Quinta, 21 Novembro 2024

 

Pontos chaves:

1) Venceu o prazo: Milhares de lixões não foram desativados e, ante a Lei, prefeituras e prefeitos estão na ilegalidade. Sujeitos a sanções administrativas, cíveis e criminais.

2) Por não ser caso isolado, e ante a dimensão do imbróglio, o que está em cheque é o nosso modelo e técnica legislativa, modelo de planejamento, processo decisório e governanças.

3) Não seria importante que legisladores e planejadores estivessem compromissados com o como viabilizar suas proposituras e com resultados tanto quanto com suas leis e planos?

 


Algo como 80% da prefeituras brasileiras estão inadimplentes. Portanto, formalmente, na ilegalidade.

Venceu dia 2/AGO passado o prazo final para a desativação de todos os lixões dos municípios brasileiros; prazo estabelecido pela Lei nº 12.305/2010, aprovada após 19 anos de tramitação e que institui a “Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS”. Desde então prefeituras e prefeitos estão sujeitos a multas que podem variar de R$ 5 mil a R$ 50 milhões; a deixar de receber verbas federais; a perda de mandatos e, até, serem estes alvo de medidas judiciais (cíveis e criminais), ação civil pública, ação de improbidade administrativa e ação penal por crime ambiental: Mais que hipóteses, já há, inclusive, ameaças e ultimatos do Ministério Público e, mesmo, denúncias oferecidas à justiça.

4 anos foi o prazo dado pela Lei para que os Municípios se adequassem mas, ao final do quadriênio, cerca de 2.000 lixões a céu aberto seguem existindo no País; coleta seletiva em apenas 18% dos municípios (algum progresso, pois em 2011 eram apenas 8%!); nenhuma meta foi integralmente cumprida, mais de 60% sequer tinham elaborado seus “Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos” (também exigência legal). TACs foram assinados (alguns reassinados). Inúmeros seminários foram feitos. Discursos; reportagens especiais; missões internacionais; sites, blogs... também.

A explicação mais frequente, dada elegantemente pelos prefeitos e prefeituras, é que “existe um déficit de recursos financeiros, operacional e técnico”; explicação endossada e aprofundada por técnicos e entidades ligadas ao setor.

O certo é que, enquanto isso, 64 milhões (01, 02) de toneladas de resíduos sólidos (ou 76 milhões) continuam majoritariamente contrariando a Lei; um mercado que movimenta mais de R$ 22 bilhões/ano no País. TACs vão sendo propostos, a Confederação Nacional do Comércio – CNC propõe/procura negociar acordos setoriais (fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e poder público) para impulsionar a logística reversa; e prefeitos, diante da “inviabilidade” de cumprimento da Lei, nesse prazo, se preparam para (mais uma vez!) pedir prorrogação de prazos para sua efetivação e em busca de recursos; por alguns tratado como “REFIS do lixo”!

Pela dimensão do problema, lógico, o título deste artigo é meramente retórico; uma provocação. Mesmo porque, nem haveria como viabilizá-lo!

A par das iniciativas, segue também o debate: “.. enquanto não for concretizado o princípio do poluidor-pagador o Brasil continuará erguendo montanhas de detritos”, uma discussão conceitual importante; tanto quanto a quem cabe pagar a reciclagem - ou o papel dos poderes públicos e de cada segmento do setor privado.

Também questões mais ligadas ao “como”: A dirigente do “Movimento Nacional dos Catadores Recicláveis”, Claudete Costa, categoria diretamente afetada pelo fim dos lixões, reclama que, “...ainda não existe uma política pública voltada para a categoria. Pedimos apoio para os catadores de recicláveis, que em sua maioria são mulheres. Cuidamos do meio ambiente e geramos emprego e renda”.

Reunidos em Porto Alegre, em 22/AGO passado, o “Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais”, tendo como convidados representantes do 1º escalão do Governo Federal, das entidades nacionais dos Prefeitos e de catadores, decidiu criar “um Grupo de Trabalho que deverá elaborar, em curto espaço de tempo, uma proposta de ajuste na lei ..., com critérios e prazo razoáveis para sua execução”; um reconhecimento, implícito, que há dificuldades concretas, reais com a Lei.

Tal iniciativa, por sua vez, recebeu o endosso do próprio Governo Federal, através da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, vendo o GT como: “... a concretização da maturidade política em torno do tema dos resíduos sólidos e erradicação dos lixões com soluções tecnológicas... que o trabalho desenvolvido pelo GT será focado nas realidades municipais e estaduais brasileiras”. Anteriormente, a Ministra, com propriedade, já lembrara que “acabar com lixões é transformar os catadores em empreendedores, é mudar a relação produtiva no país, é dar dignidade na geração de empregos”; e que “... há que se levar em conta a diversidade da realidade de todos os municípios. É importante ouvir a sociedade nessa discussão”.

Todas elas questões, argumentos e iniciativas ponderáveis! É inegável.

Esse quadro de ilegalidade, deliberadamente gerada e, agora, consentida, impõe que se questione: Por que só agora? Não deveria ter sido isso pensado e discutido há 4 anos? Só agora ficaram claras as diferenças regionais? A necessidade de se dialogar com a sociedade?

Mais, ou no mínimo tanto quanto a PNRS, o que está em cheque é o nosso modelo e técnica legislativa, nosso processo decisório, nossas governanças; pois quadro similar ocorreu/ocorre com as políticas de saneamento básico (Lei nº 11.445/07 -  água, esgoto, limpeza pública, manejo de resíduos sólidos, drenagem urbana e manejo de águas pluviais); com a Lei nº 12.619/12 (“Lei do Caminhoneiro”), e tantas outras “leis que não pegam”... ou demoram a pegar.

Alguns defendem esse modelo, esse processo, argumentando que “se não for assim, ninguém se mexe!”.

Como diz Ancelmo Gois, “Eh! Pode ser!”. Mas não seria o caso de ao menos tentar-se caminhos alternativos? Não seria importante que legisladores e planejadores estivessem compromissados com o como viabilizar de suas proposituras e com resultados tanto quanto com suas leis e planos?

 

 

 

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