião! Comente!