Nas últimas semanas tenho escrito sobre livros publicados nos últimos 20 anos nos quais o testemunho e o relato pessoal recebem camadas de fabulação e ficção e como isso vem ocorrendo em temas trágicos da história recente, como a ascensão do nazismo ou as ditaduras latino-americanas. No mais diferentes entre si, identifiquei essa forma de escrita em já consagrados autores como W.G. Sebald, Roberto Bolaño e Gonçalo M. Tarares ou novos nomes como Marcelo Ariel e Rodrigo Naranjo. Seus livros têm uma linhagem.
I
Um dos mais lidos textos de Jorge Luis Borges, Kafka e seus Precursores, mostra como elementos da obra de Franz Kafka já haviam surgido na obra de autores que o antecederam. Isso não é importante no final das contas. O que interessa, nos mostra o escritor argentino, é que Kafka é quem os toma e lhes dá significado, sem o qual o rastreamento não seria possível. O que Borges nos ensina é que não existiam precursores: Kafka é quem os cria.
Antes, uma nota. Percebi agora que foi uma leitura de Borges uma das primeiras do coluna nessa empreitada de tratar de livros a defender o ficcional como forma de compreensão do mundo, não apenas ilustração dos fatos. Não faço nada inovador, apenas compartilho algumas ideias e conceitos que encontro nos textos sobre literatura de Carlo Ginzburg, Umberto Eco, Franco Moretti, Beatriz Sarlo, Luiz Costa Lima, Italo Calvino e Mario Vargas Llosa, além do próprio Borges e um ou outro clássico.
Eles estão por aí, não sabemos quem são ou o que
fizeram, mas temos a ficção contra eles
Era novembro de 2006, escrevia sobre as discussões realizadas em torno do lançamento de “As benevolentes”, de Jonathan Littell, narrado em primeira pessoa por um oficial nazista, Max Aue, fugitivo após a guerra, que relembra seu papel nos fatos (outro caso como os de cima). Olha só, 2006 e os jornais discutindo se essa opção narrativa seria dar voz ou não à ideologia que moldou o personagem. Ô, atraso de discussão.
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