Segunda, 06 Janeiro 2025

No final da década de 1950, época dos navios de passageiros, eu ficava no aguardo do bonde 4 em todas as manhãs, no ponto da Av. Bartolomeu de Gusmão com a Almirante Cochrane, o Canal 5. Esse legendário bonde, sempre recordado pelos que o vivenciaram e presente nos escritos de Narciso de Andrade e do professor Nelson Salasar Marques, nos levava para os colégios situados na Av. Conselheiro Nébias e proximidades.


O prático Gerson da Costa Fonseca, no último 13 de abril, quando
completou 91 anos de idade. Na foto, Gerson autografa um exemplar
do livro GG, obra que conta passagens da sua vida. Foto: L.J.Giraud.

Nesse bonde, vinham também pessoas de todas as categorias profissionais, como bancários, comerciários, funcionários públicos, médicos, engenheiros, advogados e toda gama de profissionais. O automóvel ainda não tinha ocupado o grande espaço que ocupou no decorrer das décadas seguintes.

Pois bem, nessas manhãs de sol ou chuva, dificilmente deixava de ver navios cargueiros ou de passageiros passando pela Baía de Santos em direção ao estuário. Muitas vezes, vinham três, um atrás de outro, em direção ao Armazém de Bagagem da Cia. Docas de Santos. Os navios de passageiros atracavam entre os armazéns 15 e 18, e muitas vezes por falta de espaço esses navios atracavam em outros locais do Porto. Era um belo espetáculo vê-los num verdadeiro desfile, tanto que qualquer pessoa que estivesse nas imediações não deixava de assistir suas passagens.


Cartão-postal do belíssimo navio de passageiros francês Bretagne, conduzido pelo prático Gerson sob forte neblina. Suas dimensões
eram: 176,77
m de comprimento, e 22,28m de largura. Viagem
inaugural em 1952. Capacidade para até 1.290 passageiros. Foi
demolido em 1964. Acervo: L.J. Giraud.

Cheguei a ver muitos navios de passageiros que fazem parte da história da nossa Cidade, pelas incontáveis vezes que escalaram o Porto de Santos, trazendo e levando passageiros de várias partes do País e até do mundo. Como já disse em outros artigos, o porto tinha a mesma função de um grande aeroporto da atualidade.

O progresso acabou com as linhas regulares de navios de passageiros, pela razão dos aviões tornarem as viagens mais rápidas.


Cartão-postal Colombo, mostrando imagens da Cidade de Santos,
na época em que o autor utilizava o bonde 4 para ir à escola. Ao
centro, o transatlântilco português Vera Cruz, que veio ao Brasil a
partir de 1952.  Anos 1950. Acervo: L.J.Giraud.

Alguns dos navios que vi naqueles distantes anos: os italianos Conte Grande, Giulio Cesare, Augustus, Anna C, Andréa C, Federico C, Eugenio C (a partir de 1966). Portugueses: North King, Vera Cruz e Santa Maria. Britânicos: Highland Brigad, Alcantara, Andes, Brasil Star, Argentina Star, Aragon, Arlanza e Amazon. Franceses: Provence, Bretagne, Charles Tellier, Pasteur. Argentinos: Rio de La Plata, Rio Tunuyan, Alberto Dodero e Yapeyu. Estadunidenses: Brazil (com Z), Argentina e Uruguay, bem como os novos Brasil e Argentina de 1958. Japoneses: Brasil Maru e Argentina Maru. Espanhóis: Cabo San Vicente, Cabo San Roque e Monte Umbe. Holandeses Ruyz  e Tegelberg.
 
Esses transatlânticos, por segurança, sempre entravam e saíam com assistência dos práticos da barra, como eram chamados na época.


O inesquecível cisne branco Anna Nery, todo engalonado, na
época em que chegou em viagem inaugural, no início da década
de 1960. Acervo: Dimas Almada.

Neste artigo é contada uma passagem relatada pelo prático Gerson da Costa Fonseca, chamado na intimidade por seus familiares de GG, que está com 91 anos de idade, muito bem vividos por sinal. Ele trabalhou na Praticagem local por quase 40 anos. Nesse longo período foi eleito presidente da entidade em diversas ocasiões, nunca deixou de embarcar. Conheceu e manobrou todos os navios que vieram a Santos. Seu último embarque foi em 1979. Eis o relato de Gerson sobre a saída do célebre transatlântico francês Bretagne, gêmeo do Provence (mais tarde Enrico Costa).

