Alguns pares de transatlânticos ficaram muito conhecidos no Porto de Santos, na época em que os viajantes se utilizavam mais dos navios do que dos aviões nas viagens internacionais.
O cais santista era a porta de entrada e saída, de imigrantes, e passageiros comuns em viagens de negócios ou turismo. O movimento era elevado tanto de passageiros, como de navios em trânsito para o Prata como Europa, América do Norte e Extremo Oriente, chegando a lembrar um pouco, isto é, guardadas as devidas proporções, os dias que o porto recebe num mesmo dia vários navios de cruzeiros. Havia grandes diferenças: os navios de passageiros eram menores do que os atuais e recebiam menos passageiros.
No entanto, os passageiros eram mais elegantes, havia mais romantismo e respeito nas viagens, e seus parentes e amigos tinham entrada permitida na faixa portuária para se despedirem, o que evidentemente causava mais emoção do que hoje em dia. Quem está na casa dos 50 anos em diante e participou de uma viagem naquele tempo conhece essa sensação
Para isso vamos recordar de algumas duplas marcantes que tiveram destaque naqueles anos dourados, onde os portos eram mais ou menos como são os aeroportos em relação aos que viajavam.
Os franceses: Lutetia e Massilia, Provence e Bretagne; os italianos Conte Biancamano, Conte Grande, Augustus e Giulio Cesare, Anna C e Andréa C, os portugueses Vera Cruz e Santa Maria, os estadunidenses Brasil e Argentina, os espanhóis Cabo San Roque e Cabo San Vicente. Os japoneses Brazil Maru e Argentina Maru. Assim como os nossos cisnes brancos, Anna Nery e Rosa da Fonseca, Princesa Isabel e Princesa Leopoldina.
No entanto, nenhuma dupla se sobressaiu mais e causou tanto frisson do que a formada pelos inesquecíveis Augustus e Giulio Cesare, que pertenceram à armadora Itália di Navegazione, com sede no porto de Genova. Essa dupla era seguida de perto pela formada pelos Contes Biancamano e Giulio Cesare. Na verdade era um páreo duro, dizer isso com certeza, pois eram de épocas diferentes (os Contes eram da década de 1920, embora tenham todos se encontrados nos anos 1950).
Nos dias em que um desses navios escalava em Santos, pode-se dizer com todas as palavras, que era dia de festa, pois as diversas categorias profissionais, como práticos, carregadores de bagagens, estivadores, consertadores, taxistas (na época, chofer de praça), comerciantes em geral. Além de empresas prestadoras de serviços. Como exemplo, de rebocadores, fornecedoras de bordo, abastecedoras de combustível. Resumindo toda à Cidade ganhava com isso.
Este artigo é destinado aos que não vivenciaram a época dos navios e passageiros, e para os apreciadores do tema. Eis o artigo:
Essa minha grande admiração pelos navios de passageiros dos anos dourados que continua até hoje através dos navios de cruzeiros, surgiu quando, menino, passeava pela orla das nossas praias, ou do calçadão da Ponta da Praia, na companhia de meu pai, e observávamos os navios que entravam ou saíam do nosso porto. Desses locais pitorescos, vi inúmeros transatlânticos que ficaram muito conhecidos e lembrados para todo o sempre. Como exemplo: o português Santa Maria, o francês Provence, o norte-americano Brazil, o britânico Arlanza, o argentino Rio de la Plata, o espanhol Cabo de San Vicente, entre incontáveis outros navios de passageiros.
O transatlântico Giulio Cesare, atracado no Porto do
Rio de Janeiro, junto à Praça Mauá, por volta de 1970.
Cartão postal Acervo: L. J. Giraud
Entretanto, dois transatlânticos de nacionalidade italiana tinham um destaque todo especial, o Giulio Cesare e o Augustus, que são os protagonistas do presente artigo.
A armadora Societá Itália di Navigazione foi proprietária de navios de passageiros que mantinham verdadeira multidão de admiradores, não somente em Santos, como nos demais portos de escala de transatlânticos da sua frota.
O célebre Augustus, navegando no canal de acesso do
Porto de Santos, visto do Iate Clube do Guarujá, no final
dos anos 60. Cartão-Postal do acervo: L. J. Giraud
Quando o Giulio Cesare e o Augustus, da Itália, escalavam em Santos, o movimento no cais do Armazém 16 e no Armazém de Bagagem (IV Externo) era simplesmente assombroso, pois o número de passageiros de embarque e desembarque era elevado. Sem mencionar os turistas em trânsito a bordo, os familiares e amigos e até os curiosos.
