Criador e editor do site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro
Agência Nacional de transportes Aquaviários (ANTAQ) ignora Lei dos Portos e a Lei de Concessões e, através de mais um "deslize regulatório", resultante de suas interpretações “equivocadas” das normas, cria uma espécie de privatização ilegal dos portos organizados, considerados bens públicos, suprime direitos, prejudica usuários e investidores.
Quem deveria zelar pela modicidade de tarifas e preços, defendendo os interesses dos usuários, um dos pilares do novo Marco Regulatório dos portos e da Lei de Concessões, é justamente quem está dando uma verdadeira “banana” para as Leis do país e para os seus importadores, exportadores e investidores. Estamos falando, é claro, da ANTAQ que, através de suas interpretações (i)legais, que não encontram a menor relação com o ordenamento jurídico brasileiro, contribui sobremaneira para fazer a reforma Portuário escorrer pelo ralo.
Como deriva do serviço público prestado no porto organizado, a arrendamento portuário deve obediência aos princípios do art. 6º da Lei de Concessões, tal como determina o art. 66 da Lei dos Portos, bem como o direito de ser remunerado por tarifa, na forma da proposta comercial vencedora na licitação. Além disso, o arrendatário se submete a uma série de obrigações típicas de serviço público, como não discriminar usuário, continuidade, eficiência, generalidade e modicidade tarifária, fortalecendo a segurança jurídica e o ambiente competitivo em torno do contrato, corrigindo vícios do modelo privado e aumentando a efetividade da Constituição que elegeu a atividade portuária como serviço público.
Nos títulos dos seus diversos artigos, que tratam de regulação do setor portuário no Brasil, pontualmente, após entrada em vigor no Novo Marco Regulatório dos portos, o Advogado Osvaldo Agripino, um dos maiores especialistas em regulação do Brasil, sempre pergunta: REFORMA PORTUÁRIA PARA QUEM? Depois das recentes declarações da ANTAQ, das sucessivas interpretações “equivocadas” das normas pátrias, curiosamente, sempre favoráveis aos melhores interesses dos prestadores de serviços, dos absurdos que temos assistido no setor, como por exemplo, baixa qualidade dos serviços, cobranças ilegais, aumentos e reajustes abusivos de preços e tarifas sem punição e com premiação de condutas oportunistas, concluímos que essa tal Reforma Portuária foi feita apenas para os terminais, na medida certa para detonar de uma vez por todas os direitos dos usuários exportadores e importadores brasileiros. Para quem quiser confirmar a nossa afirmação, basta clicar aqui e aqui e ler as Resoluções n°.s. 3.707 e 3.708, de 17 de outubro de 2014, ambas em audiência Pública.
A ANTAQ vem defendendo, há muito tempo, que os terminais arrendatários praticam preços privados e não tarifas, querendo privatizar forçadamente os nossos portos organizados, bens públicos. Em recente matéria publicada no jornal Valor Econômico (clique aqui), a Agência Reguladora bateu o martelo e confirmou que os terminais arrendatários praticam preços privados, e não mais tarifas, e que a diferenciação agora está clara. Resta saber para quem esta diferenciação está clara!
Ironicamente, a Lei n. 12.815/2013 determina que o contrato de arrendamento é instrumento de outorga de serviço público, inclusive dispondo que esse contrato deve ter as mesmas cláusulas essenciais da concessão de serviço público portuário (art. 5º), e ampliou o regime tarifário para incluir o arrendamento (inciso IV), que inexistia na Lei dos Portos revogada. Isso foi feito justamente para aumentar a segurança jurídica do investidor e do usuário, por meio da garantia do equilíbrio econômico-financeiro, da revisão de tarifas e da política tarifária.
Infelizmente, na visão dos que pagam a conta, sejam dos usuários, sejam dos cidadãos consumidores que sentirão os efeitos de um mercado desregulado nas prateleiras das farmácias e supermercados, a diferenciação criada pela ANTAQ não está clara, pelo contrário, está muito obscura. Como é possível Tarifa (espécie de Preço Público), algo consolidado na Constituição Federal e nas Leis, que devem ser praticadas pelos terminais arrendatários de instalações dentro dos portos organizados (bens públicos), que passaram processo de licitação pública em que a menor tarifa é uma das determinantes, virar Preço Privado? Infelizmente, o Brasil, que já sofre há anos pagando o custo ANTAQ, passa a sofrer agora os efeitos do planeta ANTAQ, um mundo sombrio de interpretações das normas, sempre em prejuízo do interesse público e em total dissonância com e realidade jurídica brasileira.
