Quarta, 08 Janeiro 2025

Quando o último dos navios de passageiros de linha regular se despediu de Santos – o maravilhoso navio italiano Cristoforo Colombo, gêmeo do Andrea Doria – a cidade e o porto ficaram com ar de melancolia, era o fim de uma era...

Também pudera, os passageiros trocaram o glamour do navio pela rapidez do avião!


O transatlântico italiano Cristoforo Colombo, deixando Santos pela
última vez na tarde de 05 de abril de 1977. Viagem inaugural: 1954.
Media 213,59 metros de comprimento. Coleção do autor.

Para que o leitor tenha uma idéia dessa mudança, mostramos um comparativo de passageiros transportados no Atlântico Norte. Por navios, foram 881.894 passageiros. Por avião, 1.539.934 pessoas.

Com a perda de passageiros, paulatinamente as armadoras começaram a retirar os navios das linhas.

Aos poucos a intensa movimentação formada em torno do Armazém de Bagagem do Porto de Santos e adjacências diminuía. Eram passageiros chegando e partindo, familiares recepcionando ou se depedindo, funcionários e trabalhadores das mais diversas funções, como os carregadores de bagagens, sumiram, como se este processo tivesse ocorrido num toque de mágica.

Os espaços de atracação destinados aos navios de passageiros foram ocupados pelos mais diversos tipos de cargueiros.


Cartão-postal do transatlântico britânico Alcantara, de 1927. O
navio media 192,6 metros de comprimento, com deslocamento de
22.181 toneladas. Sua última viagem deu-se em 1958.
Coleção do autor.

O café e restaurante que funcionavam no antigo Armazém de Bagagem – antes frequentado por visitantes, passageiros e familiares – foram substituídos por instalações de carga.

Essa metamorfose dos antigos tempos românticos para os modernos tempos de tecnologia e logística fez aquele mundo de charme e elegância proporcionado pelos viajantes evaporar. Ficaram apenas lembranças e saudades de uma era que se foi...

É dificil dizer em palavras a sensação desgostosa dos santistas com o final das linhas regulares de passageiros. Fazendo uma comparação, seria mais ou menos como se repentinamente a cidade deixasse de receber os transatlânticos de cruzeiros que nos visitam anualmente. A sensação seria de um grande vazio e de tristeza...
  
E assim ficou a cidade por muitos anos, recebendo apenas navios de cruzeiros com turistas estrangeiros em trânsito.


Cartão-postal mostrando o Alcantara antes da Segunda Guerra
Mundial, ainda com duas chaminés. Coleção do autor.

Para exprimir um pouco desse vácuo deixado pelos navios de passageiros, transcrevemos parte de dois textos de épocas diferentes do jornal A Tribuna.
        
Em um exemplar de A Tribuna do final da década de 1950,  deparei com um texto de Carlos Alfredo Hablitizel, que começa assim:

“Acaba de passar pelo porto, em sua derradeira viagem,o transatlântico inglês Alcantara, por ter recebido baixa do serviço por parte da sua armadora. Vale a pena registrar para a história dos navios do porto que nessa viagem o Alcantara esteve entre nós no dia 20 de maio de 1958, saindo às 18h30, com destino a Southampton.”

“Já o belo paquete (navio de passageiros), completamente iluminado, e todos os assistiram a sua partida sentiram que ela não significava apenas o encerramento da longa e gloriosa carreira de bons serviços prestados pela unidade da Mala Real Inglesa, na sua ligação com o Brasil e o Prata, significava também o desaparecimento de um dos últimos representantes de uma época de navios de passageiros, e que ainda não se falava em aviação comercial, e quando navios como o Alcantara eram senhores absolutos das ligações internacionais.”


O transatlântico francês Lutetia (Gêmeo do Massilia), atracado na
Cidade Marvilhosa em 1930. Não só Santos sentiu a falta dos
transatlâticos de passageiros. O Rio de Janeiro e outros portos
passaram pela triste situação.

As palavras do saudoso Hablitzel expressam os sentimentos de todos os que foram tocados e ficaram encantados – encanto que perdura até hoje!, diga-se de passagem – pelo glamour dos majestosos navios de passageiros que se destacavam na paisagem da Ponta da Praia, tanto na entrada, quanto na saída...