Como era intenso o movimento, conseqüentemente o número de malas e volumes diversos também era significativo. Havia longa espera para liberação das bagagens, inconveniente que poderia ser evitado se houvesse uma estação marítima.
Dado o elevado número de transatlânticos que escalavam na Cidade, bem que o porto merecia. Inclusive, no início dos anos 50, já se cogitara tal possibilidade, mas não foi realizada até a inauguração do Terminal de Passageiros da empresa Concais, no dia 23 de novembro de 1998.
Voltando ao Giulio Cesare e o Augustus. Ambos eram muito vistosos e luxuosos, além de apresentarem bons motivos para atrair imigrantes italianos instalados no Brasil e seus descendentes, que desejavam viajar com conforto.
Foto típica dos anos 60, tirada durante embarque de
passageiros (1963). Nota-se que as pessoas se vestiam de
uma forma mais requintada do que nas décadas subseqüentes.
Navio Augustus. Foto: Reprodução
Os dois transatlânticos ofereciam ar condicionado, proporcionando agradável temperatura ambiente, além de dispor, a bordo, de poderosa estação radiotelefônica, que podia ser utilizada pelos passageiros para comunicação com qualquer parte do mundo.
É preciso também mencionar das duas grandes galerias, quatro cinemas (um ao ar livre), dois elevadores, sala de ginástica, banco, escritório turístico, três salões de barbeiros e cabeleireiros, sala de jantar, três piscinas,. Salas de festa e amplos restaurantes.
A tripulação era sempre simpática, o que tornava os navios mais agradáveis aos passageiros. Vale lembrar que as acomodações da segunda classe do Giulio Cesare e Augustus eram melhores do que as da primeira classe de vários navios.
Atracado no cais do armazém de bagagens do Porto de Santos, o belo
Augustus momentos antes da partida para uma nova viagem
transatlântica. Na foto nota-se que após o movimento tropicalista
(Tropicália), as pessoas passaram a se vestir de uma maneira
descontraída. Foto: Acervo: L. J. Giraud
Os principais portos de escala dos dois transatlânticos eram: Barcelona (Espanha), Lisboa (Portugal), Dacar (Senegal, na África), Recife (Pernambuco), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina).
A cada escala do Giulio Cesare ou do Augustus em Santos eram destacadas a imponência, o luxo e a rapidez da travessia atlântica.
Segundo o encarregado de provisões do Giulio Cesare, Egidio Amoretti, em reportagem de A Tribuna de 1952, “falar em toneladas era coisa comum, visto que uma viagem redonda – que compreendia Gênova – Buenos Aires – Gênova – levava em média 34 dias”.
A foto reproduzida do jornal A Tribuna de Santos dá uma
perfeita idéia do que era o Giulio Cesare quando passava pela
famosa amurada da Ponta da Praia. Aqui visto em 1967, sendo
admirado por uma jovem da época.
O número médio de passageiros em casa um desses dois transatlânticos da Itália era em torno de 2 mil, mais tripulação de 517 pessoas.
O consumo de bordo era o seguinte: 30 toneladas de carne e aves, 26 de verdura, 24 de batata, alho e cebola, 21 de farinha de trigo, 11 de massas e arroz, oito de peixe, cinco de açúcar, 3,5 toneladas de frios, 2,5 de manteiga, uma tonelada de biscoitos e temperos, 1.800 quilos de café, 17 mil litros de leite, 1.600 quilos de geléia e 1.500 quilos de sucos, entre outros produtos alimentícios.
Nos navios, eram utilizadas 180 mil peças de roupa – toalhas de banho, lençóis, fronhas, toalhas de mesa – e 11 mil pratos, além de 27 mil copos.
O sempre lembrado Augustus visto pela popa, durante manobra de
atracação no porto de Santos por volta de 1953. Foto: José Dias Herrera.
Acervo: L. J. Giraud
Assisti às entradas do Giulio Cesare e do Augustus numerosas vezes, sobretudo na Ponta da Praia, o que constituía um belo espetáculo, pois os dois navios eram célebres e não havia pessoa que não parasse para vê-los, navegando no canal de acesso ao porto.
O Giulio Cesare escalou em Santos pela primeira vez em 11 de novembro de 1951 e o Augustus, em 17 de março de 1952.
Navegou o Giulio Cesare durante 22 anos. A última passagem por Santos foi em dezembro de 1972. A derradeira escala do Augustus ocorreu em janeiro de 1976.
