Alguns dos portos brasileiros criados desde a Abertura dos Portos às Nações Amigas foram, com o passar do tempo, estrangulados pelo crescimento populacional das regiões onde foram instalados e, hoje, cidades densamente habitadas como Santos, Vitória e Itajaí enfrentam grandes desafios para garantir qualidade de vida aos seus moradores. Diante desse complexo panorama, o Esquenta WebSummit Porto Sustentável convidou o doutor em Engenharia Civil na área de Infraestrutura Viária, Edésio Elias Lopes, e o mestre na área de Planejamento e Operação de Transportes, Marcelo Tadeu Mancini, para refletir sobre as nuances que envolvem a relação porto-cidade.
Ambos abordam a necessidade de aplicar políticas públicas com o objetivo de priorizar os modais ferroviário e aquaviário, além de desincentivar os modos de transportes individuais motorizados, de forma a permitir a mobilidade da população que vive na cidade juntamente com os deslocamentos de carga para os portos.
WebSummit Porto Sustentável - Muitos dos principais portos brasileiros estão localizados em cidades densamente povoadas e com grande complexidade urbana. Como superar a inexistência de planejamento e tornar a atividade portuária e a qualidade de vida nessas regiões compatíveis?
Edésio Elias Lopes - Para analisarmos estes problemas que existem em várias cidades portuárias brasileiras como Santos, Itajaí, Belém e Vitória, dentre outras, temos que identificar os contextos históricos. O fato é que os portos foram crescendo junto com as cidades onde estavam instalados. No final do século XIX, o volume movimentado de carga era muito inferior ao praticado atualmente e a infraestrutura necessária para esta movimentação também era bem menor - um exemplo era a profundidade necessária para atracação de embarcações. Ou seja, a infraestrutura de acesso marítimo das embarcações era insignificante quando comparado com o que é exigido atualmente.
Carregamento no Porto de Santos - final do século XIX/início do século XX
Portanto, estes portos se viram estrangulados pelas cidades que cresciam de forma exponencial no século XX e continuam crescendo no século XXI, além de defasados em termos de infraestrutura, pois necessitavam de uma grande atualização para se adequar aos novos modelos de embarcações. O modelo ideal de crescimento de um porto frente à cidade é o deslocamento do porto para uma área de maior profundidade, "fugindo" assim das localizações mais populosas e permitindo a atracação de embarcações de maior calado. É possível detectar como tendência mundial o fato de áreas mais antigas dos portos serem transformadas em áreas voltadas para lazer, com implantação de bares, restaurantes e praças para o convívio humano.
Marcelo Tadeu Mancini - As regiões portuárias constituem regiões de único uso do solo, especializado para o atendimento a estoque e logísticas de carga. Com esta situação de esvaziamento das regiões portuárias e devido à não existência de outros usos do solo, observam-se regiões que tornaram-se degradadas. Além da criação de projetos urbanísticos de requalificação destas áreas, é muito importante que os municípios prevejam também incentivos à diversificação do uso do solo, atraindo para estas regiões além de lazer e serviço, comércio e edifícios habitacionais. Além disso, estímulos como o desenvolvimento de atividades nas regiões e o incentivo à economia criativa aos moradores e comerciantes da região mostram-se ingredientes de sucesso para tornarem-se áreas profundamente ligadas à vitalidade das cidades portuárias.
Demonstrativo da evolução de um Porto
Refletindo sobre a situação atual das cidades portuárias brasileiras, preferencialmente os portos que não possuem áreas propícias para ampliação deveriam migrar para regiões de baixa densidade populacional e que possuam bom acessos marítimos (profundidade) e terrestres (rodovias, ferrovias). Já para os portos que irão se manter dentro das cidades, há necessidade de investimento em infraestrutura de transporte de acesso terrestre, assim como aplicação de políticas públicas que possam agir de forma a permitir a mobilidade da população que vive na cidade juntamente com os deslocamentos de carga para os portos.
WebSummit Porto Sustentável - Mais da metade da população mundial já vive nos centros urbanos. Essa presença concentrada exige grande esforço logístico para a movimentação de cargas e pessoas. Como aliar eficiência logística e sustentabilidade?
