“Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
..............
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo...”
(“Como Uma Onda” – Lulu Santos)
Planos diretores portuários não são novidades nos portos brasileiros. Mas Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ), com essa nomenclatura, foi instrumento estabelecido pela antiga “Lei dos Portos” – ALP (Lei nº 8.630/93). E, isso, de forma bastante frugal: limitava-se a atribuir ao CAP a competência para aprová-lo (art. 30; § 1°; X).
Ao longo das duas últimas décadas foram inúmeras as iniciativas para regrá-lo, assim como para definir o processo de sua tramitação e aprovação. P.ex: os Dec. 4.391/02 e Dec. 6.620/08; resoluções da Antaq, em particular a Res. 2.240/11; portarias da SEP (178/09; 257/09) até a mais recente, Portaria-SEP 414/09, que os regulamentou minuciosamente; inclusive estabelecendo um índice.
Dando curso ao processo de detalhamentos, esclarecimentos, solução de conflitos e preenchimento de lacunas do novo modelo portuário, balizado pela “Nova Lei dos Portos” – NLP (Lei nº 12.815/13) e decreto que a regulamenta (Decreto nº 8.033/13), a Secretaria de Portos – SEP vem de baixar a Portaria nº 03/2014, em 07/JAN/2014, para regulamentar a matéria. Só que, agora, optou por fazê-lo com escopo mais abrangente, estabelecendo “... as diretrizes para a elaboração e revisão dos instrumentos de planejamento do setor portuário - Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP e respectivos Planos Mestres, Planos de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ e Plano Geral de Outorgas – PGO”.
Foto: Bruno Merlin
Porto do Itaqui, no Maranhão, abriga diferentes tipos de terminais e operaçõeso Merlin
Curioso: ao contrário do que faz crer o bordão, repetido acriticamente e, em geral, como álibi a inações (“falta planejamento no Brasil”), o que não nos falta são planos... ao menos no setor portuário. Aquele é apenas um subconjunto de um vasto universo, para os quais, há muito, se demandava uma harmonia sistêmica.
Difícil entender-se, por razões funcionais e/ou econômicas, a necessidade de tantos planos; em geral, com inúmeras áreas redundantes. P.ex: o Plano Mestre e o PDZ não poderiam ser fundidos? O conteúdo do PGO (e, mesmo, dos “Programa de Arrendamento” – PAP, local, e PNAP, nacional – elaborados com base no Dec. nº 4.391/02, agora revogado) não poderia ser um capítulo do PNLP?
Mas, já e enquanto existirem, ao menos que tal harmonia seja buscada, sem o que tais planos dificilmente podem se transformar, efetivamente, em “instrumentos de planejamento”. Por conseguinte, a iniciativa da SEP, de definir o papel e o escopo de cada um, e a interface entre eles, deve ser saudada.
Mas atenção: Não se trata, apenas, de uma providência sistematizadora. A nova norma, além de enquadrar o PDZ dentro do novo modelo portuário, cuja centralização do processo decisório é uma das principais marcas, também regulamenta o respectivo processo de elaboração e aprovação, como também define os papéis dos diversos atores nele envolvidos. Essa é uma dimensão importante a ser observada por aqueles que ora se debruçam sobre revisões de PDZs: Elas não deverão/poderão ser, apenas, mais uma revisão!
Algumas dessas mudanças, a título de exemplo:
Anteriormente a aprovação do PDZ era competência do Conselho de Autoridade Portuária - CAP (art. 30; § 1°; X da ALP). Agora passou a ser da SEP (art. 17; § 2° da NLP).
A ALP não definia, nela, o conteúdo dos PDZs. Com o passar do tempo, as diversas resoluções da ANTAQ e portarias da SEP foram paulatinamente detalhando-o; o que também o faz a recente norma da SEP.
Pela ALP, o PDZ era “o” instrumento de planejamento. E, como tal, tinha um caráter essencialmente estratégico. A nova norma redefine-o como um instrumento meramente operacional (“O Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ - instrumento de planejamento operacional da Administração Portuária, que compatibiliza as políticas de desenvolvimento urbano dos municípios, do estado e da região onde se localiza o porto, visando, no horizonte temporal, o estabelecimento de ações e de metas para a expansão racional e a otimização do uso de áreas e instalações do porto, com aderência ao Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP e respectivo Plano Mestre” – art. 1º; III da nova norma).