O Augustus conseguiu sobreviver até os dias de hoje, escapando assim dos infames e impiedosos maçaricos. Atualmente é hotel flutuante nas Filipinas.
No longínquo ano de 1953, a foto clicada por José Dias Herrera
mostra o Giulio Cesare desfilando pela passarela natural da Ponta
da Praia. Acervo: L. G. Giraud
Com a desativação do Giulio Cesare e do Augustus da frota da Itália, ambos foram substituídos por dois outros navios que também marcaram época e deixaram muitas saudades nas pessoas da região da Baixada, o Guglielmo Marconi e o Cristoforo Colombo.
A lista de passageiros do Augustus,
datada de 17 de setembro de 1953,
informava que o seu comandante era o
capitão Luigi Gulinelli e dentre os ilustres
passageiros, estavam presentes oito
membros da famosa família Matarazzo.
Acervo: L. J. Giraud
Espero ter deixado um rastro de lembranças do Giulio Cesare e do Augustus, magníficos navios, que deixaram seus nomes imortalizados em letras de ouro, no livro do porto e da Cidade.
Ficha Técnica
Nome: Giulio Cesare
Tipo: Transatlântico
Estaleiro construtor: Cantieri Riuniti dell’Adriatico
Nº de construção: 1.756
Tonelagem de arqueação bruta (tab): 27.078t
Comprimento: 207 m
Boca (largura): 26 m
Velocidade de cruzeiro: 21.5 nós (40km/h).
Hélices: 2
Passageiros: Quando construído, 118 na 1ª classe, 196 na 2ª e 788 na 3ª (turística)
Após reforma de 1957: 178 passageiros na 1ª. 288 na 2ª e 714 na 3ª
Após a reforma de 1964: 215 na 1ª e 858 na turística
Tripulação: 440 pessoas
1ª quilha deposta: 28-7-1949
Lançamento ao mar: 18/5/1951
Viagem inaugural Gênova – Brasil – Prata: 27-10-1951
1ª viagem Gênova – Nova York: 4-6-1960
Chegada à Itália aquela que seria a última viagem: 14-1-1973
Desativação: 20-4-1973
Cartão-postal original da Itália di Navigazione, representando os
transatlânticos gêmeos Giulio Cesare e Augustus, que pela sua
linhas e alvura, se destacavam pelos portos por onde passavam.
Acervo: L. J. Giraud
Ficha Técnica
Nome: Augustus
Tipo: Transatlântico
Estaleiro construtor: Cantieri Riuniti dell’Adriatico
Nº de construção: 1.757
Tonelagem de arqueação bruta (tab): 27.090t
Comprimento: 207 m
Boca (largura): 26 m
Velocidade de cruzeiro: 21.5 nós (40km/h).
Hélices: 2
Passageiros: Quando construído, 118 na 1ª classe, 196 na 2ª e 788 na 3ª (turística)
Após reforma de 1957: 178 passageiros na 1ª. 288 na 2ª e 714 na 3ª
Após a reforma de 1964: 155 na 1ª e 978 na turística
Tripulação: 440 pessoas
1ª quilha deposta: 1º-6-1949
Lançamento ao mar: 19-11-1951
Viagem inaugural Gênova – Brasil – Prata: 4-3-1952
1ª viagem Gênova – Nova York: 19-1-1957
Última viagem Gênova – Nova York: 11-9-1961
Desativado no Porto de Nápoles: 15-1-1976
Adquirido por Great Shipping, Hong Kong: 1º-9-1976
Rebatizado Great Sea em: Setembro de 1977
Adquirido por Ocean king, da Libéria, e rebatizado Ocean King em: 1980
Rebatizado Philippines em: 1983
Rebatizado President em: 1985
Rebatizado Asian Princess em: 1988
Adquirido por Philippine Passaenger Lines: 1994
As despedidas eram momentos de grandes emoções, onde eram
vistas cenas comoventes de choro e abanos de lenços, tanto por parte
dos que se encontravam no cais, como também dos que estavam a
bordo. Era o momento em que a orquestra de bordo tocava músicas
memoráveis como as famosas canções Nel Blu Dipinto Di Blu (Volare),
1958, e Piove (Ciao Ciao Bambina), 1959, do célebre Domenico Modugno
e Johnny Dorelli e Se Piangi Se Ridi – 1965, de Bobby Solo e New Christy
Minstrels, que causavam um grande nó na garganta dos presentes. Na
foto, o Augustus em 1953. Foto: José Dias Herrera - Acervo: L. J. Giraud