Marcelo Mancini - Certamente este é o maior desafio à mobilidade de bens e pessoas. Em primeiro lugar deve-se desincentivar os modos de transportes individuais motorizados que têm se mostrado extremamente ineficientes e estão por trás do caos que as cidades vivem nas últimas décadas. A partir do momento que as municipalidades passarem a investir no transporte coletivo e nos modos ativos, com prioridade sobre os transportes individuais, as cidades passarão a ter um transporte mais eficiente, confiável e menos poluente. Além disso, é preciso que o planejamento urbano e da mobilidade, através de seus planos diretores, possam indicar esta preferência e ordenar os transportes de cargas nas cidades. Por isso se faz tão importante definir um plano abrangente e participativo. Com isso, a cidade será mais eficiente e o atendimento à complexa logística de bens que se destinam e são geradas pelas cidades serão muito mais fluidas.
WebSummit Porto Sustentável - Como reduzir os impactos inerentes ao transporte de cargas no meio ambiente e tornar as operações portuárias mais sustentáveis?
Edésio Lopes - Com relação ao processo de transporte de cargas e os impactos que eles geram no meio ambiente o ideal é a utilização de modais de transporte que apresentem menor impacto, como os transportes aquaviário e ferroviário. Veja uma comparação dos impactos por modal na figura abaixo:
Sendo assim, pensando no ambiente e na integração dos portos com as cidades, vejo a necessidade de incentivar a utilização destes dois modais (transportes aquaviário e ferroviário), sendo a cabotagem uma grande aliada para a diminuição da utilização do transporte rodoviário. Pensado em transporte rodoviário de carga, o que precisa ser feito é o investimento em fontes mais limpas de combustivel, como os carros elétricos ou movidos a combustível de origem vegetal.
WebSummit Porto Sustentável - O MBA em Planejamento Urbano Sustentável do IPOG possui disciplinas de ordenamento territorial e dimensionamento da nova cidade. Como isso é desenvolvido nessas aulas de pós-graduação?
Marcelo Mancini - Esse MBA nasce com o propósito de despertar em planejadores urbanos e gestores de diversas áreas de conhecimento novos métodos de enfrentar e conceber o espaço urbano. Não é mais possível planejarmos uma cidade ineficiente e voltada aos automóveis como hoje vemos. Temos que começar a pensar que tudo tem que ser voltado para as pessoas - não para máquinas e carros -, pois do jeito que está hoje a qualidade de vida acaba tendo um papel coadjuvante nas cidades. Queremos mudar isso. A especialização tem disciplinas que fazem o profissional conhecer novos métodos e novas concepções, como Smart Cities, Economia Criativa, Mobilidade Sustentável, Infraestrutura Urbana, Habitação e a importância das mídias sociais na governança, dentre diversos temas bastante antenados com esta nova realidade que está por vir, preparando profissionais para atuarem diante destes novos desafios.
Confira os currículos dos profissionais que contribuíram para esta publicação:
Edésio Elias Lopes: Doutor em Engenharia Civil pela UFSC na área de Infraestrutura Viária, onde também obteve seu mestrado, graduado pela UFV. Coordenador e professor no IPOG e sócio na empresa de consultoria Bormatto, trabalhou IDP Engenharia (empresa sediada na Espanha) em projetos voltados para infraestrutura de transportes, logística e mobilidade urbana, atual por 9 anos como pesquisador no LabTrans/UFSC em projetos relacionados a infraestrutura de transporte em órgão federais e estaduais. Atuou também como professor no setor de Geodésia no departamento de Engenharia Civil da UFSC e trabalhou no Laboratório de Fotogrametria e Sensoriamento Remoto em projetos de auxílio à execução de planos diretores municipais.
Marcelo Tadeu Mancini: Mestre na área de Planejamento e Operação de Transportes pela Universidade de São Paulo (USP) e Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Desenvolveu pesquisas em requalificação de espaços públicos e em gestão de mobilidade sustentável. Atuou em consultoria de transportes e atualmente é coordenador da área de Planejamento da Mobilidade Urbana no Rio Ônibus, empresa responsável pela operação e planejamento do sistema de transporte por ônibus e BRT na cidade do Rio de Janeiro. Professor das disciplinas de Planejamento da Mobilidade no curso de Infraestrutura de Transportes no IPOG e coordenador do MBA Planejamento Urbano Sustentável.