Por volta de 1998, o historiador Jaime Caldas, durante uma das visitas que me fazia no meu escritório de despachos aduaneiros, me contou uma passagem interessante das coisas do passado da nossa Cidade, que ficou gravado na minha memória.
O memorialista e historiador
Jaime Caldas é um dos
maiores conhecedores dos
acontecimentos ocorridos no
passado da Baixada Santista.
Foto: L. J. Giraud - 1998
Nos anos em que o principal meio de transporte de passageiros entre São Paulo e Santos era o trem, que partiam e chegavam através da estação ferroviária do Valongo, a São Paulo Railway, nos finais de semana e em feriados, as composições férreas chegavam lotadas de forasteiros, como eram chamados os turistas mais precisamente dos anos 20 aos anos 50. Muitos eram turistas de um dia, chegavam pela manhã e voltavam no final do dia, mais ou menos como vemos hoje na nossa estação rodoviária da Praça dos Andradas.
Havia uma outra categoria de turistas que vinha em trens mais luxuosos como o Estrela e o Cometa, tão lembrados nos livros do saudoso professor Nelson Salasar Marques, e ficavam hospedados nos hotéis de Santos, outros seguiam para o Guarujá, onde ficavam no Hotel de La Plage, o Grande Hotel do Guarujá, que se diga de passagem, era o maior rival do nosso sempre lembrado Parque Balneário Hotel. Mas voltando ao que Jaime Caldas contou, o que mais chamava a atenção era o grande número de pessoas que desciam a Rua do Comércio em direção às praças Rui Barbosa e Mauá, para apanharem os bondes que seguiam em direção às praias, cujo destino eram as famosas cabines de banho alugadas para os forasteiros, que passavam o domingo na praia na companhia de seus familiares.
Num dos relatos de Jaime Caldas, ele lembrou dos forasteiros que
passavam um dia em Santos, aproveitando suas praias. Vinham de
trem e alugavam cabines entre a praia do Gonzaga e do José Menino.
Tanto os homens como as mulheres, vinham devidamente trajados,
como mostra a foto. – 1933. Acervo: L. J. Giraud
Vale lembrar que as classes mais favorecidas da capital e do interior, passavam os meses de Verão em hotéis que deixaram seus nomes gravados na história santista, entre eles o já mencionado Parque Balneário Hotel, Atlântico Hotel, Hotel Belvedére, Hotel dos Bandeirantes, Hotel Avenida Palace e Palace Hotel, entre muitos outros. Havia também grande número de pensões que também viviam lotadas nesse período.
A diminuição dos hóspedes de Verão era compensada pelos frequentadores dos cassinos existentes na Cidade como o Cassino Atlântico, Cassino do Monte Serrat, Palace Hotel e do Parque Balneário. Portanto, sempre houve uma respeitável movimentação de visitantes na região.
Com a proibição do jogo, em 1946, pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, com a construção de prédios de apartamentos de temporada, o movimento dos hotéis foi diminuindo até que muitos, não suportando a somatória desses dois fatores, fecharam suas portas, como no caso do Belvedére, dos Bandeirantes e do Palace Hotel, que cederam seus espaços para edifícios.
A Cidade de Santos possuía hotéis e cassinos famosos que
atraíam pessoas de várias localidades do Estado de São Paulo
e de outras partes do Brasil. A foto mostra o antigo Parque
Balneário Hotel que abrigava um dos cassinos mais requintados.
Pertenceu à família Fraccaroli. – 1938. Acervo: L. J. Giraud
Com isso quero dizer que não entendo como Santos ficou estagnada no campo do turismo por vários anos, embora tendo vários recursos próprios de uma cidade turística cujo principal atrativo são as praias, tão aproveitadas para o seu desenvolvimento por outras cidades, como foi o caso de Recife, Fortaleza, Salvador. Felizmente, as últimas administrações da Cidade conseguiram levantar o nome de Santos no cenário brasileiro, com a revitalização do Centro Histórico, com a volta do bondinho turístico, danceterias, restaurantes e muitas outras atrações como o Mirante do Cassino do Monte Serrat, os transatlânticos que fazem de Santos a capital dos cruzeiros marítimos no Brasil.
Tudo isso sem deixar de lembrar da superatração que teremos num curto espaço de tempo, que é o complexo turístico, náutico e empresarial, conhecido como Marina Porto de Santos (Ver o artigo: A Faixa do Valongo no Porto de Santos) – que será uma das maiores recuperações urbanas de áreas portuárias do Brasil, além de ser uma grande e maravilhosa atração, com lojas e restaurantes, além de um Píer para atracação de dois navios de turismo simultaneamente.
