Alguma coisa está fora de ordem,
Fora da nova ordem mundial...”
[“Fora da Ordem”- Caetano Veloso]
Pontos chaves: 1) Calado e dragagem são temas recorrentes; particularmente no Porto de Santos. Mais uma vez foi o centro dos debates na “Santos Export/2014”. 2) Parece que “alguma coisa está fora de ordem...” no debate! Santos tem quase 2 séculos de experiências em dragagem! 3) Será que não seria o caso de se recolocar toda a discussão, desde suas premissas; inclusive questionando o próprio modelo, a abordagem, o processo decisório, decisório, a forma de gerenciamento, etc? |
O tema já dominara a sessão de abertura na tarde do dia anterior (12/AGO): O Vice-Presidente da República, impactado pela informação de que “os rios trazem lama para o canal”, havia “lembrado do risco” e “alertado para o assoreamento” (“O ministro deve dar prioridade ao Porto de Santos e ficar atento para que possa manter a metragem suficiente para o calado, que vai diminuindo a cada período”).
O Ministro dos Portos, desdobrando a orientação, já havia discorrido sobre dragagem e profundidade, apresentado dados, falado de complexos processos e cronogramas, lembrado de sua recente e exitosa experiência à frente do Ministério dos Transportes, e procurado tranquilizar a plateia, atenta e inquieta: “A determinação é manter o calado de Santos e não retroceder jamais. É avançarmos, mantendo o calado, e aprofundarmos sempre que pudermos”.
A edição de “A Tribuna” (promotora do evento), circulando desde cedo naquele fatídico 13/AGO, estampava em sua manchete principal: “Governo faz pacto pela dragagem do Porto”.
Agora, enquanto se aguardava a chegada do candidato Eduardo Campos, incluído de última hora para uma palestra especial (frustrada pelo trágico acidente aéreo e pela comoção gerada!), um painel plural, com representantes do primeiro escalão do poder público e da iniciativa privada, esmiuçavam o tema: Esclarecia-se (mais uma vez!) a diferença entre calado e profundidade; os efeitos da maré e das ressacas; o impacto que cada 1 cm a menos traz para navios conteneiros e graneleiros; os prejuízos que isso significa (“83,3 mil horas de atrasos para atracar e desatracar nos portos nacionais em 2013, com prejuízo conjunto de US$ 175 milhões”, segundo a Centronave; “equivalente a 10 navios porta-contêineres parados durante 365 dias”!); o aumento do assoreamento decorrente do aprofundamento para 15 metros (dobrou; de 3 para 6 milhões de m3/ano!). Explicavam-se as dificuldades para se licenciar um plano de dragagem; a atuação do TCU e MP e as dificuldades para se licitar e contratar no Brasil, incluindo a imprevisibilidade gerada pela habitual judicialização de processos.
Apesar de todas as mesuras, um estrangeiro não iniciado na nossa cultura (na qual a “fulanização” dos debates é álibi no bolso do coletes!), e que estivesse na numerosa plateia, ficaria confuso: Enquanto os representantes do poder público prestavam contas do seus (reais!) esforços e providências, detalhando aspectos corriqueiros dos processos e atos de gestão, os do setor privado, batiam na tecla da falta de transparência e de previsibilidade: “Pergunto quando poderemos atracar um navio de 14.000 TEUs (contêineres); e não tenho resposta”; disse, por mais de uma vez, o representante dos armadores (Centronave)... que, mais uma vez, saiu sem resposta! Nota: Essa disputa por “De quem é a responsabilidade? Quem paga a conta? Quem se beneficia?”, entre armadores (que buscam aumentar o porte dos navios) X portos (que precisam prover a infraestrutura) não é recente nem privilégio brasileiro!
... o pior é que, aparentemente, todos tinham razão!
Só não se consegue entender a surpresa que, como gordura no cupim do churrasco, permeia algumas das intervenções:
O Porto de Santos tem quase 2 séculos de dragagens; pelo menos 122 anos de processos estruturados. No início do Século XIX a maior parte do que hoje é seu canal tinha 4, 3 e até 2 metros de profundidade. Ou seja: Ele é praticamente todo artificial! Se existe hoje é porque muita e contínua dragagem vem sendo feita ao longo de décadas. Há muito conhecimento acumulado; dados e registros em longa série histórica; experiências exitosas e erros de onde se aprendeu muito. O Porto já chegou a ter dragas próprias e equipamentos acessórios. Boa parte das tecnologias existentes já foram nele utilizadas. Enfim: Por que a surpresa? Por que esse ar de novidade; de “estamos inventando a vida como se antes nada existisse”? (Taiguara). Ou de “daqui pra frente tudo será diferente”? (Roberto Carlos).
Por isso que a constatação de Caetano, também nesse caso, é bem apropriada: “Alguma coisa está fora de ordem...”!
A bem da verdade, a própria existência de tal painel é um (mau) sintoma: Faz sentido envolver tão altas autoridades, submeter um público de mais de 500, talvez 700 participantes tão qualificados, dedicar tempo de um espaço tão privilegiado para remoer e tratar de questões recorrentes; muitas das quais que poderiam/deveriam ser resolvidas no 2º ou 3º escalão?
A pergunta acaba sendo quase retórica: Se há interesse, se há demanda (pelo debate); razão certamente existe!
E o pior é que debates congêneres ocorreram no último ano; nos últimos 5; últimos 10; últimos 15 anos ... A expectativa com um novo modelo, introduzido em 2007 (e ratificado pela “Nova Lei dos Portos”), era muito grande mas, pelo que se ouviu, parece que o quadro pouco mudou (alguns acham, até, que agravou-se!). Tais discussões estão presentes, também, em quase todos os eventos que trata de portos e de logística; em quase todas as reuniões de CAP (que, em Santos, tem até uma comissão especial e permanente!):
É triste, é duro constatar-se que, quando não são as “surpresas” da natureza é a falta de recursos; quando há recursos não há projeto; quando há projeto o licenciamento ambiental não sai; quando sai a licença o problema é a liberação do edital; quando “destravado” o processo no TCU é a entrada em cena do MP e/ou a judicialização do certame; quando tudo liberado não ha licitantes (e tem-se que cancelá-lo; fazer contratos emergenciais)... E assim nos enredamos todos; como no labirinto do minotauro: A lembrança daquela clássica piada do inferno brasileiro, infelizmente, é inevitável!
Nessa situação, não seria o caso de uma ampla, profunda e humilde re-reflexão? Será que podemos descartar o brado de Ivan Lins? (“Começar de novo...” ). Não seria o caso de se recolocar toda a discussão, desde suas premissas; inclusive questionando o próprio modelo, a abordagem, o processo decisório, a forma de gerenciamento, etc?
... pois, sabe-se, calado, para um porto, é como farinha de trigo para o padeiro!
P.S: Que tal evitarmos termos como “situação”, “prioridade”, “preocupação”, “desafio”...? Aparentam dizer muito; mas em geral pouco significam. Que tal utilizar, em seus lugares, compromissos, metas quantificadas, responsabilidades atribuídas: A objetividade e a previsibilidade agradecem!