A história do Porto de Santos é contada de várias maneiras. Umas vão ao tempo de Braz Cubas, outros contam a partir do surgimento dos trapiches, ou a partir do cais de pedra, e outras contam um pouco de tudo como no caso do relato do falecido jornalista Olao Rodrigues, no Almanaque de Santos editado em 1972.
Na foto, jornalistas em visita às novas enfermarias do Pavilhão de
Tuberculosos da antiga Santa Casa, em março de 1937. São vistos, entre
outros: Cândido Hernandez, Olao Rodrigues (o primeiro da segunda fila à esquerda), José Gomes dos Santos Neto, Hamleto Rosato, Dr. Emílio
Navajas, Dr. João Carlos de Azevedo, Lino Vieira e Castro Simões.
Reprodução.
Tive o grande privilégio de colaborar com o sempre lembrado jornalista, na obtenção de anúncios para o Almanaque de Santos, em diversas edições. Os Almanaques servem até hoje de base para pesquisas por parte de professores, estudantes, escritores, memorialistas e admiradores dos acontecimentos da cidade de Santos. As edições tinham colaboradores renomados, como De Vaney, Mario Moraes e Bandeira Júnior, entre outros.
Olao Rodrigues, matinha uma coluna, que saia aos domingos, na década de 1970, intitulada “Nos tempos de Nossos Avós”, que na verdade era um repositório de eventos, episódios e feitos acontecidos no pretérito da Cidade de Santos. Além disso, escreveu obras interessantes como o Dicionário de Curiosidades (1973), Anuário de A Tribuna (1978), e Santos de Pijama. Como jornalista de A Tribuna escreveu propriamente sobre tudo.
Vista do Centro e da Cidade de Santos, em 1908 (capa do
cardápio do Cap Verde). Acervo do autor.
Depois de reler pela centésima vez uma dessas relíquias, resolvi repassar aos leitores um interessante texto sobre a história do nosso Porto, por duas razões: a primeira é que muitos desconhecem fatos pertencentes ao passado do cais santista, a segunda é homenagear o inesquecível Olao Rodrigues, autor de várias obras sobre o brilhante passado de Santos.
Eis o texto, que conta o surgimento do Porto de Santos, de uma forma clara e objetiva, como era do feitio do grande jornalista falecido no início da década de 1980.
* * * * * *
“Falar de Santos e de seu Porto, ou deste e da Cidade, é a mesma coisa, pois desde seu início Santos e o seu Porto têm vivido lado a lado na mais intima colaboração, visando bem comum da região e do Brasil.
O primeiro trecho do cais, entre o Valongo e o Paquetá
em 1904, local que foi aterrado. Do livro Santos e a Cia. Docas.
Editado pelo autor.
No começo, Santos era só um ancoradouro até que foi construída a primeira ponte de madeira para atracação e carregamento e descarregamento dos navios, e assim surgiu o Porto.
O comércio com o Planalto se estabeleceu primeiro pelas trilhas dos índios que desciam a Serra do Mar, até que em 1867 é inaugurada a SPR – São Paulo Railway.
O Planalto começa a desenvolver-se e a necessidade de um cais aparelhado vai se impondo, sobretudo pelo clamor das classes comerciais de Santos e de São Paulo, que reclamam insistentemente dos trapiches e das suas pontes de madeira.
A pedreira do Jabaquara, de onde vieram os blocos de pedra
que contruíram o Porto de Santos, 1901. Do livro Cia. Docas - 1904
A idéia de uma estrada de rodagem ligando esses dois pontos torna-se realidade quando sua construção se inicia no Planalto em 1761; de outro lado Santos vai crescendo em população, alargando-se a vila para os lados do Valongo.
Em 1767, a Praça de Santos reclama de uma linha de navegação direta com Lisboa.
Em 1720 instala-se a alfândega de Santos, em 1746 constrói-se sua Matriz e em 1798 restabelece-se os serviços, e ao findar-se esse século sua população já era de 3.000 pessoas.
Um dos blocos da construção do cais de pedra.
Do livro Cia. Docas - 1904.
No entanto, o comércio exterior se fazia através do Rio de Janeiro, seguindo as ordens já existentes e só mais tarde, com a abertura dos portos em 28 de janeiro de 1808, a navegação estrangeira é feita diretamente.
Mas reclama-se a construção do Porto de Santos. A lei de 1828 autoriza isso em parte, mas só em 1869 promulga a Lei 1746 específica para a construção de portos.
Os blocos de pedras vindas da pedreira do Jabaquara
perfilados. A parte à esquerda dos blocos foi aterrada, e ía até
a Rua Silva Jardim. 1901. Do livro Cia. Docas - 1904.
Em 1870 é dada a primeira concessão para se construir o Porto de Santos, aos Srs. Conde da Estrela e Dr. Francisco de Aguiar Pertence. Entretanto, foi caducada, pois passou o tempo e nada foi feito.
O Governo não dispunha de recursos financeiros para execução da obra, e o Governo da Província reclama prioridade e lhe é dada a concessão.
