Talvez o guru e futuro superministro Paulo Guedes venha a ser mais problema do que solução no governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Com um otimismo liberal fácil, promove ficção da política econômica comparável ao de uma estatística que considera uma pessoa com a cabeça no frigorífico e os pés na fornalha em temperatura confortável. Tenta provar que vai transformar o patrimônio das estatais brasileiras - hoje calculado em aproximadamente R$ 480 bilhões - em R$ 2 trilhões por um simples gesto de mágica. Para viabilizar as aprovações necessárias no Congresso, Guedes propôs uma "prensa" nos deputados e senadores. Entretanto, ainda não explicou com clareza a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) da qual é alvo, por um rombo nada pequeno nos fundos de pensão do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobrás e Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fruto da sua gestão. Mesmo assim, ele quer manter em suas mãos o controle das pastas Fazenda, Planejamento, Trabalho e Comércio Exterior.
No âmbito do Comércio Exterior, Guedes causa polêmica ao destoar da visão moderna de multilateralidade nas relações comerciais e brada que o Mercosul não será prioridade. Apesar de ter também declarado que "a partir de 1º de janeiro o Brasil pretende negociar com o mundo", não deixa claro se esta condição anula a sua afirmativa discriminatória com o mercado sulamericano. Faz lembrar Fernando Collor, quando, assim que foi eleito, declarou que iria negociar com países ricos e não com "cucarachos". São estas as preocupações de Milton Lourenço, diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis), por entender que "não será um bom caminho lançar por terra o Mercosul". Para exemplificar, cita que no ano passado, de janeiro a novembro, a Argentina foi o destino de 76% das exportações do Brasil para o bloco (US$ 16 bilhões) e foi também líder nas importações brasileiras no bloco (US$ 8,6 bilhões).
Durante a campanha vitoriosa de Bolsonaro, as propostas sem coerência eram moldadas conforme suas audiências. Ao passar dos palanques de campanha para o Palácio do Planalto, será obrigatória uma retórica organizada e necessária à inteligência das coisas e das ações, distinta do maniqueísmo entre o deus liberalismo e o diabo estatizante, para desencadear e dar rumo às ações necessárias para impulsionar o desenvolvimento. Como costumava dizer o ex-governador de São Paulo, Franco Montoro, não é o estado mínimo nem máximo: será o estado necessário. Significa galvanizar um país mobilizado e exigente, principalmente para gerar trabalho e renda, inclusive produção e justiça distributivas. Nesse sentido, avulta a importância do comércio exterior e da logística como fatores de progresso econômico e social, principalmente no agronegócio e na indústria. Decerto que passo importante e exemplar foi dado na direção da urgente restruturação do Ministério dos Transportes que, corroído pela corrupção, tem sido muito prejudicial à competitividade do produto brasileiro no mercado internacional. A indicação do general da reserva Oswaldo Ferreira para comandar essa estratégica pasta sinaliza uma solução asséptica, sem dualismo, como equilíbrio dos poderes estatal e liberal, mas principalmente com competência de direção.
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Diferente da impressão causada por Paulo Guedes, é possível otimizar a multilateralidade no comércio internacional, renovando posicionamentos movidos por visões desconectadas do novo paradigma global e da sociedade que se organiza nas redes sociais. Sob a ótica da competitividade, o ponto frágil da inserção do produto brasileiro no mercado global são redes produtivas e logísticas deficientes, dependentes de estratégias e estruturas que não foram planejadas e expressadas até agora. Trata-se de um novo modelo de Brasil, com as regiões Norte e Nordeste integrando-se agilmente aos grandes mercados mundiais, através do Arco Norte. É um processo de novos conceitos na implantação de cadeias produtivas e logísticas que vêm se integrando por múltiplas modalidades. Metaforicamente, significa desenvolver e unificar com equidade todos os nossos Brasis. Um desafio cuja grandeza é bem revelada na reflexão do engenheiro consultor Frederico Bussinger, colaborador do Portogente: "A pauta para tanto é extensa e razoavelmente conhecida. Mas não inexequível".
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Para ter sucesso, esse projeto holístico vai depender de estruturas ágeis e com centros de decisão próximos dos desafios e dos problemas. Por isso, o futuro presidente Jair Messias Bolsonaro vai precisar descentralizar as tomadas de decisão, no processo de promover menos Brasília e mais Brasil; é a forma mais eficaz de galvanizar a sociedade brasileira na construção de um desenvolvimento robusto e sustentável, que o povo brasileiro tanto aspira e tem por merecer. Iniciar com a regionalização da gestão dos portos alinhada com o negócio portuário, entendendo-se região do porto a sua área de influência, significa definir do fim para os meios. É a partir dos portos que se expande a energia positiva do desenvolvimento, no seu sentido amplo de econômico e social, fomentando produção, funções geográficas, logísticas e cadeias de suprimento. Uma nova forma mais dinâmica de conceituar o tradicional local de transição entre modais aquaviário e terrestre, tratando-o como Plataforma de Desenvolvimento.