Na despedida do Cristoforo Colombo,o último dos tradicionais navios de passageiros que fazia a linha da Europa com os porto do Brasil, Uruguai e Argentina, trazendo e levando passageiros de todas as camadas sociais, o jornalista José Carlos Silvares escreveu:

“Há quem diga que todas as despedidas são iguais. Quem diz isso não tem razão.  Pelo menos é o que pensa aquele senhor de cabelos brancos, agitando um lenço amarrotado, terno escuro e sapatos folgados. A lembrança, desta vez, durou apenas 30 segundos. Os bailes, os jantares, os confetes e serpentinas e as brincadeiras na linha do Equador passaram da mente à boca daquele homem, durante 30 segundos.  Para ele, acostumado a despedidas de todas as formas, este adeus foi especial e rápido. Durou exatamente o tempo em que falava interrompido pela sequência de apitos graves, quase gemidos. Um personagem à parte, sem nome. Uma figura que já teve seus dias de luxo e que, talvez pelas constantes despedidas, os tenha trocado pelos dias atuais. O indisfarçável sotaque italiano e o balanço das mãos contavam por que aquela era uma despedida diferente: “Eu já viajei muito em navios, tenho boas recordações, maus momentos e, agora, saudades. É isso...”


O rei da América do Sul, como ficou conhecido o veloz e luxuoso
Cap Arcona, de 1927. Aqui desatracando do Porto de Santos, por
volta de 1935. Coleção do autor.

“Cada um dos três apitos durou exatamente dez segundos. Às 18 horas de ontem, o luxuoso transatlântico italiano Cristoforo Colombo despediu-se de Santos, um adeus final. No cais, os parentes dos passageiros embarcados acenavam, escondendo pessoas como aquele senhor de cabelos brancos que tinha outro motivo para estar ali.”

Vale notar que o Século 20 se caracterizou pelo desenvolvimento econômico dos países sul-americanos. O progresso vertiginoso, notadamente depois de 1920, que se processou no Brasil, Uruguai e Argentina, trouxe melhoria constante nos meios de transporte marítimos das empresas que disputavam as grandes praças desses países.

Com o crescente intercâmbio comercial e cultural do mundo, as empresas não tardaram a lançar nessas linhas os supertransatlânticos, verdadeiras cidades flutuantes, que representavam rapidez, conforto e segurança.
        
A concorrência era grande entre as armadoras francesas, britânicas, italianas e a alemã Hamburg-Sud.


Cartão-postal do primeiro Augusto, transatlântico que apareceu
durante a grande concorrência entre armadoras na década de 1920. 
O navio pertencia à armadora italiana Cosulich. Coleção do autor.

Assim, surgiram o Massilia, o Lutetia,  o Almeda, o Conte Biancamano, o Conte Grande, o Asturias, o Alcantara, o Cap Arcona – e muitos outros, no passar das décadas, até o apogeu, nos anos 1950 e 1960, como o Bretagne, o Provence, o Giulio Cesare, o Augustus, o Vera Cruz e o inesquecível e saudoso Eugenio C, mais tarde batizado de Eugenio Costa.

Calcula-se que o número de navios de passageiros que vieram a Santos ultrapassa os 1.500, ao longo do Século 20.

Ainda bem que tudo não passou de um vácuo no tempo, pois os transatlânticos voltaram com força total para Santos, que serve de porto base para a maioria dos transatlânticos que fazem cruzeiros marítimos na costa brasileira durante a temporada de verão – aliás, um verão estendido, que começa na primavera, entre outubro e novembro, e termina no outono, entre abril e maio.

Na temporada 2010/2011, serão 23 navios, que farão 311 escalas no cais santista. Na temporada passada, foram 20 transatlânticos e 284 escalas.

Esses bons tempos tiveram início em 23 de novembro de 1998, com a inauguração do Terminal Marítimo de Passageiros Giusfredo Santini – Concais, que investiu em instalações para receber o esperado movimento de turistas de todo o Brasil que querem viajar de navio, seja pela primeira vez na vida, realizando um sonho, seja retornando para novas viagens.

Os bons tempos voltaram, e a cidade de Santos fica mais alegre a cada tempora de cruzeiros marítimos!

Sejam bem-vindos, passageiros de todo o Brasil!

Nós, santistas, temos orgulho em recebê-los e estamos de braços abertos para recepcioná-los!

Boa viagem!

Fontes: Photografias e Fotografias do Porto de Santos – L.J. Giraud e outros (1996), Arquivo de A Tribuna, e informações do jornalista Armando Akio.

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