Mas as dificuldades são enormes não só pela má situação sanitária da vila como pela má qualidade do terreno sobre os quais se construiriam os canais, e o Governo da Província desiste, também caducando a concessão.
Guindaste do início do século XX com capacidade para 80 toneladas.
Ao fundo vemos o transatlântico francês Cordillère navegando pelo
estuário rumo ao antigo armazém de bagagem, que ficava nas
proximidades do Centro. Do livro Cia. Docas - 1904.
O Governo Imperial resolve então tomar a si a solução da questão. Manda estudar o projeto pelo engenheiro inglês Milenor Roberts, projeto que mais tarde é revisto pelo engenheiro brasileiro Saboya e Silva.
O Governo Imperial abre concorrência pública em 18 de outubro de 1886, de onde participam seis concorrentes, dentre os quais um composto pelo grupo José Pinto de Oliveira, Candido Gaffrée, Eduardo P. Guinle, e mais dois outros.
A concessionária do Porto tinha uma frota própria de lanchas,
rebocadores, batelões, dragas e todos os tipos de embarcaçõs para atendimento dos serviços portuários. Do livro Cia. Docas - 1904.
Estudam-se propostas apresentadas e é escolhida a de José Pinto de Oliveira e seus companheiros e em 12 de junho de 1888 uma lei autoriza a assinatura do contrato.
Os concorrentes vencedores lutam para a execução das obras, contra as condições sanitárias da Cidade, contra a péssima qualidade do terreno, contra campanhas malévolas que se levantam contra eles por parte dos proprietários dos trapiches, de chatas e de contrabandistas.
Diante dessas dificuldades alguns associados desistem e só ficam em campo Cândido Gaffrée e Eduardo P. Guinle.
O Porto e a Cidade, vista do Paquetá e da Ponta da Praia por volta
de 1935. Os aramazéns que aparecem na área portuária foram
construídos sobre terreno aterrado. Cartão-Postal. Acervo do autor.
Em 1892 fundam a Companhia Docas de Santos, que administrou o cais santista até 1980.
A companhia que executa as obras é brasileira, bem como o capital, engenheiros e trabalhadores.
Não há desânimo, de modo que em menos de 4 anos da data da lavratura do contrato inaugura-se o primeiro trecho do cais de pedra, na extensão de 260 metros, sedo o primeiro navio atracar foi o britânico Nasmith.
Os armazéns que aparecem são os mesmos vistos na imagem anterior
por volta de 1953. Acervo: Wanderley Duck.
Executados os 860 metros de cais do primitivo contrato, reclama o comércio de Santos sua extensão até o Paquetá. Mais tarde ele é aumentado até o Outeirinho. Fechando assim o que Saturnino de Brito chamou de “o cinturão sanitário de Santos”, pois foram aterrados os lamaçais infectos e pestilentos, que cercavam a Cidade do lado do Porto.
Em 1909 já dispunha de 4.720 metros de cais. No passar do tempo passou a ser servido por guindastes, linha férrea, rede de água, energia elétrica, múltipla e variada aparelhagem para movimentação das mercadorias, sugadores de trigo e de sal, esteira rolantes par embarque de milho, guindastes de várias capacidades, cábreas flutuantes para 50 e 150 toneladas, caminhões, cavalos mecânicos, e seus reboques, tratores.
O cartão-postal da década de 1930, mostra os locais do porto
compreendido entre as praças Barão do Rio Branco e da República, local
que foi aterrado e nivelado durante a construção do Porto. Na imagem,
vemos um navio do Lloyd Nacional (não confundir com Lloyd Brasileiro), provavelmente o Araraquara, O Santos Hotel e a Alfândega em construção.
O serviço de dragagem era feito por embarcações próprias, possuía estaleiros na Mortona e oficinas mecânicas.
Os inflamáveis e outros produtos a granel eram estocados em numerosos tanques na Ilha Barnabé, no saboó, na Alemoa.
No começo é dito sobre à colaboração que desde o início o Porto deu a Cidade.
O transporte era feito com o Planalto através dos trens da "inglesa"
como era conhecida a São Paulo Railway, cujo início foi em 1867. Imagem
de Paranapiacaba, na década de 1920. Acervo do autor.
De fato constituiu a bacia e o canal que servem ao Mercado Municipal, reformou e nivelou as Praças Barão do Rio Branco e da República, doou um grupo escolar para 960 alunos; defendeu-se de um surto de febre amarela, outro de peste bubônica, auxiliando as autoridades da saúde, construiu o Ambulatório Gafrée-Guinle, o prédio dos Correios e do edifício da Alfândega, construiu os jardins das Praias de Santos, e estudou o traçado para a Av. Saldanha da Gama.
A Cidade de Santos e seu Porto vivem irmanados por objetivo comum: O progresso e grandeza de Santos.”
* * * * * *
Essas informações históricas pertencem à História de Santos. Obrigado Seu Olao por tudo que preservou da História de Santos.