“Reforma portuária é uma solução de compromisso entre
tempo, custo e nível de tensão social aceitável”.
[Ouvido no “Moderport” – Santos/1996]
De longe, por entre espessas brumas, tem-se a impressão de um descontraído minueto, envolvendo reuniões civilizadas, em Brasília e em Santos, e mútuas, reiteradas e convictas reafirmações de “acordo-à-vista” – levando a crer que, no mérito, as partes buscam os mesmos objetivos. Mais de perto, ainda que não se perceba o “torturante Band-aid no calcanhar”, nem se sinta o “frio na espinha” dos bailantes, a coreografia está mais para um bolero tipo “Dois prá lá, Dois prá cá”; com flexibilizações das “cláusulas pétreas” com que cada parte adentrou à pista, e o estabelecimento de regras provisórias... enquanto se costura o tão propalado acordo. Obs: o vigente vence na próxima semana (28/OUT).
No teatro de operações, todavia, nas “pedras pisadas do cais”, já se começa a perceber que a Embraport é, apenas, a ponta do novelo: Na sequência certamente emergirão demandas/processos similares nos demais terminais conteneiros do Porto Organizado de Santos; a seguir nos seus demais terminais; nos TUPs do Estuário Santista... em ondas que tendem a se propagar Brasil afora.
O intrincado xadrez que passou a ser pacientemente jogado nos últimos meses, para se evitar a pecha de intransigência/radicalização (algo inconveniente para quem se arvora a negociar!), aparenta abarcar objetivos diametralmente opostos:
• Arrendatários/operadores: Vinculação total da mão-de-obra operacional; ainda que aceitando-se o TPA com “complementar” e “opcional”. Acessoriamente, se for possível já nessa etapa histórica, que a fonte não seja apenas o OGMO.
• Trabalhadores: Manutenção do trabalho portuário avulso, na capatazia e na estiva.
Os fundamentos/argumentos não são improvisados:
• A articulada unidade produtiva em que se transformaram os terminais portuários, envolvendo complexos equipamentos/sistemas de vários milhões de Reais cada um, conectividade intermodal, e demandas (de clientes) por padrões elevados de qualidade (just-in-time; previsibilidade!), requerem comando único e gestão centralizada; brandem, com razão, os arrendatários/operadores.
• A centenária cultura do trabalho sem-vínculo, preservada nos portos brasileiros mesmo ao longo de todo o áureo período do “fordismo”, tornou-se até uma tendência atual para vários setores da economia/sociedade; argumentam os trabalhadores portuários, agora com suas convicções retemperadas por importantes ensaios e best-sellers como, p.ex., Jeremy Rifkin (“O fim dos empregos”) e Domenico de Masi (“O ócio criativo”).
Muito importante... mas o tabuleiro tem mais peças que legalidades e tecnicidades!
A Embraport, talvez pelo seu noviciado, tanto em Santos como no próprio setor, apostou firmemente na “flexibilização” da contratação da mão-de-obra, expectativa que foi criada (incentivada?) com o novo marco regulatório; principalmente entre os empresários. Daí porque tinha o firme propósito de não iniciar suas operações sem que 100% da mão-de-obra fosse vinculada. Os trabalhadores, por sua vez, ao iniciar a tramitação da MP-595, apenas queriam “não perder direitos conquistados”. Ambos os setores, porem, acabaram sendo surpreendidos (empresários negativamente; trabalhadores com largos sorrisos), com a inclusão da capatazia entre as “exclusividades” e com o enquadramento como “categoria preferencial diferenciada” (com potencial repercussão também fora dos portos organizados) na nova Lei.
Foto: Agência Senado
Sindicalistas portuários comemoram aprovação de novo marco com os congressistas
Qual o saldo? Quais as implicações de tais mudanças para a correlação de forças estabelecidas? Que relevância terá a constatação de insuficiência de contingentes qualificados? E da aproximação do ano eleitoral? São muitas as dúvidas, as questões envolvidas; possível razão para que os trabalhadores tenham recuado das iniciativas de paralizações, bloqueios e invasão de navios; e a EMBRAPORT do seu atavismo inicial. Esta, talvez, por ainda ter que tratar da nebulosidade da “adaptação” (Art. 58 e 59 da Lei nº 12.815/13) de sua autorização (um TUP para todos os efeitos dentro de um Porto Organizado; agora ainda anabolizado pelas “cargas de 3º”).
Quantos ciclos de acordos provisórios ainda serão celebrados? Obs: o atual, para número par de ternos, prevê meio-a-meio; 2/3 (TPA) X 1/3 (vinculado) quando são 3. Qual o risco do transitório se tornar permanente? São dúvidas adicionais.
Vínculo, para os trabalhadores, é algo transitório. Para a Embraport (e os arrendatários/operadores, de maneira geral) é só uma questão de tempo. Daí porque já decidiram retomar o processo do ano passado, interrompida com a edição da MP-595. E, nesse sentido, até já enviaram expedientes específicos aos diversos sindicatos.
O desenlace (dessa etapa das reformas) ainda é uma incógnita; tanto no mérito como, principalmente, no prazo e nos efeitos colaterais. O certo é que o processo da Embraport deflagrou uma discussão/definição que nem a antiga nem a atual “Lei dos Portos” enfrentou com clareza e suficiência.
Nessa situação, além da sábia trilogia veiculada no “Moderport”, nunca é demais lembrar os ensinamentos de um reconhecido negociador; Henry Kissinger: “Mudanças negociadas somente têm início quando os negociadores passam a enxergar, claramente, a próxima etapa”.