Roland Barthes descreve Marlon Brando em “Sindicato dos Ladrões”, filme de 1954 dirigido por Elia Kazan, como um estivador “indolente e ligeiramente bruto”. O filme nos apresenta o personagem como um simpatizante dos criminosos que controlam o sindicato dos trabalhadores do porto, resignado com a condição de sujeição à situação.
A crítica de Barthes está em “Mitologias”, série clássica de pequenos textos publicados entre 1954 e 1956 em que disseca os interesses ideológicos mascarados na linguagem da cultura, da imprensa, pela arte e pelo cinema, como no caso de “Um operário simpático”, sobre o personagem de Brando em “Sur le quais”, o filme na versão francesa.
O crítico discorda de algumas posições do momento que consideraram o filme “corajoso”, de esquerda, “destinado a mostrar ao público americano o problema do operário”. Pelo contrário, o que faz o estivador agir contra o grupo “fraudulento e abusivo” é justamente ser convencido disso por um padre disposto o quadro social do bairro portuário.
- Aliás, e o seu próprio final que trai o filme, no momento em que muitos pensaram que Kazan assinalava astuciosamente o seu progressismo: na última sequência, vê-se Brando, num esforço sobre-humano, conseguir apresentar-se ao patrão, que o espera, como um consciencioso. Ora, o tal patrão está visivelmente caricaturizado.
Assim, no filme, quem salva o proletário não é a revolução, mas sim, veja só, o capitalismo: “a cantiga que nos cantam, apesar de todas as caricaturas, é o regresso à ordem”.
A leitura de Barthes cai extraordinariamente bem na versão brasileira do filme, na qual o operário deve se livrar do “sindicado de ladrões” para conquistar a liberdade. Nem imagino o que Barthes escreveria sobre o título brasileiro, mas seria delicioso, decerto.
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