“Um dos acontecimentos ocorridos comigo a bordo foi o seguinte: Na década de 1960 fui escalado para sair com o transatlântico francês Bretagne da armadora SGTM – Société Générale de Transports Maritimes, às 23 horas. Naquela época era comum a regularidade de muitos navios de passageiros para América do Sul. A média desses navios era de 5 por dia. Houve dias em que os navios cargueiros desatracavam para dar lugar aos passageiros, visto que a estadia dos navios de passageiros variava de 12 a 24 horas.


Passageiros a bordo do Bretagne rumo a uma excursão à Terra
Santa e Médio Oriente - 1962. Acervo: L. J. Giraud.

Fui sair com o Bretagne às 23 horas do Armazém 16, mas a saída sofreu atraso e só largou os cabos por volta das 24 horas, quando havia uma pequena névoa, quando repentinamente virou neblina. Com o auxílio do radar continuei a manobrar o navio rumo à barra, sem visibilidade, só pela tela do radar iniciei a saída no canal do porto, com máquina “devagar adiante” mais ou menos 5 nós.

Antes havia uma bóia pintada de preto que emitia lampejos de luz branca, chamada bóia do Tijucupava, onde hoje é o armazém 38. Vinha eu com atenção no radar, quando o mesmo pifou.


O transatlântico italiano Conte Biancamano (Italia di Navigazione),
que fazia par com o Conte Grande, navegando no canal de acesso do
Porto de Santos, por volta de 1950. Acervo: L.J. Giraud.

Causando alvoroço na ponte de comando. Vinha também no rumo indicado pela bússola, antes de iniciar a curva da linha das balsas do Guarujá, ordenei ao piloto que se colocasse na asa do passadiço por boreste (lado direito do navio) e verificasse se ocorria qualquer anormalidade por aquele bordo.

Eu fiquei por bombordo (lado esquerdo), para tentar visualizar a luz do farolete da Fortaleza da Barra (na Ponta da Praia) que ficava sobre uma pedra avançada ao norte da fortaleza. A minha preocupação era com os 600 passageiros a bordo, na maioria dormindo. O comandante e pilotos estavam tensos, eu tentando mostrar calma, suava frio.


O transatlântico português Vera Cruz, gêmeo do Santa Maria,
atracado no armazém de Bagagem do Porto de Santos. Era muito
popular em Santos. Sua última viagem para o Brasil foi em 28/03/1961. Postal raro. Acervo: L.J. Giraud.

Deus é Grande, no meio daquela neblina, sem saber em que posição o navio se encontrava no canal, quando para meu alívio, avistei o lampejo vermelho do farolete, o navio estava mais ou menos a 15 metros da pedra. Para finalizar essa passagem, naveguei mais meia milha no rumo que estava. Na altura da Praia do Góes a neblina desapareceu e tudo ficou claro, e a navegação prosseguiu no visual, como no tempo em que não existia o radar”.

* * * * * *

Essa é uma das muitas passagens do grande GG.


O fabuloso transatlântico britânico Andes, da Royal Mail Line, mais
conhecida como Mala Real Inglesa, está entre os mais belos navios que escalaram Santos nos anos dourados. Foi o maior navio de passageiros britânico usado na rota da costa Leste da América do Sul. Media 204
metros de comprimento e seu deslocamento era de 25.689 tons.
Em 1961, foi convertido para navio de cruzeiros. Foi desmantelado
em 1971. Acervo: L.J. Giraud.


O holandês Tjtjalengka da Royal Interocean Lines, fazia a linha do
Extremo Oriente via Cabo da Boa Esperança, seus navios iramão foram
o Ruyz e o Tegelberg. Eram represntados pela Agência Marítima
Martinelli, com escritório na Rua do Comércio com XV de Novembro.
Acervo: L.J. Giraud.


Flagrante de um embarque de passageiros no transatlântico
Federico C. Meados de 1965. A era dos navios de passageiros estava chegando ao seu final. Acervo: L. J. Giraud.

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