“Minha dor é perceber que
apesar de termos feito tudo que fizemos,
Ainda somos os mesmos e vivemos,
Como nossos pais”.
(Belchior/Elis: “Como nossos pais”)
“Olho e não vejo nada…”
(Mutantes: “Ando meio desligado”)
“Meu tempo, poeta, não é do seu tempo:
É outra a nossa canção”.
(Toquinho: “Meu Tempo e Castro Alves”)
Um comandante de navio aposentado, que tivesse ficado sem vir a Santos por 20, 30 anos, ao retornar para matar a saudade, ante o colar de navios iluminados ao largo, que inspiraram e deu título ao clássico romance (01, 02) de Ranulpho Prata, poderia remoer com seus botões: “Puxa... continuam as mesmas filas de navio: Nada mudou!”. E até poderia acrescentar: “Só que, agora, há, também, filas e congestionamentos de caminhões (01, 02, 03)”... como na maioria dos importantes portos brasileiros; particularmente do sul e sudeste. Quem poderia contrariá-lo?
Como impressão, inquestionável! Mas uma constatação pouco útil para aqueles que se interessam em enfrentar o problema; ou, principalmente, para os que têm responsabilidades por buscar soluções.
Antes de mais nada, o Porto hoje, movimentando mais de 100 milhões de t/ano, é 3, 4 vezes maior que o daquela época. Alias, como referencia, a movimentação de carga que se pretende acrescentar com os arrendamentos desse primeiro lote (recém submetido a Audiência Pública), é da mesma ordem de grandeza (25 a 30 milhões t/ano) de tudo que o Porto movimentava à época! Ou seja, quantitativamente, o Porto, hoje, é um outro porto (01, 02).
Foto: Carlos Nogueira/A Tribuna
Congestionamento no acesso aos terminais próximos à Ponta da Praia
Além disso, o porto de então ainda era um clássico “tool-port”; uma “concessão-monopolista” como desde o Século XIX (não um “land-lord port”; uma PPP implícita). Todavia, agora, um monopólio estatal (CODESP), que substituíra a CDS. Um porto que funcionava em horário administrativo público e com turnos desencontrados entre capatazia e estiva (ainda não fora implantado o turno contínuo de 6 horas, coincidente entre ambas; para funcionamento 24 X 7). A carga tinha que ser armazenada quase que totalmente no próprio Porto (ainda não havia o DTAs). Os equipamentos de cais estavam tecnologicamente defasados e poucos eram os sistemas automatizados. Novas infraestruturas (TECON, TEFER, atual-TECONDI, etc.) eram obras inconclusas que se arrastavam por anos.
Enfim, as produtividades nos berços de 8 contêineres/hora (ao invés da atual de 100!) e 100 t/hora para os granéis (versus a atual de 2.500; 3.000!) tinham suas razões... Daí porque as reformas que precisaram ser empreendidas, impulsionadas pela “Lei dos Portos” de 1993, tiveram como foco quase que exclusivamente a beira do cais; o “waterfront”. E, mais especificamente, a mecanização, automação e ações organizativas para aproveitar a ociosidade estrutural da infraestrutura; dado que esta operava com baixa produtividade. No linguajar do economês, os investimentos feitos eram essencialmente “investimentos marginais”.
Um exemplo disso foram as implantações do “Porto 24 horas” e do turno contínuo de 6 horas, em 1996: Com eles o período operacional do Porto passou de apenas 54 para 144 a 168 horas/semana (32 para 86-100%). É como se, para cada 3 berços então existentes, tivessem sido “implantados” 5 novos... e melhor, de imediato e de graça.
Hoje está mais claro que a estratégia e o modelo adotado naquela etapa das reformas, ainda que também com equívocos e erros, foram capazes de enfrentar eficazmente os problemas e desafios postos à época... tal como se apresentavam - algo bastante abordado nas AP e debates da Comissão da Câmara que analisou a MP-595. Mas isso não significa que a mera repetição daquela estratégia e modelo (foco no “waterfront” e nos terminais, de per si; exigência quase que só de “investimentos marginais”; etc) seja adequada/suficiente para os desafios do momento: Não!
Alias, de alguma forma, aquelas reformas e medidas implementadas podem até ser responsabilizadas como uma das causas dos congestionamentos hoje existentes em terra. Dialética e, talvez, ironicamente, as soluções dadas aos problemas daquela época em muito contribuíram para os congestionamentos (rodoviário + ferroviário) atuais – que passou a ser a prioridade nº 1 do momento.... Enfim, para os problemas atuais!
Investimentos em terminais, lógico, são necessários: Em mecanização, automação e processos sempre, continuamente. Mas, agora, também em infraestrutura; seja porque a “ociosidade estrutural” foi praticamente eliminada, seja porque muitas das infraestruturas foram se tornando obsoletas ante novas tecnologias e o aumento da dimensão e do calado demandado pelos novos navios. Por outro lado, já é hoje quase um consenso (como se observou na AP de 30/AGO passado) que investimentos nos terminais, apenas, podem lograr resultados sub-ótimos caso a carga não consiga de/para eles fluir eficientemente. Dito de outra forma:
• Não há um problema portuário e outro problema de acessos: há um problema logístico... e só tratado assim, conjunta e integradamente, há alguma probabilidade de sucesso.
• Não há uma questão de infraestrutura (investimentos) e outra organizacional, operacional, etc: De novo; só tratados holisticamente (como gostam muitos!) será possível minimizar o acaso e aumentar a controlabilidade e previsibilidade do processo. Só assim há esperança para um “choque de oferta” efetivo (o apanágio do momento!); e será possível maximizar resultados (qualidade, desempenho, capacidade) e reduzir custos.
• Não se deve colocar a “venda de ativos” à frente de soluções logisticamente integradas. Menos, ainda, comprometê-las. E, é claro, soluções que precisam transcender a discursos, powerpoint e seminários; soluções que sejam consubstanciadas em compromissos. Compromissos, registre-se, públicos e privados; para os quais o processo de licitação e/ou prorrogação de contratos de arrendamento, em curso, é um momento precioso.
Por isso, seja em função das razões/interesses empresariais da ADM (que invoca seu direito de prorrogar o contrato do terminal da Ponta da Praia); seja das da Prefeitura e da CM de Santos (questionando a manutenção de granéis na região), faz todo o sentido a decisão do Governo Federal de repensar a modelagem dos terminais ali localizados: É um primeiro passo e uma esperança de que outros venham a ser dados para aperfeiçoá-la como, por exemplo, a alteração do critério de julgamento.
Também muito oportuna a iniciativa da Univ. St. Cecília. O seminário “Acessibilidade ao Porto de Santos”, hoje e amanhã. Dele se espera, além de diagnósticos (mais que feitos!) e ideias/projetos (muitos engavetados há anos!), indicações de instrumentos e caminhos para que o planejado aconteça... efetivamente e com celeridade.