Não é mentira, porque a coluna é publicada dia 31, mas neste 1º de abril a Comissão Permanente de Cultura da Câmara Municipal de Santos realiza audiência pública para discutir o uso de espaços públicos para eventos culturais e intervenções artísticas. Em um momento que parte da população da cidade chegou ao extremo de reclamar dos apitos dos cruzeiros que deixam o porto, essa discussão chega em hora boa. A audiência está marcada para as 18h30, na Sala Princesa Isabel, no primeiro andar do prédio da Prefeitura, na Praça Mauá.
Gostaria de notar que a audiência e seu tema são resultados diretos da ação dos artistas da cidade, que nos últimos dois anos, por vários motivos, têm se organizado em coletivos de produção: temos o Autoria e o Novos Praianos entre os compositores; o Action e o Ateliê 44 nas artes visuais; as Trupes Olho da Rua e d’Areia no teatro; na identidade cultural o Instituto Ocanoa e a Música Contemporânea Caiçara do Percutindo Mundos, entre outros. Essa produção precisa cada vez de mais palcos para ser levada ao público.
Parte dessa turma participou no domingo do 3º Encontro de Cultura Caiçara. E a escolha do local, a Pinacoteca, um espaço público, mostra como os artistas sempre se adiantam (e muitas vezes passam por loucos). Por ali passaram a Trupe d’Areia, o Percutindo Mundos, o Coral Fosfértil, Mirianês Zabot e Zéllus Machado como atrações musicais, os fotógrafos Biga Appes e Márcio Barreto, as esculturas de Galeno Malfatti e Anak Albuquerque que transformaram os jardins em galerias, e o pessoal da revista Laboratório de Poéticas, Ponto de Cultura de Diadema.
A Pinacoteca e outros museus têm condições de incrementar sua programação e trazer mais público adotando esses e outros artistas. É o caso do Museu de Arte Sacra, que recentemente anunciou a disposição de dialogar com artistas e intelectuais para montar uma programação para lá. Ainda aguardamos. O Museu do Café creio que também poderia se apresentar ao diálogo.
Mas os museus já são um espaço cultural pelo que guardam e todos eles cumprem (uns mais outros menos) sua função social. O negócio complica, e creio que esse será um tópico bem quente da audiência, em relação aos espaços públicos da Prefeitura: a Concha Acústica, o Coliseu, o novinho Guarani.
A concha sofre há anos do mal da reclamação, sem atrações, coitada!, porque a música, assim como o apito dos navios, deve atrapalhar um monte de gente chata que mora por ali (falo isso com propriedade porque moro em cima do Chorinho do Aquário e, tirando a repetição do Carinhoso toda semana, acho muito divertido). É a Trupe d’Areia que vem usando o local. Toda quinta-feira, às 20 horas, eles estão lá para quem quiser ver.
O Teatro Municipal foi deixado às traças e o Coliseu acabou substituindo-o como local de peças com globais no final de semana. Lembro que quando foi inaugurado, o Coliseu seria administrado por uma fundação, era papo da própria Secretaria de Cultura, e que ele seria a casa da Sinfônica de Santos (nada contra os globais, mas só eles estão por lá). O Guarani ainda não mostrou a que veio, não há calendário, não há temporada de nada, uma pena. E a Secretaria ainda anunciou a intenção de ocupar a Cadeia Velha, da Secretaria do Estado de Cultura. Para quê? Poderia até destilar um rancor contra a administração da Oficina porque mandei para lá um projeto de literatura no final do ano passado e não obtive resposta até agora, mas lá pelo menos tem programação fixada semestre a semestre, uma prática que o poder público municipal poderia adotar.
Porque a luta pelo uso cultural dos espaços públicos não serve só aos artistas, mas à cidade. Além de garantir ao público locais de apreciação estética e de reflexão, é um contrapeso ao avanço da especulação imobiliária e à arquitetura de torres bregas que se passam por gregas.