Vejamos, então, a realidade do Brasil que, definitivamente, não é a mesma do Planeta ANTAQ:
O § 1° do Art. 1° da Lei 12.815/13 determina que a exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem público. Já em seu Art. 4° a Lei é cristalina ao determinar que a concessão e o arrendamento de bem público destinado à atividade portuária serão realizados mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto na própria Lei e no seu regulamento. Já o Art. 6° é claro demais ao determinar que, nas licitações dos contratos de concessão e arrendamento, serão considerados como critérios para julgamento, de forma isolada ou combinada, a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga, e outros estabelecidos no edital, na forma do regulamento. Dando continuidade ao raciocínio, que é o do legislador e não nosso, está evidente na Lei 12.815/13, no Art. 5° Inciso V, que são essenciais aos contratos de concessão e arrendamento as cláusulas relativas ao valor do contrato, às tarifas praticadas e aos critérios e procedimentos de revisão e reajuste.
Existe uma discussão que, tanto a ANTAQ, quanto os terminais, gostam de trazer para confundir algo que é de fácil solução. Na verdade, essa confusão proposital visa, tão somente, criar um ambiente nebuloso para que a Agência consiga criar um arcabouço jurídico próprio, com base em interpretações (i)legais, totalmente prejudiciais ao interesse público. Nessa manobra, que de inteligente nada tem, cria-se a seguinte discussão: Os terminais arrendatários prestam serviços públicos, ou não? Se a resposta for sim, eles praticam tarifas e todos os reajustes e revisões de equilíbrio econômico dos contratos devem ser homologadas. Se a resposta for não, os terminais praticam preços privados e estão livres para cobrar o que bem entenderem dos usuários e majorar os valores dos seus serviços também da forma que bem entenderem. Essa discussão, aliada à tese de que os preços devem ser livres para que haja concorrência, e que tem o intuito apenas de desviar o foco do que determina a Lei 12.815/13, é muito conveniente para os terminais, pois abre margens para discussões infindáveis. Porém, ela é totalmente sem sentido e não deve ser considerada para determinar se arrendatário pratica tarifa, ou preço privado. Trata-se de uma política "lobo em pele de cordeiro", de mais uma jabuticaba no modelo regulatório do setor portuário, que viola explicitamente a Constituição Federal e o regime jurídico do serviço público que deve observar a política tarifária e os direitos dos usuários (art. 175, parágrafo único, incisos II e III, da Constituição)
Avaliando a Lei 12.815/13, em nenhum momento, o legislador condiciona tarifa à prestação de serviço público, ou não. Pelo contrário, o legislador é extremamente claro e objetivo ao afirmar que arrendatário de bem público tem que ser o vencedor de um processo licitatório e a menor tarifa é um dos critérios fundamentais. Simples, direto, cristalino e seco. Não dá margem para qualquer tipo de interpretação, pois está em letra de Lei. De atos ilegais não podem emanar consequências legais, pois os corolários jurídicos de um ato ilegal são a sua nulidade e as responsabilidades política e penal do seu autor. O ato ilícito do Estado regulador, por meio dos seus agentes públicos, equivale ao ato não feito, pois nulo desde a origem.
Está claro que esse delírio do regulador se rebela contra a supremacia da Constituição e do regime jurídico que regula o serviço público, esse ato (arrendamento não presta serviço público e, portanto, cobra preço privado), é perigoso, desorganizador, e produzirá consequências desastrosas aos direitos dos usuários e ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de arrendamento, prejudicando investidores. Aliás, a Constituição Federal, para ANTAQ, é algo facilmente ignorável, que só serve para atrapalhar e burocratizar.
Ora, se a Lei fala que um dos fatores determinantes para se vencer a licitação de um bem público é a menor tarifa, isso quer dizer que o vencedor, o arrendatário, não pode cobrar um centavo sequer além do que foi ofertado no processo licitatório, sem que exista, nos termos do Inciso VII do Art. 27 da Lei 10.233/2001, homologação da agência reguladora. Aqui cabe uma pergunta: Está escrito na norma que tarifas são praticadas apenas para as concessões publicas, ou seja, apenas para as Cias. Docas e Administrações Portuárias? Não. Pois, lendo a Lei 12.815/13, verificamos que o legislador, para efeito de pratica de tarifa, coloca contrato de concessão e de arrendamento no mesmo patamar. Quem fez essa diferenciação foi a ANTAQ, agredindo tudo que versa sobre o tema no ordenamento jurídico.
Essa interpretação dissonante da ANTAQ, contrariando as normas pátrias, afirmando que arrendatário de bem público pratica preço privado, será a grande responsável por fazer escorrer pelo ralo a mínima esperança de modicidade tarifária na Reforma Portuária. Um exemplo do que estamos afirmando foi o caso dos reajustes abusivos de tarifas da Libra Rio no inicio do ano. E qual foi à justificativa do terminal para aumentar suas tarifas em até 490%? Justamente o fato de praticarem Preço Privado e não Tarifa, afirmando que tinham total liberdade para tal, usando uma Resolução da ANTAQ como base legal. Temos. E o escárnio com as normas não para por aí: Quando questionado sobre os motivos que levaram a ANTAQ a não comunicar ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) a atitude da arrendatária Libra Rio, o Diretor-geral da Agência, mais uma vez interpretando a Lei em desfavor dos usuários, afirmou que, pelo fato de a arrendatária ter cumprido a determinação da ANTAQ, que o objeto foi perdido, comentando ainda que a denúncia feita pelo UPRJ ao CADE teria caráter meramente educativo. Vejam o que determina o Art. 31 da Lei 10.233/2001 e tirem suas próprias conclusões. Notem que a Agência não só tomou conhecimento, como reconheceu a abusividade do reajuste, determinando a sua redução de forma drástica, de 490% para 10% por período:
Art. 31. A Agência, ao tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, conforme o caso.
