Quinta, 18 Abril 2024

Escrevo desde Navegantes, Santa Catarina, cidade que divide terminais do porto de Itajaí com a cidade vizinha. Junto com o poeta e editor Ademir Demarchi, criador da editora artesanal Sereia Ca(n)tadora, e a jornalista Ana D’Angelo, da editora Dulcineia Catadora, fui convidado para falar sobre a experiência das editoras cartoneras, em que livros são feitos com capas de papelão (cartón é papelão em espanhol) tirado das ruas por catadores ou pelos próprios escritores.

Estamos aqui dentro da programação do Contém Leitura, série de atividades que começou em 12 de março e se desenvolve até 19 de abril com palestras, debates, rodas de leitura e contação de histórias. O Contém Leitura faz parte do Contém Cultura, do Instituto Caracol, espaço cultural composto pela Sala de Leitura Vicente Cechelero, Cine Clube Divineia, Galeria Caracol e um espaço de leitura e convivência, além de oficinas artísticas e a oficina da editora cartonera Dengo-Dengo. A pessoa à frente dessa empreitada cultural é o poeta Cristiano Moreira.

Os nomes Contém Leitura e Contém Cultura são referências diretas aos contêineres do porto que une as duas cidades. Além de mercadorias, a ideia é que ele transporte também cultura. Tudo isso é concretizado em um contêiner móvel que, após Navegantes, tem circulado por cidades da região, levando artistas, filmes e oficinas para crianças e jovens desses municípios. Deu muita inveja que um projeto dessa dimensão e simbolismo não ocorresse em Santos, onde nos orgulhamos de ter o maior porto do Brasil e superlativos semelhantes.

Literatura e enchentes
Além do porto, outra semelhança entre estas duas esquinas do mundo é a chuva que costuma causar estragos.

Queria aqui dividir a descoberta de, para mim, um novo autor, Daniel Rosa dos Santos, que, em seu primeiro livro, “Quando cai um rio do céu”, de 2011, mostra o desastre da enchente como estopim para a sordidez e o egoísmo, como em “Folguinha”:

Vou esperar um mês, se não der com as caras, arrumo outra e fico com o som e a TV pra mim – as roupas e os CDs da Alanis eu jogo fora, ou melhor, queimo para exorcizar. Será que o escritório volta a funcionar hoje? Gostei desse negócio de enchente, ganhei uns dias de folga e a mulher foi com a enxurrada. Só me dói o corte no cocoruto.

Ou “Empreendedor”:

Pegou de dúzia os sacolões e sacos cheios de roupa, mas não conseguiu montar o brechó nem o mercadinho porque o terreno desceu com a casa ladeira abaixo. Foi preso quando passava a mercadoria adiantes.

O livro é editado pela editora Papa Terra, coordenada também pelo Cristiano Moreira, autor do prefácio do livro. Os leitores do Porto Literário conhecem a Papa Terra desde fevereiro de 2012, quando apresentei o livro “Apartados”, do chileno Rodrigo Naranjo, em edição bilíngue com tradução do próprio Cristiano.

Referência
Daniel Rosa dos Santos. Quando cai um rio do céu. Navegantes (SC): Para Terra, 2011.

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