Como consequência, a responsabilidade pela elaboração dos PDZs são das Autoridades Portuárias (art. 17; § 2° da NLP). Mas as análises e definições de “projeções de demanda e capacidade de atendimento”, um dos carros-chefes e etapa que demandava grande parte do tempo e das energias para elaboração/revisão de PDZs, agora passam a ser matéria a ser fornecida pelo respectivo Plano Mestre (art. 4 e 5 da norma). E o define como uma atribuição “exclusiva” dele. A norma prevê uma possibilidade da Autoridade Portuária influir nessas definições do Plano Mestre (art. 6º e 7º); possibilidade, todavia, também regrada detalha e restritivamente.
Um outro aspecto a ser observado na definição do art. 1º; III da nova norma, e que exige reflexões e cuidados: Os novos PDZs, com as novas características, pressupõe a existência do respectivo Plano Mestre estabilizado. E, este, o PNLP. Apesar da norma definir cronograma para que cada porto apresente seu PDZ revisado (Anexo-I), aparentemente ainda há pendências a serem resolvidas, até que esses pressupostos sejam atendidos e amplamente divulgados.
De igual forma, os demais instrumentos municipais e estaduais, com os quais o PDZ deverá ser “compatibilizado”, apresentam situações bastante distintas nos diversos portos brasileiros. Muitos deles, incidentalmente, também encontram-se em processo de revisão; o que deverá tornar tal tarefa ainda mais complexa.
Além desse aspecto processual, há um outro, de natureza mais estrutural: Enquanto os “instrumentos de planejamento” portuários, objeto da nova norma, são essencialmente elaborados dentro da estrutura estatal, o municipal, p.ex., deve sê-lo com base no “Estatuto das Cidades” (Lei nº 10.257/01), que, sabidamente, tem um viés participacionista. Como compatibilizar tais processos? É algo que merece análise mais profunda e definições mais detalhadas. Não seria esse justamente um espaço privilegiado para que seja exercitado o planejamento como pacto?
Uma outra interface a ser tratada é com o PGO. Este deve “... analisar o balanço de demanda e capacidade atual e estimada nos portos e terminais existentes e o indicativo de previsão de necessidade de novas instalações portuárias...” (art. 18 da norma). Grande responsabilidade; não?
Merece também destaque um condicionante importante para o PGO, relativo à questão ambiental: “O PGO deverá observar e respeitar as Áreas de Preservação Permanentes – APP, estabelecidas em lei, e o Zoneamento Econômico Ecológico – ZEE da região, conforme estabelecido pelas instâncias governamentais” (art. 19). Aparente esse “respeito” extrapola o estabelecido pela legislação pertinente (Capítulo II do “Código Florestal”; Lei nº 12.651/12).
Finalmente, ao iniciarmos esse amplo processo de revisão de PDZs, alguns aspectos mereceriam mais reflexões e análises mais específicas:
• O “sistema de planejamento” estabelecido, harmônico, traz a possibilidade de bem prever e tratar a demanda tendencial; principalmente a agregada. E a demanda induzida, principalmente a localizada? Um exemplo paradigmático é o “surgimento” e crescimento acelerado do açúcar no Porto de Santos; e, até, o desenvolvimento da própria indústria suco-alcooleira no Estado de SP: Um e outro certamente tem muito a ver com o aumento da eficiência portuária, expansão da capacidade ali instalada, e da dramática redução de custos, resultado das Reformas Portuárias dos últimos 20 anos; a maior parte delas, iniciativas autônomas e precursoras. Como contemplar a possibilidade de fenômenos semelhantes nos diversos portos?
• Não seria desejável a existência de uma definição, mais explícita, da interface entre o PNLP e o PNLT (Plano Nacional de Logística e Transportes); principalmente porque, sabe-se, um dos principais gargalos portuários brasileiros está em terra (e não na água!): os acessos!
• Apesar do enunciado “bianualmente” (ou seja, semestralmente), entende-se que o PNLP (art. 2º) e os Planos Mestres (art. 3º) devem ser atualizados a cada 2 anos (bienalmente). O PGO a cada 4 anos (art. 15). E os PDZs “pelos menos” bienalmente (art. 8º) - portanto, pode até ser com intervalos menores. E, todos eles, também “sempre que necessário”; condicionante não definido objetivamente. Essa possibilidade de frequente revisão não confronta o papel de referencial para o médio/longo prazo (10 e 20 anos: § único do art. 1º) que os “instrumentos de planejamento” têm (ou deveriam ter)?
Os PDZ estão de roupa nova. Que contribuição aportarão (sem trocadilho!) para o desenvolvimento de gestões mais planejadas só a prática e o tempo dirão!