O pior de tudo é o péssimo exemplo que fica: A Libra Rio cometeu grave infração à ordem econômica, não foi punida e ainda saiu com a vantagem de obter um reajuste de até 40% sobre as suas tarifas, quando o seu contrato de arrendamento determina que o índice de reajuste seja o IGP-M, que foi de 10% no período. Uma ilegalidade bancada pela ANTAQ que rasgou as leis e o próprio contrato de arrendamento do terminal.
Dentro desse contexto de interpretações esdrúxulas, a ANTAQ também defende, fazendo aquela confusão com prestação de serviço público, ou não, que o operador portuário qualificado, descaracterizaria a prestação de serviço público e, por isso, pode ficar livre para praticar preço privado. Todavia, se esquece que o operador portuário está atuando dentro de um arrendamento de bem público, cujo arrendatário passou por processo de licitação pública e que, mesmo não sendo o próprio arrendatário a figura do operador portuário, os valores praticados ali dentro, que devem ser pagos pelos usuários, são tarifas. Não há a menor hipótese de se desvincular o contrato de arrendamento de bem público dos princípios legais que regem a concessão pública, como tem feito a ANTAQ, em desfavor dos usuários.
Chegamos, então, a conclusão de que, para a ANTAQ, licitação pública é só enfeite, serve apenas para “encher linguiça”, porque, depois que o arrendatário vencedor cumprir os preceitos definidos de menor tarifa, quando assinar o contrato de arrendamento, ganha a sua carta de alforria do controle tarifário e fica livre para praticar preços privados e cobrar aquilo que bem entender dos usuários, sob o discurso da retórica regulatória da livre iniciativa e da livre concorrência que, na cabeça do regulador, não devem observar a modicidade tarifária e aumentar os valores como bem entender, ou seja, uma piada. Temos conosco que, em um futuro não tão distante, a licitação pública para contratos de arrendamento será obrigatória, até dia em que a ANTAQ tirar da cartola mais uma de suas interpretações da norma e definir que não há necessidade de tal rito.
A divulgada política de "Choque de Oferta", defendida pelos Diretores Fernando Fonseca e Mario Povia, com a atração de investimentos privados, inclusive para arrendamentos portuários, vai ficando para trás com a violação do regime jurídico público do arrendamento portuário, tal como se verifica com a política em andamento. Isso se dá no setor portuário, que é um mercado com estrutura hostil à autorregulação, de modo que exige uma intervenção rigorosa e permanente para defesa dos interesses dos investidores e dos usuários.
A ANTAQ faz questão de fazer suas interpretações do ordenamento jurídico brasileiro, fazendo valer aquilo que ela entende e não exatamente o que determina a Constituição Federal e as Leis. A insegurança jurídica com essas sistêmicas e “equivocadas” interpretações da Agência, é enorme. Não basta a lei de forma clara determinar algo. Todos precisam esperar a interpretação da ANTAQ, como se somente a ela coubesse o condão de se fazer cumprir as leis. É um absurdo. Isso torna o Brasil arriscado para os brasileiros e para os investidores estrangeiros. A Agência aperta demais de um lado, chegando ao intervencionismo, como no caso da Audiência Pública 02/14 (em curso), que objetiva aprovar proposta de norma para disciplinar o afretamento de embarcação por empresa brasileira de navegação marítima. Também por interpretação, a Agência, de outro lado, acaba sendo omissa, como nos casos de faltas de outorgas de autorização dos armadores estrangeiros, que a ANTAQ interpreta Constituição Federal, a Lei 10.233/2001 e o Código Civil não determinam esse procedimento, ao contrário do Ministério público Federal (MPF) que converteu a denúncia em Inquérito Civil Público por ver ilegalidade evidente. Da mesma forma, quando decidiu entregar os serviços portuários que compreendem o THC aos armadores, inclusive os estrangeiros ilegais no país, pisando nos usuários e na modicidade tarifária que, como bem entendeu o Tribunal de Contas da União (TCU), coloca em risco uma dos pilares da Lei 12.815 e da Lei das Concessões.
O legislador buscou zelar pela modicidade tarifária, um dos pilares da Reforma portuária e da Lei de Concessões. Todavia, quis o destino que tivesse no meio do caminho não uma Agência Reguladora, mas sim, uma Agência Interpretadora e Descumpridora da Constituição e das Leis.
Se a ANTAQ insistir nessa sua tese de que os arrendatários não devem praticar tarifas, mas sim preços privados, criando uma espécie de privatização ilegal dos nossos portos públicos, veremos a regulação sair da sua competência e passar para o poder de outros órgãos, tais como MPF, TCU e CADE.