Domingo, 19 Mai 2024

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Quando moleque, eu fui de navio para o Havaí apenas uma vez, foi no S. S. President Wilson, da American President Lines.

A gente foi de avião de São Paulo a São Francisco, em um Constellation da Pan American com uma ou duas escalas que não lembro quais foram, e de lá pegamos o navio para Honolulu.


Ilustração do elegante Constellation, da extinta Pan American, que
levou Duck e sua família de São Paulo para San Francisco, na California. Acervo de W. Duck.

Para um moleque como eu era, a viagem foi um tormento, eu não via a hora de chegar, porque só tinha gente velha no navio, foi nessa ocasião que cunhei a expressão asilo flutuante, que uso como brincadeira até hoje, quando eu mesmo já estou chegando nos 60 anos de idade.

Tinha apenas mais um menino a bordo, um garoto europeu que eu fugia dele mais do que o diabo foge da cruz, de tão chatinho que ele era.

Os pais dele eram um europeu bronco que só ele e uma mulher, que não conversava com ninguém, porque só conseguia se expressar no estranho dialeto da região em que nasceu; haviam imigrado para os Estados Unidos e se dado bem no comércio.


Imagem da DC-7, aeronave operada pelas principais companhias
aéreas do mundo, na qual Duck retornou de Honolulu para San
Francisco. A extinta Panair do Brasil, na época, possuía esses aviões.
Diga-se de passagem que foi a bordo de um deles que as seleções
brasileiras campeãs de 1958 e 1962 foram transportadas,
respectivamente, para a Suécia e para o Chile. Acervo de W. Duck.

Tirando esses europeus, o resto era só americano mesmo, centenas de casais de americanos idosos, ricos ou aposentados e chatos que só eles.

Algumas vezes eles colocavam aquelas roupas estapafúrdias de turista americano nos trópicos, camisa colorida cheia de flores, bermuda grandona, meia e sapato social.

Quando não estavam assim, estavam com um paletó despojado e uma ridícula gravata borboleta, independente do calor que estivesse fazendo.

Tinha muita atividade para os adultos, jogos, jantares e festas próprias para eles, que o pessoal de comissaria tentava inutilmente motivá-los a participar, mas que a maioria não se mostrava muito interessada, o que eles queriam mesmo era ficar nas espreguiçadeiras do "promenade deck", com cobertores sobre as pernas, apesar do calor infernal do Pacífico, lendo um livro ou jogando conversa fora.


A foto de Deborah Kerr e Burt Lanca não está neste artigo por acaso.
É que grande películas, como "A Um Passo da Eternidade", um dos
melhores filmes em todos os tempos, foram rodadas em Honolulu.
Coleção do autor.

Na grande maioria dos navios de passageiros que tive a felicidade de viajar quando menino, além de gente especializada em arrumar atividades para nós, especialmente para os capetinhas como eu era, a tripulação era sempre acessível e permitia visitas ao passadiço, máquinas, rádio etc.

Cheguei a aprender os rudimentos do código Morse em uma viagem em um navio da então Linea C, com um paciente telegrafista que deu um curso rápido para a meninada.

No Presidente Wilson não tinha essa camaradagem, o máximo que eu conseguia era entrar na cozinha e mesmo assim o pessoal não gostava muito.


A Via Anhanguera, a única existente na época. Na foto, vemos
um Coach GM do famoso Expresso Brasileiro (EBVL). Esse ônibus era
idêntico aos que faziam a linha Santos-São Paulo. Acervo W. Duck.

Antes de chegarmos em Honolulu o navio fez uma escala que eu não me lembro em que ilha foi, era bem pequena e ele ficou fundeado porque não tinha porto, os passageiros desembarcaram em baleeiras que vieram da própria ilha e foi uma visita de poucas horas.

O que eu mais me recordo dessa ilha era o trapiche onde as baleeiras atracavam para desembarcar os turistas, estava literalmente ruindo e em muitos pedaços faltava boa parte do piso, então o pessoal tinha que tomar cuidado para não cair.

Uma outra coisa marcante foram os mergulhadores, assim que o navio fundeou vieram dezenas de pequenas canoas, aquelas típicas das ilhas do Pacífico, com uma espécie de braço de catamarã de um lado só, para ajudar no equilíbrio, com homens de sarongue pedindo que o pessoal jogasse moedas ao mar, para eles mergulharem atrás delas e recuperá-las do fundo do mar.

Foi uma festa de centavos de dólar sendo jogados na água, imagino que ali tinha uns 20 metros de profundidade, e todas as moedas foram recuperadas pelos nativos. Acho que esses mergulhadores eram a maior atração turística daquela ilha.


Vista atual do Porto de Honolulu. A cidade é a capital do Havaí, com
uma população de 876 mil habitantes. Imagem mostra o belissimo
transatlântico britânico Queen Elizabeth2, que já esteve algumas
vezes no Brasil. Foi desativado pela Cunard Line e, pelo que consta,
passará a ser hotel flutuante em Dubai. Foto: Reprodução.

 
A nossa volta – essa era sempre mais corrida porque as férias do meu pai eram muito curtas – foi em um DC-7 da Japan Airlines.

Foi um pula-pula danado, de Honolulu para Los Angeles, Cidade do México, Bogotá, Caiena, Belém, Rio de Janeiro e finalmente... Campinas!!!

De Campinas a São Paulo a viagem foi de táxi, pela sinuosa Via Anhanguera, a única estrada que havia na época.

Com certeza foi uma alegre e divertida viagem – passados 52 anos essa passagem continua viva na memória do amigo Duck.

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