O cartão-postal do início dos anos 50 mostra uma das grandes
atrações de Santos, as praias, aqui aparecendo as praias do Gonzaga e
do José Menino. Um detalhe, havia poucos edifícios de apartamentos
na orla da praia, até que foram surgindo paulatinamente até ocuparem
os lugares dos hotéis. Acervo: L. J. Giraud
Vamos nos orgulhar das maravilhas que temos a oferecer na atividade de turismo, pois nossa Cidade tem os melhores hotéis, restaurantes, bares, shoppings e diversão para todos os gostos, além das praias que estão entre as mais belas do Brasil, sem deixar de mencionar o nosso glorioso Santos Futebol Clube, que juntamente com o café, tornou a Cidade mais conhecida mundialmente.
O tempo para nossa alegria já está recuperado, mas provavelmente, se os nossos dirigentes tivessem lido atentamente o artigo A Grande Atração da Cidade do grande jornalista Francisco de Azevedo, criador do Porto & Mar de A Tribuna, em 1952, talvez as coisas tivessem sido outras. Eis o artigo publicado no conhecido jornal em 21 de julho de 1953:
A Grande Atração da Cidade
Ao lado da praia, o porto é a grande atração de Santos. Atração permanente, mesmo para seus velhos conhecedores. O porto é, como o mar, o eterno espetáculo e multidões, e, por isso, se queremos atrair turistas, vem a propósito dizer, devemos fazê-lo, tendo sempre em vista o porto e o mar como sedução dos olhos e dos espíritos.
“Ao lado da praia, o porto é a grande atração de Santos.
Atração permanente, mesmo para seus velhos conhecedores.
O porto é, como o mar, o eterno espetáculo e multidões, e,
por isso, se queremos atrair turistas, vem a propósito dizer,
devemos fazê-lo, tendo sempre em vista o porto e o mar
como sedução dos olhos e dos espíritos”. (Francisco de
Azevedo). O cartão-postal do final dos anos 30, mostra os dois
lados da Cidade: o porto e a praia. Acervo: L. J. Giraud
As cidades marítimas, as cidades portuárias ou balneárias não precisam contar com outros meios de atração que os da sua condição natural, acrescida apenas dos recursos que levam os seus visitantes ao cômodo e seguro desfrute dos bens que lhes podem proporcionar. Se o mar é uma fascinação perene, inclusive para os marítimos, o porto é outra cena para a qual nunca existem espectadores cansados ou aborrecidos.
Temos as provas diárias da afluência de forasteiros ao cais na ânsia indisfarçável de ver navios. Ver navios! Acaso, só grandes navios? Não, qualquer navio é um espetáculo, seja atracado, fundeado ou navegando pelas águas do estuário ou pela amplitude da barra. Se um Augustus, falando de um navio de passageiros, atrai um exército de contempladores em todas as suas viagens, também um Carl Hoepke, um Itaberá despertam a mesma enorme curiosidade dos enamorados dos portos.
O transatlântico italiano Augustus atraía um grande número de
espectadores nas suas passagens pelo porto de Santos, que foi dos
anos 50 a meados dos anos 70. Mais ou menos como hoje quando vemos
a passagem de um navio de cruzeiro marítimo. – 1953. Foto: José Dias
Herrera - Acervo: L. J. Giraud
Também no convite às viagens que nos dirigem todos os ancoradouros, está outra razão de ser do fascínio exercido por este sobre todos os homens. Quem não pode aceitá-lo, contenta-se em recebê-lo à beira do cais, assistindo ao mesmo tempo outros que podem partir e outros que podem voltar.
O navio Itaberá da Companhia Nacional de Navegação Costeira
também tinha um grande exército de admiradores que causava a mesma
sensação nos admiradores das coisas do porto. Acervo: L. J. Giraud
Para os que partem, agitam-se as mãos, sugerindo vôos que, se não se cumprem agora, se cumprirão depois; para os que chegam, braços comprimem corpos como se comprimissem viagens que se querem assegurar no futuro. Com a mesma fome insaciável de ver partir, de ver chegar navios de todos os mares da terra. Consolação dos que não podem viajar. Mas, também, supremo prazer dos que o podem.
Pois que a atração do mar, do porto, do navio, é uma atração de invariável e permanente poder, tanto para os olhos e corações virgens dos três espetáculos, como para os olhos e os corações que já são velhos frequentadores deles...
Terminando, ressalto que ler o Porto & Mar da época de Francisco de Azevedo era muito interessante devido ao grande número de ilustrações e informações, bem diferente de hoje que somos bombardeados por muito mais informações das diversas revistas sobre o tema portos e navios que vão além do necessário.